Trombólise no Infarto Agudo do Miocárdio
A trombólise/fibrinólise é uma estratégia de reperfusão no infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST). Esse é o tratamento indicado em locais sem disponibilidade de angioplastia primária ou quando o tempo até a realização da angioplastia é estimado em mais de 120 minutos. Este tópico aborda as principais evidências sobre o tema, com suas indicações e contraindicações, modo de administração dos diferentes tipos de trombolíticos, possíveis complicações e manejo.
Indicações e contraindicações
A angioplastia primária percutânea por cateterismo de coronárias é considerada a melhor estratégia de reperfusão na maioria dos pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) [1-3]. A realização depende da disponibilidade de centros com sala de hemodinâmica, limitando o acesso em muitas regiões. Segundo o registro brasileiro de 2018, dos 74.569 casos de IAM, somente 10.811 angioplastias primárias foram realizadas, evidenciando a baixa disponibilidade desse procedimento no país [4].
A terapia fibrinolítica (trombólise) é uma alternativa à angioplastia primária em locais que não dispõem de serviço de hemodinâmica ou quando a previsão de realização da angioplastia ultrapassa 120 minutos. A trombólise está indicada somente no infarto com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) em pacientes que se apresentam em até 12 horas do início dos sintomas [5].
As contraindicações à trombólise apresentam divergências entre as principais diretrizes e estão disponíveis na tabela 1 [6-8].
Tomada de decisão
A decisão de realizar a trombólise deve ser feita a partir do quadro clínico compatível com síndrome coronariana aguda e eletrocardiograma com supradesnivelamento do segmento ST que entre no critério de IAMCSST. Não se deve aguardar o resultado da troponina para iniciar o trombolítico, por atrasar desnecessariamente o início do tratamento. O benefício da reperfusão depende do tempo e supera os riscos quando os critérios de seleção e contraindicação são seguidos [9,10]. A eficácia é comparável à angioplastia primária nas primeiras 3 horas do início dos sintomas em relação à redução de mortalidade e disfunção ventricular, especialmente quando a angioplastia não puder ser realizada nesse período [11-13].
O tempo ideal entre a chegada ao hospital e a administração do agente fibrinolítico (tempo porta-agulha) deve ser inferior a 30 minutos, conforme recomendações das diretrizes da sociedade europeia (ESC), americana (AHA) e brasileira de cardiologia (SBC) [6-8]. O fluxograma 1 resume o manejo da trombólise.
A trombólise pré-hospitalar é autorizada pelas principais diretrizes. Consiste na administração do trombolítico pela equipe de atendimento pré-hospitalar no local da ocorrência, antes da chegada ao hospital. Estudos demonstram redução de mortalidade comparado à trombólise intra-hospitalar, destacando a importância da administração precoce do trombolítico [12,14,15].
Choque cardiogênico
Em pacientes que se apresentam com IAMCSST e choque cardiogênico, a trombólise pode ser realizada se o tempo para angioplastia primária exceder 120 minutos a partir do diagnóstico. Nesses casos, é importante excluir a presença de complicações mecânicas do infarto como causa da instabilidade antes da trombólise [6,7].
Parada cardiorrespiratória (PCR)
Estima-se que 50% a 70% das paradas cardiorrespiratórias (PCR) extra-hospitalares sejam decorrentes de IAM. O estudo TROICA, com 1050 pacientes randomizados para trombólise durante a PCR ou placebo, não encontrou diferença em mortalidade, desfechos neurológicos ou retorno à circulação espontânea [16]. Outros trabalhos além desse também foram negativos, de modo que a trombólise não é indicada de rotina na PCR por suspeita de IAM [17].
A trombólise pode ser considerada nos casos de PCR presumida por tromboembolismo pulmonar, conforme o Advanced Cardiac Life Support (ACLS). Veja mais em "Medicamentos na Parada Cardiorrespiratória (PCR)".
Como administrar o trombolítico
Os principais agentes fibrinolíticos disponíveis são estreptoquinase (SK), alteplase (tPA) e tenecteplase (TNK-tPA). Podem ser classificados em não fibrino-específicos (estreptoquinase) e fibrino-específicos (alteplase, reteplase e tenecteplase). Os fibrino-específicos são os agentes de escolha, por maior eficácia e menor risco de eventos adversos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8204123/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/3109764/).
Terapia antitrombótica (outros medicamentos para infarto)
Todos os pacientes com diagnóstico de IAMCSST que serão submetidos à terapia trombolítica devem receber terapia antitrombótica. O esquema inclui:
- Dupla antiagregação plaquetária (DAPT)
- Ácido acetilsalicílico (AAS): redução de 5,2% de risco absoluto de mortalidade quando associado à estreptoquinase no estudo clássico ISIS-2 (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/2899772/).
- Clopidogrel: único inibidor de P2Y12 autorizado para uso na trombólise. Em pacientes com mais de 75 anos, não se recomenda dose de ataque na trombólise (diferente da angioplastia primária) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15758000/).
- Anticoagulação:
- Enoxaparina (preferência), heparina não fracionada ou fondaparinux (não disponível no Brasil) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8204123/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16537665/,https://www.aspenpharma.com.br/wp-content/uploads/2022/01/22_01_19_ARIXTRA_Comunicado-de-descontinua%C3%A7%C3%A3o_Site.pdf?utm_source=chatgpt.com).
A tabela 2 resume as doses de administração da terapia antitrombótica. Veja mais em "Medicamentos no Infarto Agudo do Miocárdio".
Agentes trombolíticos
As doses e a forma de administração dos trombolíticos estão contempladas na tabela 3.
Quando disponível, a tenecteplase é preferível por sua maior taxa de recanalização coronariana, menor risco de sangramento e maior praticidade posológica (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10475182/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35636043/).
A administração da terapia trombolítica pode ser feita em acessos venosos periféricos. Todo paciente deve permanecer monitorizado, com atenção ao risco de sangramento (intra ou extra-craniano), instabilidade hemodinâmica, arritmias ventriculares e outras complicações.
Complicações
As complicações associadas à trombólise podem ser classificadas em hemorrágicas e não hemorrágicas (tabela 4).
Os sangramentos são as complicações mais frequentes da trombólise. A incidência geral é de até 11,4% nos principais estudos, com 1,8% de sangramentos graves (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/9184581/). Fatores associados a maior risco de sangramento são idade avançada, sexo feminino, baixo peso corporal, doença cerebrovascular prévia e hipertensão na admissão (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11728145/).
O grupo GUSTO define um sangramento no contexto da trombólise em leve, moderado ou grave (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/9184581/):
- Leve: sem instabilidade hemodinâmica e sem necessidade de transfusão.
- Moderado: necessidade de transfusão, porém sem instabilidade hemodinâmica.
- Grave: intracraniano ou que cursa com instabilidade hemodinâmica.
O sangramento intracraniano é uma das complicações mais temidas, com mortalidade de até 60%. A suspeita ocorre em pacientes com cefaleia súbita, náuseas ou vômitos persistentes e alterações neurológicas. As hemorragias extracranianas ocorrem em 4% a 13% dos pacientes, sendo o trato gastrointestinal o local mais frequente (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/7586246/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11320361/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/9786806/).
Manejo das complicações hemorrágicas
O efeito da alteplase sobre a cascata de coagulação pode persistir por mais de 24 horas após a infusão. A droga promove coagulopatia de consumo, com redução de fibrinogênio e prolongamento de tempo de protrombina (TP) e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa).
Na suspeita de sangramento intracraniano deve-se parar a infusão do trombolítico e realizar tomografia computadorizada de crânio para o diagnóstico.
A American Heart Association (AHA) e a American Society of Anesthesiology (ASA) recomendam as seguintes medidas para todos os casos de sangramento grave:
- Reposição empírica de fibrinogênio nas primeiras 24 horas, preferencialmente com crioprecipitado.
- O plasma fresco congelado (PFC) pode ser utilizado se o crioprecipitado não estiver indisponível.
- Agentes antifibrinolíticos empiricamente, como o ácido tranexâmico ou ácido aminocaproico.
- Descontinuação de todos os antitrombóticos (anticoagulantes e antiagregantes plaquetários).
- Controle da pressão arterial, com alvo de pressão arterial sistólica < 140 mmHg se houver sangramento intracraniano.
Os demais agentes devem ser avaliados conforme o contexto clínico e laboratorial. A tabela 5 traz mais informações sobre a indicação dos diferentes hemocomponentes. (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26714677/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29097489/). O fluxograma 2 resume o manejo de sangramentos graves.
Avaliação da resposta
O objetivo da trombólise no IAMCSST é restaurar o fluxo em uma artéria coronária com oclusão total. O padrão-ouro para confirmar o sucesso da reperfusão é a angiografia coronariana demonstrando fluxo TIMI 3. Na ausência de avaliação angiográfica imediata, utiliza-se um conjunto de critérios clínicos e eletrocardiográficos como sinais indiretos da reperfusão.
Os critérios clínicos e eletrocardiográficos de reperfusão são avaliados entre 60 e 90 minutos após o início da administração do trombolítico, e incluem (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40014670,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37622654/):
- Melhora dos sintomas isquêmicos.
- Redução da elevação do segmento ST.
- A diretriz europeia (ESC) considera uma redução ≥ 50% na derivação com maior elevação do segmento ST. A diretriz americana (AHA) utiliza uma redução ≥ 50% para derivações anteriores e ≥ 70% para derivações inferiores (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11691496/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40014670,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37622654/).
- Estabilidade hemodinâmica e elétrica.
Considera-se sucesso da reperfusão quando o paciente preenche os três critérios acima.
A ocorrência de ritmo idioventricular acelerado (RIVA) não é mais citada pelas diretrizes como marcador de reperfusão. Esse é um ritmo de escape ventricular (QRS largo) e com frequência entre 50 a 100 bpm. A evolução é benigna, transitória e sem instabilidade hemodinâmica, não necessitando de intervenção específica (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23431252/).
Momento da angiografia coronariana
Após o início da trombólise, todo paciente deve ser transferido imediatamente para um centro com serviço de hemodinâmica para realização da angiografia coronariana. O momento ideal para realização da angiografia, seja ela imediata ou entre 2 e 24 horas (chamada de “precoce”), irá depender se os critérios de reperfusão estão presentes ou não.
Estratégia fármaco-invasiva
Consiste na realização precoce de angiografia coronariana (cateterismo), entre 2 a 24 horas após a trombólise. É indicada para todos os pacientes submetidos à trombólise com critérios de reperfusão.
Permite melhor estratificação de risco, tratamento da lesão coronariana culpada se necessário, além de identificação de lesões residuais e de falhas da trombólise não reconhecidas clinicamente. Em uma meta-análise com mais de 15 mil pacientes, a estratégia fármaco-invasiva demonstrou redução de 21% de mortalidade quando comparado a realizar a angiografia somente em pacientes sem critérios de reperfusão (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20601393/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19553646/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19747792/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32500800).
Em pacientes com critérios de reperfusão, a trombólise seguida pela realização de angioplastia em menos 2 horas é contraindicada (estratégia chamada de trombólise facilitada). Esta estratégia está associada com aumento de mortalidade e eventos adversos graves (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16488800/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32500800/). Se a angioplastia puder ser realizada em menos de 2 horas, ela deve ser a terapia primária, sem a necessidade de administrar um trombolítico.
Angioplastia de resgate
Até 33% dos pacientes submetidos à trombólise não apresentam critérios de reperfusão (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23473396/). Para os que apresentam falha da terapia trombolítica ou evidência de re-oclusão, está indicada transferência para centro com serviço de hemodinâmica, idealmente dentro de 90 minutos, para realização imediata de angioplastia de resgate. Essa estratégia demonstrou redução de morte, novo infarto e evolução para insuficiência cardíaca, principalmente em casos de infarto da parede anterior (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16382062/).
Re-trombólise
Uma nova administração de trombolítico já foi estudada em casos que inicialmente tiveram reperfusão, mas que recorreram com sintomas e supradesnivelamento do segmento ST. Apesar de ainda autorizada na diretriz brasileira de IAMCSST de 2015, as diretrizes europeia (ESC) e americana (AHA) não recomendam essa estratégia. Estudos que avaliaram a re-trombólise não encontraram benefício, com tendência a aumento de sangramento (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17258087/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37622654/).
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