Trombólise no Infarto Agudo do Miocárdio

Criado em: 11 de Agosto de 2025 Autor: Matheus Ribeiro Revisor: Nordman Wall

A trombólise/fibrinólise é uma estratégia de reperfusão no infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST). Esse é o tratamento indicado em locais sem disponibilidade de angioplastia primária ou quando o tempo até a realização da angioplastia é estimado em mais de 120 minutos. Este tópico aborda as principais evidências sobre o tema, com suas indicações e contraindicações, modo de administração dos diferentes tipos de trombolíticos, possíveis complicações e manejo.

Indicações e contraindicações

A angioplastia primária percutânea por cateterismo de coronárias é considerada a melhor estratégia de reperfusão na maioria dos pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) [1-3]. A realização depende da disponibilidade de centros com sala de hemodinâmica, limitando o acesso em muitas regiões. Segundo o registro brasileiro de 2018, dos 74.569 casos de IAM, somente 10.811 angioplastias primárias foram realizadas, evidenciando a baixa disponibilidade desse procedimento no país [4].

A terapia fibrinolítica (trombólise) é uma alternativa à angioplastia primária em locais que não dispõem de serviço de hemodinâmica ou quando a previsão de realização da angioplastia ultrapassa 120 minutos. A trombólise está indicada somente no infarto com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) em pacientes que se apresentam em até 12 horas do início dos sintomas [5]. 

As contraindicações à trombólise apresentam divergências entre as principais diretrizes e estão disponíveis na tabela 1 [6-8].

Tabela 1
Contraindicações à trombólise.
Contraindicações à trombólise.

Tomada de decisão

A decisão de realizar a trombólise deve ser feita a partir do quadro clínico compatível com síndrome coronariana aguda e eletrocardiograma com supradesnivelamento do segmento ST que entre no critério de IAMCSST. Não se deve aguardar o resultado da troponina para iniciar o trombolítico, por atrasar desnecessariamente o início do tratamento. O benefício da reperfusão depende do tempo e supera os riscos quando os critérios de seleção e contraindicação são seguidos [9,10]. A eficácia é comparável à angioplastia primária nas primeiras 3 horas do início dos sintomas em relação à redução de mortalidade e disfunção ventricular, especialmente quando a angioplastia não puder ser realizada nesse período [11-13].

O tempo ideal entre a chegada ao hospital e a administração do agente fibrinolítico (tempo porta-agulha) deve ser inferior a 30 minutos, conforme recomendações das diretrizes da sociedade europeia (ESC), americana (AHA) e brasileira de cardiologia (SBC) [6-8]. O fluxograma 1 resume o manejo da trombólise.

Fluxograma 1
Trombólise no infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de segmento ST (IAM-CSST).
Trombólise no infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de segmento ST (IAM-CSST).

A trombólise pré-hospitalar é autorizada pelas principais diretrizes. Consiste na administração do trombolítico pela equipe de atendimento pré-hospitalar no local da ocorrência, antes da chegada ao hospital. Estudos demonstram redução de mortalidade comparado à trombólise intra-hospitalar, destacando a importância da administração precoce do trombolítico [12,14,15].

Choque cardiogênico

Em pacientes que se apresentam com IAMCSST e choque cardiogênico, a trombólise pode ser realizada se o tempo para angioplastia primária exceder 120 minutos a partir do diagnóstico. Nesses casos, é importante excluir a presença de complicações mecânicas do infarto como causa da instabilidade antes da trombólise [6,7].

Parada cardiorrespiratória (PCR)

Estima-se que 50% a 70% das paradas cardiorrespiratórias (PCR) extra-hospitalares sejam decorrentes de IAM. O estudo TROICA, com 1050 pacientes randomizados para trombólise durante a PCR ou placebo, não encontrou diferença em mortalidade, desfechos neurológicos ou retorno à circulação espontânea [16]. Outros trabalhos além desse também foram negativos, de modo que a trombólise não é indicada de rotina na PCR por suspeita de IAM [17].

A trombólise pode ser considerada nos casos de PCR presumida por tromboembolismo pulmonar, conforme o Advanced Cardiac Life Support (ACLS). Veja mais em "Medicamentos na Parada Cardiorrespiratória (PCR)".

Como administrar o trombolítico

Os principais agentes fibrinolíticos disponíveis são estreptoquinase (SK), alteplase (tPA) e tenecteplase (TNK-tPA). Podem ser classificados em não fibrino-específicos (estreptoquinase) e fibrino-específicos (alteplase, reteplase e tenecteplase). Os fibrino-específicos são os agentes de escolha, por maior eficácia e menor risco de eventos adversos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8204123/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/3109764/). 

Terapia antitrombótica (outros medicamentos para infarto)

Todos os pacientes com diagnóstico de IAMCSST que serão submetidos à terapia trombolítica devem receber terapia antitrombótica. O esquema inclui:

  • Dupla antiagregação plaquetária (DAPT)
    • Ácido acetilsalicílico (AAS): redução de 5,2% de risco absoluto de mortalidade quando associado à estreptoquinase no estudo clássico ISIS-2 (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/2899772/).
    • Clopidogrel: único inibidor de P2Y12 autorizado para uso na trombólise. Em pacientes com mais de 75 anos, não se recomenda dose de ataque na trombólise (diferente da angioplastia primária) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15758000/).
  • Anticoagulação:
    • Enoxaparina (preferência), heparina não fracionada ou fondaparinux (não disponível no Brasil) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8204123/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16537665/,https://www.aspenpharma.com.br/wp-content/uploads/2022/01/22_01_19_ARIXTRA_Comunicado-de-descontinua%C3%A7%C3%A3o_Site.pdf?utm_source=chatgpt.com).

A tabela 2 resume as doses de administração da terapia antitrombótica. Veja mais em "Medicamentos no Infarto Agudo do Miocárdio".

[tabela id=1426 index=3]

Agentes trombolíticos

As doses e a forma de administração dos trombolíticos estão contempladas na tabela 3.

[tabela id=1427 index=4]

Quando disponível, a tenecteplase é preferível por sua maior taxa de recanalização coronariana, menor risco de sangramento e maior praticidade posológica (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10475182/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35636043/).

A administração da terapia trombolítica pode ser feita em acessos venosos periféricos. Todo paciente deve permanecer monitorizado, com atenção ao risco de sangramento (intra ou extra-craniano), instabilidade hemodinâmica, arritmias ventriculares e outras complicações.

Complicações

As complicações associadas à trombólise podem ser classificadas em hemorrágicas e não hemorrágicas (tabela 4).

[tabela id=1428 index=5]

Os sangramentos são as complicações mais frequentes da trombólise. A incidência geral é de até 11,4% nos principais estudos, com 1,8% de sangramentos graves (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/9184581/). Fatores associados a maior risco de sangramento são idade avançada, sexo feminino, baixo peso corporal, doença cerebrovascular prévia e hipertensão na admissão (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11728145/).

O grupo GUSTO define um sangramento no contexto da trombólise em leve, moderado ou grave (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/9184581/):

  • Leve: sem instabilidade hemodinâmica e sem necessidade de transfusão.
  • Moderado: necessidade de transfusão, porém sem instabilidade hemodinâmica.
  • Grave: intracraniano ou que cursa com instabilidade hemodinâmica.

O sangramento intracraniano é uma das complicações mais temidas, com mortalidade de até 60%. A suspeita ocorre em pacientes com cefaleia súbita, náuseas ou vômitos persistentes e alterações neurológicas. As hemorragias extracranianas ocorrem em 4% a 13% dos pacientes, sendo o trato gastrointestinal o local mais frequente (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/7586246/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11320361/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/9786806/).

Manejo das complicações hemorrágicas

O efeito da alteplase sobre a cascata de coagulação pode persistir por mais de 24 horas após a infusão. A droga promove coagulopatia de consumo, com redução de fibrinogênio e prolongamento de tempo de protrombina (TP) e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa). 

Na suspeita de sangramento intracraniano deve-se parar a infusão do trombolítico e realizar tomografia computadorizada de crânio para o diagnóstico.

A American Heart Association (AHA) e a American Society of Anesthesiology (ASA) recomendam as seguintes medidas para todos os casos de sangramento grave:

  • Reposição empírica de fibrinogênio nas primeiras 24 horas, preferencialmente com crioprecipitado.
    • O plasma fresco congelado (PFC) pode ser utilizado se o crioprecipitado não estiver indisponível.
  • Agentes antifibrinolíticos empiricamente, como o ácido tranexâmico ou ácido aminocaproico. 
  • Descontinuação de todos os antitrombóticos (anticoagulantes e antiagregantes plaquetários).
  • Controle da pressão arterial, com alvo de pressão arterial sistólica < 140 mmHg se houver sangramento intracraniano.
[tabela id=1429 index=6]

Os demais agentes devem ser avaliados conforme o contexto clínico e laboratorial. A tabela 5 traz mais informações sobre a indicação dos diferentes hemocomponentes. (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26714677/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29097489/). O fluxograma 2 resume o manejo de sangramentos graves. 

[tabela id=1430 index=7]

Avaliação da resposta

O objetivo da trombólise no IAMCSST é restaurar o fluxo em uma artéria coronária com oclusão total. O padrão-ouro para confirmar o sucesso da reperfusão é a angiografia coronariana demonstrando fluxo TIMI 3. Na ausência de avaliação angiográfica imediata, utiliza-se um conjunto de critérios clínicos e eletrocardiográficos como sinais indiretos da reperfusão.

Os critérios clínicos e eletrocardiográficos de reperfusão são avaliados entre 60 e 90 minutos após o início da administração do trombolítico, e incluem (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40014670,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37622654/):

  • Melhora dos sintomas isquêmicos.
  • Redução da elevação do segmento ST.
    • A diretriz europeia (ESC) considera uma redução ≥ 50% na derivação com maior elevação do segmento ST. A diretriz americana (AHA) utiliza uma redução ≥ 50% para derivações anteriores e ≥ 70% para derivações inferiores (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11691496/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40014670,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37622654/).
  • Estabilidade hemodinâmica e elétrica.

Considera-se sucesso da reperfusão quando o paciente preenche os três critérios acima. 

A ocorrência de ritmo idioventricular acelerado (RIVA) não é mais citada pelas diretrizes como marcador de reperfusão. Esse é um ritmo de escape ventricular (QRS largo) e com frequência entre 50 a 100 bpm. A evolução é benigna, transitória e sem instabilidade hemodinâmica, não necessitando de intervenção específica (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23431252/).

Momento da angiografia coronariana

Após o início da trombólise, todo paciente deve ser transferido imediatamente para um centro com serviço de hemodinâmica para realização da angiografia coronariana. O momento ideal para realização da angiografia, seja ela imediata ou entre 2 e 24 horas (chamada de “precoce”), irá depender se os critérios de reperfusão estão presentes ou não.

Estratégia fármaco-invasiva

Consiste na realização precoce de angiografia coronariana (cateterismo), entre 2 a 24 horas após a trombólise. É indicada para todos os pacientes submetidos à trombólise com critérios de reperfusão.

Permite melhor estratificação de risco, tratamento da lesão coronariana culpada se necessário, além de identificação de lesões residuais e de falhas da trombólise não reconhecidas clinicamente. Em uma meta-análise com mais de 15 mil pacientes, a estratégia fármaco-invasiva demonstrou redução de 21% de mortalidade quando comparado a realizar a angiografia somente em pacientes sem critérios de reperfusão (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20601393/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19553646/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19747792/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32500800).

Em pacientes com critérios de reperfusão, a trombólise seguida pela realização de angioplastia em menos 2 horas é contraindicada (estratégia chamada de trombólise facilitada). Esta estratégia está associada com aumento de mortalidade e eventos adversos graves (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16488800/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32500800/). Se a angioplastia puder ser realizada em menos de 2 horas, ela deve ser a terapia primária, sem a necessidade de administrar um trombolítico.

Angioplastia de resgate

Até 33% dos pacientes submetidos à trombólise não apresentam critérios de reperfusão (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23473396/). Para os que apresentam falha da terapia trombolítica ou evidência de re-oclusão, está indicada transferência para centro com serviço de hemodinâmica, idealmente dentro de 90 minutos, para realização imediata de angioplastia de resgate. Essa estratégia demonstrou redução de morte, novo infarto e evolução para insuficiência cardíaca, principalmente em casos de infarto da parede anterior (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16382062/).

Re-trombólise

Uma nova administração de trombolítico já foi estudada em casos que inicialmente tiveram reperfusão, mas que recorreram com sintomas e supradesnivelamento do segmento ST. Apesar de ainda autorizada na diretriz brasileira de IAMCSST de 2015, as diretrizes europeia (ESC) e americana (AHA) não recomendam essa estratégia. Estudos que avaliaram a re-trombólise não encontraram benefício, com tendência a aumento de sangramento (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17258087/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37622654/).

Aproveite e leia:

20 de Janeiro de 2025

Medicamentos na Parada Cardiorrespiratória (PCR)

A parada cardiorrespiratória é um momento crítico em que pode ocorrer uma sobrecarga de raciocínio. Pode ser difícil relembrar quais medicamentos são possíveis de realizar na PCR e em que momentos eles estão indicados. Nesse tópico, iremos revisar as evidências e como fazer os medicamentos na PCR.

19 de Maio de 2025

Medicamentos no Infarto Agudo do Miocárdio

O manejo medicamentoso inicial da síndrome coronariana aguda envolve o tratamento da trombose coronariana com antiagregantes plaquetários e anticoagulantes e o alívio da angina. Este tópico revisa os principais medicamentos e o momento adequado para sua administração até o momento da reperfusão.

20 de Outubro de 2025

Dor Torácica no Pronto-Socorro: Diretriz Brasileira de 2025

A Sociedade Brasileira de Cardiologia publicou, em 2025, a Diretriz Brasileira de Atendimento à Dor Torácica na Unidade de Emergência. O documento recomenda critérios para abertura do protocolo de dor torácica, padrões eletrocardiográficos de oclusão coronariana aguda e escores para avaliação de condições mais graves. Este tópico traz as recomendações da diretriz e os principais aspectos operacionais da abordagem dessa queixa no pronto-socorro.

9 de Janeiro de 2023

Vasopressores e Corticoide no Choque Séptico

Choque séptico é a principal causa de morte nas UTIs do Brasil. Apesar da crescente conscientização e de diretrizes recentes como a do Surviving Sepsis Campaign (SSC) de 2021, há incerteza na literatura sobre quando iniciar vasopressores e corticoides. Em maio de 2022, foi publicada uma revisão sobre este assunto no Annals of Critical Care e aproveitamos para trazer os principais pontos.

10 de Fevereiro de 2025

Novo Consenso de Síndrome Hepatorrenal

Um novo consenso sobre injúria renal aguda no paciente com cirrose do Acute Disease Quality Initiative (ADQI) e International Club of Ascites (ICA) foi publicado em 2024. O documento traz mudanças nos critérios diagnósticos e manejo da síndrome hepatorrenal com injúria renal aguda. Este tópico revisa as principais mudanças.