Profilaxia de Endocardite Infecciosa
A profilaxia de endocardite infecciosa após procedimentos dentários é uma prática recomendada pelas principais sociedades de cardiologia - European Society of Cardiology (ESC) de 2015 e American Heart Association (AHA) de 2020 [1, 2]. Essas recomendações são controversas, pois não existem evidências robustas da associação de endocardite com procedimentos dentários e da eficácia da profilaxia antimicrobiana. Um estudo publicado em agosto de 2022 no Journal of the American College of Cardiology (JACC) abordou esses dois pontos [3]. Vamos ver o que a nova evidência acrescenta e revisar o tema.
Por que isso é um problema?
A suspeita de relação causal entre procedimentos dentários e endocardite infecciosa (EI) é antiga, com recomendação de profilaxia pela AHA já em 1955. Aproximadamente 20% das endocardites infecciosas são causadas por Streptococcus associados à cavidade oral e estudos encontraram correlação entre procedimentos dentários em pacientes com doença periodontal e bacteremia transitória [4-6]. Contudo, outras atividades como escovar os dentes e mascar chiclete também se associam com bacteremia, trazendo dúvida sobre a relevância dessa associação [7].
Qual é a recomendação atual das principais diretrizes?
Atualmente as diretrizes da ESC de EI de 2015 e da AHA de doença valvar de 2020 recomendam realizar profilaxia de EI em pacientes de alto risco após procedimentos dentários invasivos (PDI) . Segundo as recomendações da ESC, pacientes de alto risco são:
- História anterior de EI
- Presença de válvula cardíaca protética (incluindo válvula transcateter)
- Material protético usado para reparo valvar (incluindo anéis, clipes e cordas para anuloplastia)
- Cardiopatia congênita cianótica não corrigida
- Cardiopatia congênita em que foram utilizados shunts ou condutos paliativos
- Defeito cardíaco congênito completamente reparado com material ou dispositivo protético, seja colocados por cirurgia ou por transcateter apenas durante os primeiros 6 meses após o procedimento.

PDI são procedimentos que envolvem manipulação da gengiva ou região periapical ou perfuração de mucosa oral. A profilaxia é feita com amoxicilina 2 gramas por via oral em dose única, 30 a 60 minutos antes do procedimento, podendo ser substituída por clindamicina 600mg. Não é recomendada a profilaxia após outros procedimentos invasivos não dentários como endoscopia, colonoscopia, cistoscopia, entre outros. Apesar dessas recomendações, outras organizações, como a inglesa National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE), não recomendam realizar profilaxia para EI [8]. Já a diretriz brasileira de avaliação cardiovascular perioperatória de 2017 da Sociedade Brasileira de Cardiologia orienta realização de profilaxia, diferente das diretrizes europeia e americana, antes de procedimentos urinários, gastrointestinais e após drenagem de abscessos [9].
O que o estudo acrescentou?
O trabalho foi uma coorte com uma população de 7.951.972 pacientes, desenhado para avaliar a relação entre PDI com EI e o efeito da profilaxia antimicrobiana. Os pacientes foram divididos em alto risco (mesmo critério citado acima), risco moderado - doença reumática valvar, doença valvar não reumática incluindo prolapso de valva mitral, anomalias valvares congênitas incluindo estenose aórtica e cardiomiopatia hipertrófica - e baixo risco. Os procedimentos dentários considerados invasivos foram extração dentária, procedimentos cirúrgicos orais, raspagem periodontal e tratamentos endodônticos.
Em pacientes de alto risco, foi identificada associação temporal entre EI e PDI realizados 4 semanas antes, sendo a associação mais forte com extração dentária e procedimentos cirúrgicos orais. A profilaxia antimicrobiana foi associada à redução da incidência de EI após PDI. Assim, o estudo traz solidez para uma recomendação que, apesar de antiga, não possuía embasamento científico forte, com discordância de recomendações entre algumas diretrizes.
Aproveite e leia:
Piperacilina-Tazobactam e Cefepima: Uso Empírico e Riscos Associados
Piperacilina-tazobactam e cefepime são as principais opções quando há risco de infecção por bacilos gram-negativos resistentes, incluindo Pseudomonas. Existem discussões sobre a nefrotoxicidade relacionada à piperacilina-tazobactam e a neurotoxicidade do cefepima. O estudo ACORN, apresentado na IDWeek e publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) em outubro de 2023, avaliou esses riscos. Este tópico analisa as evidências prévias e os resultados do ACORN.
Febre de Origem Indeterminada
Febre de origem indeterminada (FOI) é reconhecida há mais de um século. Ao longo dos anos sua definição já foi revisitada algumas vezes. Independente dessas definições, FOI deve ser considerada quando um paciente apresenta febre sem uma causa clara, mesmo com investigação hospitalar ou ambulatorial adequada, por um período de tempo suficiente para excluir febre autolimitada. Em fevereiro de 2022, foi lançada uma revisão no New England Journal of Medicine sobre o tema e trazemos os principais pontos aqui:
Mpox (Monkeypox)
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou em agosto de 2024 que os casos de mpox (a antiga monkeypox) em países africanos são uma emergência de saúde pública de preocupação internacional. O tópico "Mpox" revisa o diagnóstico e o manejo dessa doença.
Revascularização na Miocardiopatia Isquêmica
A doença arterial coronariana é a principal causa de miocardiopatia no mundo. O estudo REVIVED, anunciado no congresso da European Society of Cardiology (ESC) de 2022, avaliou se a revascularização através de angioplastia poderia ser benéfica em pacientes com miocardiopatia isquêmica. Vamos ver o que essa nova evidência acrescentou e revisar o tópico.
Ácido Acetilsalicílico (AAS) no Perioperatório
O artigo ASSURE-DES, publicado no Journal of the American College of Cardiology (JACC) em agosto de 2024, avaliou a suspensão ou manutenção do ácido acetilsalicílico como prevenção secundária no perioperatório. Este tópico aborda o ácido acetilsalicílico no perioperatório e os resultados do estudo.