Neuralgia do Trigêmeo: Diagnóstico e Manejo
A neuralgia do trigêmeo é uma doença do grupo das neuropatias cranianas dolorosas que causa dor facial intensa de início súbito no território inervado pelo nervo trigêmeo. A dor pode ser desencadeada por estímulos mínimos como falar ou mastigar, o que causa grande sofrimento aos pacientes. Esse tópico revisa o diagnóstico e tratamento da neuralgia do trigêmeo.
Como diagnosticar a neuralgia do trigêmeo
Sintomas e prevalência
A neuralgia do trigêmeo é um distúrbio de dor facial classificada no grupo das neuropatias cranianas dolorosas. É uma doença crônica caracterizada por episódios de dor de características neuropáticas como choque, de muito forte intensidade e curta duração em territórios inervados pelos ramos periféricos do nervo trigêmeo. Os critérios para o diagnóstico clínico da neuralgia do trigêmeo clássica estão na tabela 1 [1,2].
A dor pode ser incapacitante devido a sua intensidade. Os gatilhos mais comuns são estímulos não dolorosos em regiões inervadas pelo trigêmeo, como toque leve no rosto, escovar os dentes, falar ou mastigar. As zonas de gatilho mais comuns associadas a toque leve são o sulco nasolabial e a região perioral. Cerca de metade dos pacientes podem apresentar sensação dolorosa mais leve e em peso entre os ataques de dor lancinantes. [3].
A dor é unilateral na maior parte das vezes. Em 1-3% dos pacientes pode haver dor bilateral. A presença de dor bilateral é sinal de alarme para pesquisa de causas secundárias, como a esclerose múltipla. Outros achados sugestivos de causas secundárias são [3-6]:
- Início dos sintomas em pessoas < 40 anos (maior prevalência de tumor de fossa posterior e esclerose múltipla).
- Déficit neurológico focal ao exame.
- Dor atípica (contínua, sem paroxismos) ou com características autonômicas (lacrimejamento, rinorreia).
A prevalência é maior em mulheres e varia entre 2,1 e 27 casos para cada 100.000 pessoas [7]. A doença é mais comum em pessoas acima de 50 anos [4].
Avaliação clínica
O nervo trigêmeo, também chamado de 5º par craniano, é responsável pela sensibilidade da face, motricidade da musculatura mastigatória e realiza a função sensitiva (aferente) do reflexo corneopalpebral. Ele emerge do sistema nervoso central na ponte e percorre um trajeto até o gânglio trigeminal, localizado no osso temporal. O gânglio trigeminal abriga os corpos neuronais sensitivos dos 3 ramos periféricos do nervo trigêmeo (figura 1):
- Ramo oftálmico (V1): Responsável pela sensibilidade da região da testa, ponte nasal e pálpebra superior.
- Ramo maxilar (V2): Responsável pela sensibilidade da região maxilar, zigomática, lábio superior, palato duro, gengiva superior e mucosa jugal.
- Ramo mandibular (V3): Responsável pela sensibilidade da região de lábio inferior, mento, ⅔ anteriores da língua, gengiva inferior e mandíbula, com exceção do ângulo da mandíbula.
Os territórios mais afetados pela neuralgia do trigêmeo são V2 e V3, isoladamente ou em conjunto. Os sintomas ocorrem mais comumente no lado direito do rosto [3].
Etiologicamente, a neuralgia do trigêmeo pode ser dividida em 3 tipos:
- Neuralgia do trigêmeo clássica: quando há identificação de contato entre um vaso sanguíneo e a raiz do nervo trigêmeo, causando alteração morfológica. O vaso mais comumente relacionado é a artéria cerebelar superior, mas a compressão pode ser causada também por dilatações aneurismáticas ou veias (figura 2).
- Neuralgia do trigêmeo secundária: quando há outra causa identificada que leva ao aparecimento da dor. As causas mais comuns são doenças desmielinizantes, como a esclerose múltipla, e causas compressivas como tumores.
- Neuralgia do trigêmeo idiopática: quando não há alteração em exames complementares que justifiquem a presença de dor.
É recomendado que todos os pacientes com diagnóstico de neuralgia do trigêmeo realizem uma ressonância magnética do crânio para investigação de causas secundárias. A imagem deve ser solicitada preferencialmente com estudo de vasos (angiorressonância) e avaliação de realce pelo contraste de gadolínio [8].
Um dos principais diagnósticos diferenciais da neuralgia do trigêmeo são afecções dentárias. Em uma coorte de 62 pacientes, 33% dos pacientes com neuralgia do trigêmeo foram submetidos a procedimentos dentários como extrações dentárias ou tratamentos endodônticos de maneira desnecessária [9]. Outros diagnósticos diferenciais podem ser consultados na tabela 2.
Tratamento agudo da neuralgia do trigêmeo
As descompensações agudas de neuralgia do trigêmeo podem ser intensas e incapacitantes a ponto de impedir deglutição ou fala e são comumente refratárias a medicações orais. Nessas situações, o tratamento deve ser realizado no ambiente hospitalar, preferencialmente com medicações parenterais.
O tratamento deve ser realizado preferencialmente com fenitoína IV na dose de 10-20 mg/kg. Deve-se realizar a diluição em soro fisiológico (NaCl 0,9%) e infusão em bomba de infusão na velocidade máxima de 50 mg/min. A infusão deve ser realizada com o paciente monitorizado. Os principais efeitos adversos da Fenitoína IV são bradicardia e ataxia. Tontura, desequilíbrio e achado de nistagmo evocado pelo olhar ao exame físico após o término da infusão são comuns. A melhora da dor após administração dura 24 a 48 horas. Assim, o tratamento agudo também é uma oportunidade para início de medicação profilática e encaminhamento para acompanhamento ambulatorial, pois há risco de recorrência da dor após esse período (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30860637/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26136846/).
Uma alternativa à fenitoína é a lidocaína IV, na dose de 5 mg/kg com infusão em 60 minutos. Esse medicamento também deve ser realizado em ambiente com observação direta, como a sala de emergência, com o paciente monitorizado (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30860637/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27335883/).
Um ponto de atenção no cuidado dos pacientes é avaliar o nível de hidratação. Muitas vezes, o impedimento de alimentação e hidratação por via oral pela dor facial intensa pode durar alguns dias até o atendimento inicial e levar a quadros de desidratação e desnutrição.
Tratamento profilático e indicação de tratamento cirúrgico da neuralgia do trigêmeo
O tratamento de primeira linha para controle de sintomas a longo prazo e prevenção de exacerbações é a carbamazepina ou a oxcarbazepina (fluxograma 1). Em uma coorte com 200 pacientes com neuralgia do trigêmeo clássica, 98% dos pacientes tiveram resposta inicial expressiva com carbamazepina na dose de 600 mg/d (com variação de dose entre 200 mg/d e 1200 mg/d) e 94% para oxcarbazepina na dose de 1200 mg/d (com variação de dose de 600 mg/d a 1800 mg/d) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24912658/). Veja mais na Revisão de "Anticonvulsivantes".
Os tratamentos medicamentosos de segunda linha podem ser usados como adição ao tratamento de primeira linha ou como alternativas em caso de intolerância ou contraindicação. Dentre as opções estão lamotrigina, baclofeno, gabapentina, pregabalina e toxina botulínica (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30860637/). A tabela 3 contempla as doses dos medicamentos para tratamento da neuralgia do trigemeo.
Pacientes gestantes devem evitar drogas como a carbamazepina pelo risco teratogênico (categoria C). Deve-se dar preferência para a lamotrigina ou gabapentina (categoria B). Tratamentos tópicos não invasivos como lidocaína tópica 4%, bloqueios de ramos do trigêmeo ou neuromodulação não invasiva podem trazer alívio nesse contexto (https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC10306390/).
Tratamento cirúrgico específico para a neuralgia do trigêmeo pode ser recomendado para pacientes com neuralgia do trigêmeo clássica que não atingiram controle de dor após titulação de pelo menos 2 drogas adequadas ou com intolerância ao tratamento medicamentoso. Dentre as técnicas possíveis, estão a descompressão microvascular e tratamentos ablativos como a cirurgia de raios gama (Gamma knife surgery) e procedimentos percutâneos de lesão do gânglio trigeminal. A descompressão microvascular consiste em aliviar o contato neurovascular com a interposição de um material sintético entre o vaso e a raiz do nervo trigêmeo. Já as terapias ablativas causam lesão intencional do nervo ou gânglio para diminuir a aferência dolorosa, podendo causar hipoestesia persistente após o procedimento (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30860637/).
Na neuralgia do trigêmeo clássica, há preferência para a descompressão microvascular, por melhor alívio de sintomas. Pacientes com neuralgia do trigêmeo secundária podem ser avaliados individualmente para tratamento cirúrgico, mas com respostas menos expressivas. Já nos casos de neuralgia do trigêmeo idiopática, as principais diretrizes não fazem recomendação específica, mas sugerem uma preferência por técnicas ablativas (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30860637/).
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