Pericardite: Novas Diretrizes Europeia e Americana de 2025

Criado em: 13 de Outubro de 2025 Autor: Julia Miranda Revisor: Raphael Coelho

Duas novas diretrizes sobre diagnóstico e manejo de pericardite, da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) e do Colégio Americano de Cardiologia (ACC), foram lançadas em 2025 [1,2]. Os documentos trazem atualizações quanto a critérios diagnósticos, exames de imagem e opções terapêuticas. Este tópico revisa o tema e destaca os principais pontos dessas diretrizes.

Definição e etiologias

Definições

As doenças do pericárdio são definidas como pericardite (inflamação do pericárdio) e derrame pericárdico (acúmulo de líquido no espaço pericárdico). Também são classificadas em: [1,2]:

  • Pericardite constritiva: perda da elasticidade do pericárdio com restrição ao enchimento diastólico e consequente insuficiência cardíaca.
  • Pericardite constritiva-efusiva: coexistência da fisiopatologia constritiva e de derrame pericárdico.
  • Tamponamento cardíaco: derrame pericárdico que causa comprometimento hemodinâmico devido à compressão cardíaca.

Pericardite aguda tem duração dos sintomas inferior a 4 semanas, torna-se subaguda (ou incessante) se persistir por mais de 6 semanas e crônica quando mais de 3 meses. A pericardite recorrente ocorre quando o paciente permanece de 4 a 6 semanas sem sintomas após o episódio inicial e, posteriormente, volta a apresentar sintomas. Em uma coorte que acompanhou pacientes com pericardite por 18 meses, cerca de 30% dos pacientes tiveram pericardite recorrente [1-4].

A pericardite constritiva é resultado de uma pericardite crônica que causa fibrose e perda de elasticidade do pericárdio.

Os termos miopericardite e perimiocardite são utilizados quando há comprometimento concomitante do pericárdio e do miocárdio. Como a pericardite e a miocardite se apresentam frequentemente com sobreposição dos achados clínicos e condutas diagnósticas e terapêuticas, a nova diretriz da ESC denomina de "síndrome inflamatória miopericárdica" o espectro inflamatório que engloba ambas as doenças [2].

Este tópico foca na avaliação e manejo das pericardites. Para mais informações, consulte o tópico do Guia sobre "Miocardite".

Etiologias

Em países desenvolvidos, até 80% dos casos são atribuídos à infecção viral ou não têm causa definida, sendo chamados de idiopáticos [5]. Eventos após lesão miocárdica, como infarto agudo do miocárdio ou procedimentos cirúrgicos cardíacos, ocorrem em até 30% dos casos [5,6]. Estima-se que, em países em desenvolvimento ou com alta prevalência de infecção pelo vírus HIV, mais de 70% dos casos estejam relacionados à pericardite de origem tuberculosa [7]. 

Tabela 1
Causas selecionadas de pericardite aguda.
Causas selecionadas de pericardite aguda.

A tabela 1 apresenta as principais causas de pericardite.

Manifestações clínicas e investigação de pericardite

Manifestações clínicas

Dor torácica é o sintoma mais comum e ocorre em 85 a 90% dos casos. As características são: dor retroesternal, em pontada, que piora na inspiração profunda e na posição supina (deitado). Pode haver irradiação para as regiões do trapézio e do braço esquerdo, o que simula dor de origem isquêmica. Outros sintomas incluem dispneia, fadiga e febre. Pacientes com pericardite constritiva podem ter sinais e sintomas associados à insuficiência cardíaca direita (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32717264/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38925882/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23709669/).

A pericardite é responsável por cerca de 5% dos quadros de dor torácica não-isquêmica admitidos nos setores de emergência e tipicamente acomete pacientes jovens do sexo masculino (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8809520/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25205801/).

O atrito pericárdico, presente em aproximadamente 20 a 30% dos casos, é intermitente e se manifesta como um ruído áspero de fricção durante a ausculta cardíaca. Cerca de 5 a 10% dos pacientes evoluem com tamponamento cardíaco (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32717264/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38925882/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23709669/).

Exames complementares

Diante da suspeita de pericardite aguda, as diretrizes da ACC e ESC recomendam avaliação inicial com (recomendação IA nível de evidência C) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40878297):

  • Eletrocardiograma (ECG)
  • Radiografia de tórax
  • Exames laboratoriais (incluindo troponina, leucograma e proteína C reativa)
  • Ecocardiograma transtorácico

Alterações eletrocardiográficas são identificadas em 25 a 50% dos pacientes (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35523541/). São achados típicos: elevação difusa e de morfologia côncava do segmento ST na maior parte das derivações e infradesnivelamento do segmento PR, exceto em aVR e V1.  A figura 1 mostra um ECG característico. Arritmias cardíacas são incomuns e a fibrilação ou flutter atrial tem incidência de aproximadamente 4% (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32717264/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38925882/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35523541/).

[tabela id=1546 index=2]

Ecocardiograma transtorácico é o exame de imagem inicial de escolha na investigação de pericardite aguda. É capaz de identificar e quantificar o derrame pericárdico, avaliar a presença de tamponamento cardíaco e achados sugestivos de doença pericárdica constritiva. Também avalia disfunção sistólica e alterações segmentares na contratilidade cardíaca em casos de miocardite (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23998693/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39111992/). O exame detecta derrame pericárdico em cerca de 60% dos casos, mas pode ser normal em até metade dos pacientes em um primeiro episódio da doença (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38925882/). Veja mais em "POCUS: Avaliação do Ventrículo Direito, Derrame Pericárdico e Tamponamento Cardíaco".

Em comparação com o ecocardiograma, a ressonância magnética (RM) cardíaca apresenta melhor desempenho na identificação de sinais de inflamação aguda do pericárdio, como edema e realce tardio pelo gadolínio. Em casos de suspeita de pericardite crônica (com ou sem sinais de pericardite constritiva), a tomografia computadorizada (TC) de coração é superior na detecção de espessamento e calcificação pericárdica em relação à RM (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39111992/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23998693/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36740019/). Os achados de imagem sugestivos de pericardite estão na tabela 2.

[tabela id=1547 index=3]

A decisão de realizar exames de imagem com maior acurácia diagnóstica (RM cardíaca ou TC do coração) depende da estratificação de risco do paciente e está detalhada abaixo.

Pacientes com derrame pericárdico devem realizar pericardiocentese (punção do líquido pericárdico) em casos de tamponamento cardíaco ou para investigação etiológica em suspeita de pericardite bacteriana ou neoplásica (recomendação I nível de evidência C). A pericardite com derrame purulento é uma condição rara, porém muito grave, com alta mortalidade, e deve ser suspeitada em pacientes com derrame pericárdico e sepse ou choque séptico (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25517707/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8227835/). 

Estratificação de risco e fluxograma de avaliação

Uma das principais atualizações da diretriz da ESC é a recomendação de estratificação de risco em pacientes com suspeita de pericardite aguda para orientar a tomada de decisão (tabela 3). Pacientes considerados de risco alto ou que não tiveram melhora clínica após teste terapêutico devem ser internados e devem realizar investigação etiológica direcionada, considerando o uso de RM cardíaca (recomendação da IA, nível de evidência B).

[tabela id=1548 index=4]

Pacientes que não são considerados de alto risco podem realizar um teste terapêutico com terapia anti-inflamatória de forma ambulatorial e serem reavaliados após 1 a 2 semanas. Se mantiverem risco intermediário ou apresentarem sinais de risco alto, devem ser internados para investigação etiológica e tratamento monitorado.

Casos refratários à terapia (pericardite recorrente, por exemplo) podem necessitar de biópsia pericárdica ou epicárdica para elucidação diagnóstica (recomendação IIb, nível de evidência C). A ESC recomenda contra a investigação de rotina da etiologia viral com o uso de painéis sorológicos, exceto em casos de suspeita de infecção pelo vírus HIV, doença de Lyme ou hepatite C.

[tabela id=1549 index=5]

O fluxograma 1 resume a abordagem do paciente com suspeita de pericardite aguda.

Critérios diagnósticos de pericardite aguda

As duas diretrizes de 2025, do ESC e da ACC, atualizaram os critérios diagnósticos de pericardite (tabela 4).

[tabela id=1550 index=6]

As atualizações focam nas características clínicas como o principal elemento para o diagnóstico. Adicionalmente, ambas as sociedades classificam a probabilidade como improvável, possível ou definitiva, conforme as várias modalidades de imagem e testes laboratoriais utilizados. A ACC ressalta que essas atualizações apresentam maior acurácia no diagnóstico de pericardite aguda (< 4 semanas de sintomas), mas também podem ser aplicadas na avaliação de recorrência da doença (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40767817/).

As diretrizes reforçam que a abordagem ao paciente com dor torácica deve começar com a investigação de síndrome coronariana aguda (SCA). Apenas após a possibilidade de SCA ser excluída, o paciente deve ser conduzido como suspeito de pericardite.

Como diferenciar de SCA?

A história clínica e o exame físico de um paciente com dor torácica são insuficientes para a exclusão de SCA. Pacientes com dor torácica na emergência devem ser avaliados com eletrocardiograma em até 10 minutos. Em um estudo retrospectivo com 207 pacientes, as alterações eletrocardiográficas mais sugestivas de SCA comparadas à pericardite foram (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32222321/):

  • Supradesnivelamento de ST de morfologia convexo ou horizontal.              
  • Ausência de infradesnivelamento do segmento PR 
  • Presença de infradesnivelamento do segmento ST em quaisquer derivações, exceto aVR e V1 
  • Supradesnivelamento do segmento ST em DIII maior do que em DII

A proteína C reativa e a troponina podem estar elevadas em ambas as condições, mas em proporções diferentes. Um estudo retrospectivo unicêntrico encontrou uma especificidade de cerca de 85% para o diagnóstico de miopericardite em pacientes com razão proteína C reativa/troponina > 500 (PCR medida em mg/L e troponina em ng/ml), e acima de 92% quando a razão foi > 1000 (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33886564/).

Devido à semelhança entre SCA e pericardite, é comum que a incerteza diagnóstica persista após a avaliação inicial. Na investigação de dor torácica, podem ser necessários exames adicionais, como o cateterismo cardíaco. (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19121248/). Veja mais em "Síndromes Coronarianas Agudas - Diretriz AHA/ACC 2025".

Tratamento

O tratamento medicamentoso da pericardite aguda visa alívio sintomático, remissão clínica, prevenção de complicações (como recorrência e constrição) e tratamento específico da causa da pericardite. Remissão clínica é definida como a regressão ou ausência de sintomas, normalização do ECG, exames laboratoriais (PCR e troponina) e anormalidades de imagem (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40878297/).

A terapia recomendada de primeira linha para casos de pericardite aguda, subaguda e recorrente consiste no uso de colchicina associado a aspirina em altas doses ou anti-inflamatórios não-esteroidais (AINES) (recomendação I, nível de evidência A).

A colchicina reduz a chance de progressão para formas subagudas ou recorrentes. (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23992557/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35131416/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20934560/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16186468/). 

Corticoides em doses baixas a moderadas (prednisona 0,2 a 0,5 mg/kg/dia) podem ser associados ao esquema em caso de refratariedade clínica ou utilizados em substituição aos AINES ou aspirina em caso de contraindicação a esses medicamentos. A prescrição de corticoides, especialmente em doses elevadas, está associada a um maior risco de recorrência da pericardite (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18645054/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16186437/).

Imunobiológicos anti-interleucina-1 (anti-IL-1), como o anakinra e o rilonacept, são uma novidade trazida pelas diretrizes de 2025. A recomendação da ESC para uso ocorre em pacientes com evidência de inflamação pericárdica na RM após intolerância, falência terapêutica ou contraindicação aos medicamentos de primeira linha (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33200890/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27825009/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33737453/). Por outro lado, as diretrizes americanas recomendam os anti-IL1 como preferenciais em relação aos corticoides, nos pacientes que não respondem aos medicamentos de primeira linha e permanecem com febre ou PCR elevado ou com inflamação pericárdica na RM cardíaca (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40767817/).

Outras classes medicamentosas (ex. azatioprina, imunoglobulinas) possuem evidência limitada no tratamento da pericardite e podem ser indicadas em casos refratários ou recorrentes (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21296434/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26090917/).

Para pacientes com suspeita de derrame pericárdico por tuberculose, a ESC recomenda terapia empírica com RIPE após a exclusão de outras causas prováveis (recomendação I, nível de evidência C). O tratamento deve durar 6 meses e é eficaz na prevenção de pericardite constritiva.

Betabloqueadores para controle sintomático podem ser indicados em pacientes que permanecem com sintomas apesar do tratamento anti-inflamatório e que mantêm frequência cardíaca acima de 75 bpm (recomendação IIa, nível de evidência C) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40878297/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33539856/).  

A tabela 5 detalha o tratamento medicamentoso da pericardite.

[tabela id=1551 index=7]

Além da terapia medicamentosa, as diretrizes sugerem interromper atividades físicas por pelo menos um mês após remissão dos sintomas (recomendação I, nível de evidência C) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40767817/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20177006/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40878297/). 

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