Síndrome de Lise Tumoral

Criado em: 13 de Outubro de 2025 Autor: Joanne Alves Moreira Revisor: Nordman Wall

A síndrome de lise tumoral é uma emergência oncológica. A identificação precoce dos pacientes em risco e o início das medidas profiláticas são fundamentais para reduzir complicações graves. Este tópico revisa os principais aspectos dessa síndrome.

Definição de síndrome de lise tumoral e avaliação de risco

A síndrome de lise tumoral (SLT) é uma emergência oncológica que ocorre pela rápida destruição de células tumorais após a introdução de quimioterapia ou, mais raramente, de forma espontânea em tumores volumosos com alta proliferação celular (como o linfoma de Burkitt). É caracterizada pela liberação maciça de conteúdo intracelular de potássio, fósforo e ácidos nucleicos na circulação sistêmica, com risco de desenvolver arritmias e disfunções orgânicas graves. 

Pacientes com neoplasias hematológicas possuem maior risco de desenvolver SLT [1]. As principais neoplasias hematológicas associadas são [2]:

  • Linfoma não-Hodgkin (30%), principalmente linfoma de Burkitt.
  • ⁠Leucemia mieloide aguda (LMA - 19%).
  • ⁠Leucemia linfoide aguda (LLA - 13%).

Em uma coorte norte-americana de pacientes que desenvolveram SLT, 20% dos casos foram relacionados a tumores sólidos após a introdução de quimioterapia [2]. As neoplasias sólidas mais associadas à SLT são câncer de útero, pulmão, mama, pâncreas e fígado [3].

A mortalidade de pacientes que desenvolvem SLT é maior em casos de leucemia mieloide aguda (LMA), linfoma de Hodgkin e em pacientes com tumores sólidos. Linfoma não Hodgkin (LNH), leucemia linfoide aguda (LLA), leucemia linfoide crônica (LLC) e mieloma múltiplo apresentaram um risco de mortalidade menor [2].

O risco de desenvolver SLT está associado às características do tumor e do paciente (Tabela 1).

Tabela 1
Fatores de risco associados com síndrome de lise tumoral.
Fatores de risco associados com síndrome de lise tumoral.

Fatores de risco para SLT

A avaliação de risco para o desenvolvimento de SLT deve ser realizada em todo paciente que será submetido a tratamento quimioterápico. Um consenso internacional avaliou as características intrínsecas dos tumores e classificou a probabilidade de SLT em: baixo (< 1%), intermediário (1–5%) e alto (> 5%) risco (Tabela 2) [4].

Tabela 2
Determinantes de risco para síndrome de lise tumoral: características tumorais e medicamentosas.
Determinantes de risco para síndrome de lise tumoral: características tumorais e medicamentosas.

A classificação de risco faz parte do planejamento de medidas para prevenir a SLT.

Quando suspeitar e como fazer o diagnóstico

A lise das células tumorais liberam na corrente sanguínea potássio, fósforo e ácidos nucleicos. A degradação dos ácidos nucleicos resulta em ácido úrico, causando hiperuricemia. O excesso de ácido úrico e a hiperfosfatemia precipitam em forma de cristais nos túbulos renais, levando à lesão renal aguda. A hipercalemia pode causar arritmias, enquanto a hipocalcemia, decorrente da formação de cristais de fosfato de cálcio, pode levar a cãibras musculares, tetania, arritmias ou convulsões (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30209934/). 

Pacientes com risco de desenvolver SLT devem realizar dosagem sérica de potássio, fósforo, cálcio, ácido úrico, lactato desidrogenase e creatinina sérica no momento do diagnóstico de câncer e antes do início da quimioterapia. Uma revisão de setembro de 2025 do New England Journal of Medicine (NEJM) sugere monitorar esses exames a cada 4 a 6 horas nas primeiras 24 a 72 horas após o início da terapia citotóxica (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40961427/). Outras recomendações podem variar conforme o tipo de neoplasia e a sociedade de referência.

Os critérios diagnósticos foram definidos por Cairo e Bishop e graduam a SLT em cinco níveis de gravidade (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15384972/). O diagnóstico possui definições laboratoriais e clínicas que podem variar entre diretrizes, mas seguem os critérios de Cairo-Bishop (veja Tabela 3) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40961427/): 

  • SLT laboratorial: duas ou mais alterações devem estar presentes no mesmo período de 24 horas, em até 3 dias antes do início da terapia ou até 7 dias depois.
  • SLT clínica: presença de SLT laboratorial, juntamente com disfunção renal, convulsões, arritmia ou morte.
[tabela id=1541 index=3]

Pacientes com SLT devem ser hospitalizados para monitoramento intensivo dos sintomas e dos exames laboratoriais. A decisão de internar pacientes sem SLT, porém com risco de desenvolver, varia conforme a estratificação (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37579533/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30209934/):

  • Alto risco: internação, com exames a cada quatro a seis horas, principalmente na presença de hiperfosfatemia ou hipercalemia.
  • Risco intermediário: internação ou não, porém, o paciente necessita de vigilância de exames a cada oito a 12 horas.
  • Baixo risco: pode ser realizado de forma ambulatorial, porém, requer exames diários.

A presença de hiperfosfatemia pode ser o melhor preditor de lesão renal aguda, especialmente em pacientes com níveis de fósforo superiores a 6,5 mg/dL (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35107777/). Pode-se optar por internar pacientes que não conseguem fazer o seguimento ambulatorial ou apresentam fragilidade socioeconômica, dificuldade de acesso ou descompensação de outras comorbidades. (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39174582/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37579533/).

[tabela id=1542 index=4]

O fluxograma 1 resume a abordagem ao paciente com suspeita de SLT. 

Como prevenir

A profilaxia de SLT envolve duas medidas principais:

  • Hidratação para auxiliar na excreção de ácido úrico e fosfato e auxiliar na filtração glomerular.
  • Prevenção de hiperuricemia.

O uso de medicamentos com potencial de lesão renal (como AINEs e alguns antibióticos) deve ser revisado e evitado se possível. Não há recomendação para o uso de medicamentos hipocalêmicos ou hipofosfatêmicos como forma de prevenção da SLT (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40961427/). 

Hidratação

Para pacientes de risco intermediário ou alto risco, recomenda-se a infusão endovenosa de cristaloides de 2 a 3 L/m²/dia ou 3 L/dia, iniciada dois a três dias antes da quimioterapia e mantida até o dia seguinte. Em adultos, o débito urinário deve ser de 80 a 100 ml/m²/hora ou 2,5 L/dia (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37579533/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35625753/).

Para pacientes de baixo risco, recomenda-se a ingestão oral de 2 a 3 L/dia de fluidos durante 5 a 7 dias após o início de um quimioterápico com potencial de SLT (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40961427/).

Prevenção de hiperuricemia

A principal medida para prevenir a hiperuricemia é o uso de alopurinol. Ele deve ser iniciado de um a dois dias antes do início da quimioterapia e mantido por três a sete dias. Pode ser administrado por via oral ou endovenosa. A via oral está disponível no SUS (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18509186/). 

O alopurinol age bloqueando a conversão da xantina e da hipoxantina em ácido úrico. Ele diminui a formação de ácido úrico e reduz a incidência de uropatia obstrutiva causada pela precipitação de ácido úrico em pacientes com risco de desenvolver SLT, mas não reduz o nível de ácido úrico sérico prévio (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/14297704/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/849329/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10764437/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11342423/). 

A rasburicase reduz rapidamente o ácido úrico sérico pré-existente ao convertê-lo em alantoína, um composto mais solúvel em água, que é excretado na urina (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15510203/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19923162/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18081720/). Deve ser evitada em pacientes com deficiência de G6PD devido ao risco de hemólise (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18509186/).

Um estudo com rasburicase demonstrou redução do ácido úrico sérico para 1 mg/dL em 4 horas com uso da dose padrão aprovada pela FDA (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11157020/). Possui apenas a apresentação endovenosa e não está disponível no SUS.

O rasburicase pode ser iniciado quando (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37579533/):

  • Ácido úrico sérico for maior que 7,5 mg/dL (ou acima do limite superior da normalidade para idade e sexo) em pacientes com SLT clínica ou laboratorial estabelecida.
  • Alto risco de SLT.
  • Aumento da creatinina sérica de ≥ 0,3 mg/dL (ou aumento de > 50% em relação ao nível basal).
  • Doença volumosa. 

Outras medidas 

Alcalinização urinária não é mais recomendada. Na ausência de aumento na produção de urina, elevar o pH urinário para mais de 7,0 foi ineficaz na prevenção da cristalização do ácido úrico. Além disso, a alcalinização pode trazer dois efeitos colaterais importantes (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18509186/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29225880/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/6585264/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/7328184/):

  • Deposição de fosfato de cálcio no coração e nos rins, especialmente na presença de hiperfosfatemia acentuada.
  • Alcalose metabólica, elevando o risco de tetania e arritmias cardíacas por hipocalcemia transitória. 
[tabela id=1543 index=5]

A tabela 4 resume as medidas de prevenção para a SLT.

Como tratar a síndrome de lise tumoral

O tratamento da síndrome de lise tumoral (SLT) consiste em hidratação e correção de alterações eletrolíticas.

O manejo da hidratação na SLT é semelhante ao da profilaxia. O monitoramento do estado de hidratação e do débito urinário deve ser realizado a cada seis a oito horas (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37579533/).

Furosemida por ser utilizada em pacientes com baixo débito urinário após a hiper-hidratação ou na presença de sobrecarga volêmica. Os tiazídicos são
contraindicados porque podem causar hiperuricemia (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37579533/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35625753/). Diuréticos são contraindicados na presença de hipovolemia ou nefropatia obstrutiva (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18509186/). 

Quando disponível, a rasburicase está recomendada para pacientes com SLT quando o ácido úrico for maior que 7,5 mg/dL. A dose recomendada é de 0,2 mg/kg/dia e a duração do tratamento deve ser estabelecida conforme a resposta clínica e no máximo de três a sete dias. O alopurinol não tem efeito nesse cenário e não está indicado
(https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23684124/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35625753/). 

A abordagem das alterações eletrolíticas está disponível na tabela 5

[tabela id=1544 index=6]

As alterações eletrocardiográficas da hipercalemia e hipocalcemia foram discutidas em "Eletrocardiograma nos Distúrbios Eletrolíticos".

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