Dor Torácica no Pronto-Socorro: Diretriz Brasileira de 2025

Criado em: 20 de Outubro de 2025 Autor: João Mendes Vasconcelos Revisor: Nordman Wall

A Sociedade Brasileira de Cardiologia publicou, em 2025, a Diretriz Brasileira de Atendimento à Dor Torácica na Unidade de Emergência [1]. O documento recomenda critérios para abertura do protocolo de dor torácica, padrões eletrocardiográficos de oclusão coronariana aguda e escores para avaliação de condições mais graves. Este tópico traz as recomendações da diretriz e os principais aspectos operacionais da abordagem dessa queixa no pronto-socorro.

Definições, principais causas e protocolo de dor torácica

Definições

Dor torácica aguda é qualquer dor torácica de início recente ou que envolve uma mudança no padrão em comparação com episódios anteriores [2]. A dor torácica estável (crônica) apresenta um padrão previsível, associado a fatores precipitantes claros, geralmente esforço ou estresse emocional.

Os termos dor torácica “típica” e “atípica” devem ser evitados. Eles podem levar a falhas de comunicação, pois “atípica” pode ser interpretada como “não cardíaca” sem avaliação adequada. A recomendação é utilizar os termos dor torácica de origem cardíaca, possivelmente cardíaca ou não cardíaca [2]. 

Devido a variações na percepção e expressão de sintomas, algumas queixas podem ser consideradas equivalentes à dor torácica. Isso é especialmente válido em pacientes de maior risco cardiovascular e sem explicação alternativa. Queixas que entram nessa categoria incluem dispneia, epigastralgia, náuseas/vômitos, diaforese, síncope/pré-síncope e fadiga.

Principais causas

A maioria dos pacientes com dor torácica recebe alta do pronto-socorro (PS) sem diagnóstico final [3]. O foco da avaliação do PS é identificar causas graves e estratificar o risco do paciente para decidir entre alta e internação. Pacientes sem condição identificada e de baixo risco (< 1% de MACE em 30 dias) podem ser liberados com acompanhamento ambulatorial. 

Entre as causas ameaçadoras à vida, as síndromes coronarianas agudas (SCA) são muito mais comuns do que as demais [4-6]. Em segundo lugar está o tromboembolismo pulmonar (TEP) [7]. Pneumotórax (espontâneo/traumático), tamponamento pericárdico e síndromes aórticas agudas vêm em seguida [8-12]. A perfuração esofágica tem a menor incidência entre essas causas [13,14].

Protocolo de dor torácica

Um protocolo de dor torácica é um fluxo assistencial padronizado, desde o primeiro contato com o serviço de saúde até a decisão de alta ou internação. Essas ferramentas organizam tarefas críticas e sua implementação está associada à redução da permanência hospitalar e à menor solicitação de testes de estresse e de angiografia coronariana, sem aumentar MACE [15-17].  

Os protocolos priorizam as ações abaixo, que devem ocorrer simultaneamente:

  • Obter um eletrocardiograma (ECG) com interpretação pelo médico em até 10 minutos a partir do primeiro contato com o profissional/serviço de saúde.
  • Monitorizar o paciente em um ambiente com desfibrilador disponível.
  • Obter acesso venoso e coletar sangue para exames durante a punção.
  • Avaliação médica imediata.

Os critérios para abertura do protocolo de dor torácica pela diretriz brasileira de 2025 estão na tabela 1. Como o primeiro contato na unidade de saúde costuma ser pela triagem de enfermagem, caso o paciente apresente algum critério de abertura, o profissional da triagem deve abrir o protocolo, realizar o ECG e acionar o médico. 

Tabela 1
Critérios para abertura do protocolo de dor torácica.
Critérios para abertura do protocolo de dor torácica.

O ECG é prioritário, seja a queixa estável ou aguda e independente do cenário (consultório, pronto-socorro, UTI ou enfermaria). Se o paciente estiver sendo atendido em um ambiente sem esse recurso, ele deve ser transferido ao PS [2]. Uma exceção é quando uma causa não cardíaca é evidente (como herpes zoster torácico).

Fluxograma 1
Sugestão de abordagem da dor torácica segundo a SBC.
Sugestão de abordagem da dor torácica segundo a SBC.

A diretriz brasileira estrutura a avaliação em quatro passos sequenciais (fluxograma 1).

Passo 1: avaliação inicial e eletrocardiograma

Essa etapa consiste em anamnese, exame físico e ECG simultâneos. O objetivo é reconhecer rapidamente pacientes com SCA, especialmente aqueles com padrões eletrocardiográficos de alto risco, como os indicativos de oclusão coronariana aguda (OCA).

A diretriz brasileira adota, além do supradesnivelamento do segmento ST, outros padrões sugestivos de SCA/OCA que servem como gatilho para intervenção acelerada (angiografia coronariana e intervenção percutânea geralmente). Essa é uma novidade relevante, reconhecendo a importância de outros padrões eletrocardiográficos associados a piores desfechos. Caso esses achados estejam presentes, o paciente deve seguir a conduta conforme as diretrizes de SCA. Confira os padrões eletrocardiograficos de alto risco aqui. Veja mais em "Novo Paradigma de Infarto: Oclusão Coronariana Aguda", "Síndromes Coronarianas Agudas - Diretriz AHA/ACC 2025" e "Medicamentos no Infarto Agudo do Miocárdio". 

A indicação de trombólise permanece para os casos que preenchem critérios de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST), quando a intervenção coronariana percutânea não é possível no tempo-alvo. Nos demais padrões de alto risco de SCA/OCA, a conduta habitual é a estratégia invasiva urgente/precoce (cateterismo). Veja mais em “"Trombólise no Infarto Agudo do Miocárdio". 

Alterações no segmento ST podem ser causadas por diagnósticos diferenciais. Outros aspectos podem auxiliar na diferenciação (tabela 2) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26086496/). Pacientes com critérios claros de pericardite podem ser identificados nesse momento. Veja mais em "Pericardite: Novas Diretrizes Europeia e Americana de 2025". 

[tabela id=1558 index=3]

Quando a suspeita de SCA é elevada (como em pacientes com dor persistente), o exame deve ser repetido a cada 10 a 20 minutos, enquanto durar o sintoma ou o diagnóstico ser esclarecido, com pelo menos duas a quatro repetições (https://abccardiol.org/wp-content/plugins/xml-to-html/include/lens/index.php?xml=0066-782X-abc-122-09-e20250620.xml&lang=pt-br). As alterações são dinâmicas e alguns pacientes desenvolvem critérios de OCA no ECG após a chegada ao serviço de saúde. Derivações adicionais podem auxiliar:

  • V7-V9: particularmente quando, em V1-V3, existir infradesnivelamento de ST, onda T positiva (terminal) e/ou onda R proeminente e ampla (> 30 ms), habitualmente dominante (R>S) em V2. Um supradesnivelamento ≥ 0,5 mm já é considerado significativo, exceto em homens < 40 anos, em que o corte é ≥ 1 mm (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30165617/).
  • V3R-V4R: em pacientes com hipotensão, turgência jugular e sem congestão pulmonar ou naqueles com supradesnivelamento em DII, DIII e aVF. Um supradesnivelamento ≥ 0,5 mm já é considerado significativo, exceto em homens < 30 anos, em que o corte é ≥ 1 mm (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30165617/).

Alguns ECGs podem ser interpretados como duvidosos ou limítrofes. Nesses casos, recomenda-se solicitar a opinião de outro médico, comparar com ECGs prévios, seriar o exame e realizar ecocardiograma à beira do leito.

A maioria dos pacientes não será diagnosticada no passo 1 e o ECG será classificado como “não diagnóstico”. Se estiverem estáveis, esses pacientes poderão ser avaliados com mais calma e com aplicação de algoritmos diagnósticos (passo 3). 

Passo 2: pacientes instáveis

Ocorre praticamente em paralelo ao passo 1. A meta é identificar pacientes de maior risco que necessitam de investigação acelerada e intervenção precoce, com repetição seriada do ECG e imagem à beira do leito.

Os pacientes que entram nesse grupo são aqueles com critérios de instabilidade (tabela 3) ou com ECG “preocupante” (exame duvidoso ou limítrofe que não se encaixa nos critérios de síndrome coronariana aguda). Esses pacientes devem ser mantidos sob monitorização em um ambiente com desfibrilador disponível.

[tabela id=1559 index=4]

A diretriz enfatiza o papel da ecocardiografia formal de urgência ou da ultrassonografia cardíaca à beira do leito (POCUS), especialmente no choque sem causa definida. Além das janelas cardíacas habituais, o exame deve incluir um corte supraesternal (para avaliar o arco aórtico na suspeita de dissecção) e pulmonar (para pneumotórax e sinais de congestão). Veja mais em "Avaliação do Ventrículo Esquerdo pelo Ultrassom (POCUS)".

Excluindo as arritmias, a situação de instabilidade mais comum é o choque cardiogênico por falência ventricular. A identificação precoce é importante para realizar a revascularização rapidamente e aplicar dispositivos de assistência ventricular, com benefício em redução de mortalidade (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10460813/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22920912/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37634145/). Veja mais em "Novo Consenso de Choque Cardiogênico" e "Choque Cardiogênico e Dispositivos de Assistência Circulatória".

Quando o motivo da instabilidade é dissecção de aorta, o quadro pode ter complicado com ruptura da aorta, insuficiência valvar aórtica aguda ou tamponamento cardíaco. O método diagnóstico de escolha é o ecocardiograma transesofágico realizado na sala de emergência. Devido à instabilidade, esses pacientes não podem ser transportados para a angiotomografia. O ecocardiograma transtorácico pode auxiliar na avaliação inicial, mas tem acurácia limitada.

Em pacientes instáveis sem condições de realizar angiotomografia com suspeita de TEP, evidência ecocardiográfica de sobrecarga de ventrículo direito pode ser utilizada para indicar o tratamento empírico de TEP. O POCUS também auxilia na identificação rápida de tamponamento cardíaco e pneumotórax (ausência de deslizamento pleural). Veja mais em "POCUS: Avaliação do Ventrículo Direito, Derrame Pericárdico e Tamponamento Cardíaco" e "Tratamento de Tromboembolismo Pulmonar de Alto Risco".

Em pacientes sem critérios de instabilidade e que o ECG inicial não revelou o diagnóstico, a avaliação pode seguir para o passo 3.

Passos 3 e 4: escores de risco e estratificação não invasiva

O passo 3 consiste na avaliação da probabilidade diagnóstica estimada com ferramentas validadas e biomarcadores. A diretriz orienta classificar as características da dor como altamente suspeitas de SCA, moderadamente suspeitas ou pouco/nada suspeitas, facilitando a transposição para o escore HEART. Classificar a dor em tipo A/B/C/D deve ser evitado.

Escores de risco e fluxogramas de auxílio à tomada de decisão para as condições mais graves (SCA, TEP e dissecção de aorta) são recomendados. Essas ferramentas estruturam a estimativa da probabilidade diagnóstica, orientam a solicitação de biomarcadores (troponina e D-dímero) e uniformizam as decisões de alta segura ou investigação adicional. Implementar essas rotinas otimiza o uso de recursos e preserva a segurança do paciente (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39436875/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25737484/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39134106/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29030346/).

Troponina e fluxograma de investigação de SCA

A troponina de alta sensibilidade (hs-cTn) é o marcador de escolha para o diagnóstico de SCA. Na ausência desse marcador, a troponina convencional pode ser utilizada.

Algoritmos de 0-1 hora ou 0-2 horas (momento da coleta das troponinas) são preferenciais em relação ao algoritmo de 0-3 horas (fluxograma 2). Os algoritmos de 0-1/0-2 horas só podem ser utilizados com troponinas de alta sensibilidade. Valores de corte de troponina de alta sensibilidade (muito baixo, baixo e elevado) e as variações com 1 e 2 horas (Δ) diferem conforme o fabricante do ensaio. O médico deve checar no laboratório do serviço qual a marca da troponina utilizada e os pontos de corte recomendados. O serviço deve adotar um protocolo institucional com a marca utilizada e disponibilizá-lo à beira do leito.

[tabela id=1560 index=5]

Os algoritmos permitem descartar infarto agudo do miocárdio com somente uma dosagem de troponina de alta sensibilidade. Isso é possível apenas se o valor for muito baixo (indetectável) e se os sintomas tiverem iniciado há mais de três horas. A diretriz pontua que essa conduta é mais segura em pacientes com escore HEART < 4 e sem antecedente de doença arterial coronariana (DAC). Se HEART ≥ 4 ou antecedente de DAC e a suspeita de SCA persistir, deve-se considerar investigação não invasiva (angiotomografia de coronárias ou testes funcionais). Veja mais em "Ergométrico, Eco com Estresse, Cintilografia e AngioTC: Quando Pedir e Como Interpretar". 

Pacientes na zona intermediária do algoritmo devem ser mantidos em observação e realizar uma terceira dosagem de troponina. O POCUS pode evidenciar diagnósticos diferenciais e o escore HEART auxilia a estimar o risco desse grupo. Investigação coronariana com testes não invasivos deve ser considerada em regime de internação ou de forma ambulatorial precoce (passo 4).

Escores clínicos para dissecção de aorta e TEP

As síndromes aórticas agudas (dissecção, ulceração e hematoma) são raras, porém muito letais. A mais comum é a dissecção aguda de aorta. Classicamente, a dor é intensa, irradia para o dorso e não tem fatores de melhora. Porém, a condição pode se manifestar de maneira similar a outras causas de dor torácica. Terapias para SCA e TEP podem piorar o quadro ao aumentarem o risco de sangramento.

A ferramenta recomendada para quando existe a suspeita de dissecção de aorta é o ADD-RS (do inglês, Aortic Dissection Detection Risk Score) (fluxograma 3). Esse escore distribui os achados em três categorias diferentes e qualquer achado dentro de uma categoria confere um ponto (máximo de três pontos no total). Pontuação de 0-1 é de baixo risco e 2-3 de alto risco. O D-dímero e o POCUS podem ser utilizados em conjunto com esse escore.

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A investigação de TEP recomendada pode ser consultada em "Tromboembolismo Pulmonar".

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