Destaques das Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial, Dislipidemia e Obesidade
O Congresso Brasileiro de Cardiologia de 2025 trouxe novas diretrizes sobre fibrilação atrial, dislipidemia e obesidade [1-3]. Este tópico foca nas principais atualizações e os compara a documentos internacionais sobre o tema.
O Guia TdC já abordou esses temas anteriormente. Veja mais em "Fibrilação Atrial", "Atualização da ESC 2025 sobre a Diretriz de Dislipidemias" e "Novos Critérios Diagnósticos e Classificação da Obesidade".
Diretriz de fibrilação atrial
Quando anticoagular?
A diretriz brasileira segue a European Society of Cardiology (ESC) e recomenda a calculadora de risco tromboembólico CHA₂DS₂-VA. Pacientes com pontuação maior ou igual a 2 devem ser anticoagulados.
Pacientes com pontuação zero no CHA₂DS₂-VA não devem receber anticoagulação. Aqueles que têm pontuação 1 devem ter sua conduta individualizada, ponderando risco de sangramento, benefício clínico e preferências do paciente.
O critério ‘sexo feminino’ foi removido do escore porque, na prática, não alterava a indicação de anticoagulação. Além disso, o critério não contemplava pessoas não binárias, pessoas trans ou quem estivesse em terapia hormonal. Veja mais em "Atualização sobre a Nova Diretriz de Fibrilação Atrial da ESC 2024".
A diretriz destaca que algumas condições associadas à FA necessitam de anticoagulação mesmo quando o escore CHA₂DS₂-VA é baixo. O documento destaca cardiomiopatia hipertrófica, amiloidose cardíaca e hipertireoidismo [4,5].
Fibrilação atrial aguda estável
Na decisão de cardioverter um paciente com FA aguda estável, deve-se considerar o tempo de início de sintomas e o risco tromboembólico do paciente (fluxograma 1):
- Tempo de sintomas: a diretriz brasileira reduziu o tempo máximo de sintomas considerado seguro para realizar a cardioversão, estipulando um limite de 24 horas. Esse posicionamento está alinhado com a diretriz da ESC.
- Risco embólico: pacientes com alto risco tromboembólico não devem receber cardioversão se estiverem estáveis, mesmo se os sintomas estiverem presentes há menos de 24 horas. Pacientes de alto risco especificados pela diretriz são aqueles com FA de etiologia valvar, evento embólico prévio ou CHA₂DS₂-VA ≥ 2.
Controle de ritmo
Os autores recomendam a estratégia de controle de ritmo como preferencial. O controle de frequência pode ser escolhido em pacientes assintomáticos ou com baixa probabilidade de manutenção do ritmo sinusal, como aqueles com mais de 65 anos e remodelamento atrial esquerdo importante.
A ablação por cateter deve ser discutida nos pacientes com FA sintomática, seja paroxística ou persistente, sendo uma opção de primeira linha de tratamento. Se existir insuficiência cardíaca com suspeita de taquicardiomiopatia, recomenda-se a ablação mesmo em pacientes assintomáticos.
Diretriz de dislipidemia
A diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) de dislipidemia traz dados epidemiológicos brasileiros, baseados no registro Network to Control AtheroThrombosis (NEAT). No país, 5% dos pacientes com doença arterial coronária e/ou periférica não utilizam estatina. Dentre os que utilizam, 55% não estavam com a terapia recomendada de alta intensidade. Somente 14,4% apresentavam valores de LDL-c inferiores a 50 mg/dL e aproximadamente 30% dos indivíduos estavam com níveis ≥ 100 mg/dL (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38378735/).
Estimativa do risco cardiovascular
Para pacientes de 30 a 79 anos que não possuem doença cardiovascular estabelecida, a diretriz brasileira recomenda que a calculadora PREVENT seja utilizada para estimar o risco do paciente. Essa ferramenta foi validada na população dos Estados Unidos da América, mas por não existir uma calculadora contemporânea e abrangente validada no Brasil, a SBC orienta o uso da PREVENT.
A diretriz estabelece a categoria de “extremo risco”, que a diretriz europeia também propôs, porém com outros critérios. De forma geral, pacientes são definidos como de extremo risco pela SBC se tiverem histórico de múltiplos eventos cardiovasculares ateroscleróticos maiores ou um evento cardiovascular aterosclerótico maior e pelo menos duas condições de alto risco (tabela 1).
Escore de cálcio
O escore de cálcio coronário (CAC) auxilia a estimar o risco cardiovascular. Essa medida pode reclassificar o paciente para uma categoria de risco superior à definida por critérios clínicos e calculadoras.
A diretriz da SBC recomenda a utilização do CAC em pacientes de risco intermediário, com idade superior a 40 anos e LDL-c entre 70–159 mg/dL. Essa variável também pode ser considerada em indivíduos de baixo risco com histórico familiar de doença cardiovascular precoce (homens < 55 anos e mulheres < 60–65 anos).
Os valores de CAC que modificam o risco são:
- CAC > 100 UA ou percentil > 75 para sexo e idade: classificar como alto risco cardiovascular.
- Diabetes mellitus e CAC entre 10 e 300 UA: classificar como alto risco cardiovascular.
- CAC > 300 UA: classificar como muito alto risco cardiovascular.
- Hipercolesterolemia familiar e CAC > 100 UA: classificar como muito alto risco cardiovascular.
Colesterol não HDL
A redução do colesterol não-HDL também deve ser uma meta. O valor é calculado através do resultado da dosagem do colesterol total, subtraindo o HDL. O objetivo dessa avaliação é considerar outras lipoproteínas, estimando de maneira indireta a apolipoproteína B (ApoB). Essa estimativa é mais relevante em pacientes com triglicerídeos acima de 150 mg/dL.
A meta do colesterol não-HDL varia conforme a estratificação de risco, assim como a meta de LDL (tabela 2).
Em relação à redução do LDL, um percentual de redução deve ser alcançado. A meta varia conforme a estratificação de risco:
- Risco alto, muito alto ou extremo: redução ≥ 50%.
- Risco baixo ou intermediário: redução ≥ 30%.
A terapia deve ser intensificada sempre que alguma das metas não for alcançada. Em pacientes que já atingiram a meta, a diretriz recomenda considerar a dosagem de ApoB para decidir se ainda é preciso intensificar a terapia ou não. As metas de ApoB são menos estabelecidas que as de LDL. A recomendação da diretriz brasileira está na tabela 1.
A diretriz sugere a dosagem de lipoproteína(a) [Lp(a) ou “Lp azinha”] pelo menos uma vez na vida, recomendação similar à diretriz europeia. Valores acima de 50 mg/dL sinalizam um risco maior de eventos cardiovasculares e devem desencadear uma investigação familiar em cascata para identificar outros portadores de Lp(a) elevada e avaliar precocemente o risco cardiovascular.
Diretriz de obesidade
A diretriz da SBC de obesidade foca na redução de risco cardiovascular e de insuficiência cardíaca no paciente com sobrepeso e obesidade. A diretriz não explicita a definição de obesidade utilizada. Existe uma proposta de novos critérios para obesidade, veja mais em "Novos Critérios Diagnósticos e Classificação da Obesidade".
Meta de perda de peso
A diretriz estipula metas de perda de peso diferentes a depender do propósito. É recomendado que pacientes com sobrepeso ou obesidade que apresentam risco cardiovascular moderado reduzam o peso em 5%. Essa redução auxilia no controle de fatores de risco cardiovasculares, como hipertensão e dislipidemia, além de evitar ou atrasar o aparecimento de diabetes. As principais evidências que sustentam essa recomendação são os estudos DPP e Look-Ahead (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11832527/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23796131/).
Para a redução de eventos cardiovasculares, a diretriz faz uma recomendação fraca de perda de peso de 10% nos pacientes com risco moderado e alto. O embasamento vem de trabalhos com mudança de estilo de vida, semaglutida e cirurgia bariátrica (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35312758/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37952131/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22215166/).
Nos pacientes com obesidade e fibrilação atrial, a recomendação é de perda de peso de 10% para reduzir as complicações associadas à arritmia.
Tratamento
Mudança de estilo de vida é recomendada para todos com sobrepeso e obesidade. Isso inclui um programa alimentar com distribuição adequada de macronutrientes e prática de exercício físico aeróbico e resistido. Essas medidas devem visar um déficit energético inicial de 500–750 kcal/dia.
Um agonista do receptor GLP-1 (AR GLP-1) ou um coagonista dos receptores GLP-1/GIP é recomendado para pacientes com risco moderado ou alto de doença cardiovascular. Entre as opções estão liraglutida, semaglutida e tirzepatida (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26132939/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33567185/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35658024/).
Para aqueles com doença cardiovascular estabelecida, a diretriz recomenda a semaglutida 2,4 mg/semana (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37952131/). Veja mais em "Semaglutida para Prevenção Cardiovascular Secundária", que abordou o estudo SELECT. Os autores sinalizam que a tirzepatida ainda não possui estudos como o SELECT nesse cenário, mas esses trabalhos estão em andamento.
Outros medicamentos para perda de peso são opções, porém com um grau de recomendação menor e restritos a casos em que não seja possível utilizar AR GLP1 ou coagonista dos receptores GLP-1/GIP. Entre as alternativas possíveis estão o orlistate e a naltrexona/bupropiona.
Algumas comorbidades associadas à obesidade possuem recomendações de medicamentos específicos, como:
- Diabetes mellitus tipo 2: AR GLP-1 (liraglutida, dulaglutida e semaglutida subcutânea ou oral).
- Diabetes mellitus tipo 2 e doença renal crônica: semaglutida 1,0 mg/semana. É necessário que a taxa de filtração glomerular esteja ≥ 25 ml/min/1,73 m².
- Insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida: inibidores de SGLT2. Um AR GLP-1 pode ser utilizado, estando contra-indicado somente se NYHA 4.
- Insuficiência cardíaca de fração de ejeção preservada: inibidores de SGLT2 e semaglutida 2,4 mg/semana.
- Apneia obstrutiva do sono: liraglutida ou tirzepatida.
A diretriz contraindica o uso de sibutramina para pacientes com risco cardiovascular alto ou coronariopatia crônica. O estudo SCOUT encontrou mais eventos cardiovasculares em quem utilizou sibutramina quando comparado com placebo (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20818901/).
A cirurgia bariátrica é recomendada para pacientes com índice de massa corpórea (IMC) ≥ 35 kg/m² e risco cardiovascular moderado e alto. A intervenção também é indicada para aqueles com risco de insuficiência cardíaca em 10 anos maior que 20%, quando o tratamento clínico for insuficiente para perder peso de forma sustentada. Pacientes que se encaixam nesse grupo de alto risco de insuficiência cardíaca pela diretriz são:
- IMC > 40 kg/m², mesmo assintomáticas.
- Pessoas com obesidade, diabetes e hipertensão associados.
- Apneia obstrutiva do sono grave (veja mais em "Síndrome da Apneia e Hipopneia Obstrutiva do Sono: Diagnóstico e Tratamento").
- Fibrilação atrial.
- Doença renal crônica estágio 3b.
- NT-proBNP/BNP elevados.
- Escore PREVENT para insuficiência cardíaca em 10 anos igual ou maior que 20%.
- Doença aterosclerótica cardiovascular estabelecida.
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