Quimioterápicos e Eventos Adversos
A quimioterapia segue como pilar do tratamento oncológico, isolada ou combinada a terapias-alvo e imunoterapias [1]. Esses medicamentos também atingem tecidos saudáveis e estão associados a efeitos adversos relativamente previsíveis [2]. Esta revisão aborda a prevenção, reconhecimento precoce e manejo das toxicidades mais relevantes da quimioterapia.
Conceitos e tipos de quimioterápicos
Quimioterápicos antineoplásicos clássicos são medicamentos citotóxicos que interferem em fases do ciclo celular e induzem morte celular. O efeito é maior em células com taxas elevadas de divisão. Isso explica o efeito antitumoral e parte da toxicidade aguda em tecidos de alta renovação (como medula, mucosas e pele).
O tratamento quimioterápico pode ter quatro objetivos [3,4]:
- Primário curativo: erradicar a doença. Possível, por exemplo, em tumores germinativos e em neoplasias hematológicas.
- Adjuvante: após a cirurgia, para eliminar doença residual microscópica e reduzir o risco de recidiva.
- Neoadjuvante: antes da cirurgia, para reduzir o tumor e facilitar a ressecção. Pode ser seguido de adjuvância.
- Paliativo: controlar sintomas e carga tumoral, melhorando a qualidade de vida.
Os quimioterápicos podem ser organizados por mecanismo de ação (tabela 1). As classes agrupam perfis de toxicidade similares.
Terapias-alvo (como o anti-HER2 trastuzumabe) e imunoterapia (como os inibidores de checkpoint) seguem outra lógica de dose e eventos adversos. Veja mais em "Tratamento do Câncer de Mama Não Metastático" e "Efeitos Adversos dos Inibidores de Checkpoints Imunes no Tratamento do Câncer".
O Manual de Bases Técnicas da Oncologia do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA/SUS) consolida definições e orientações operacionais brasileiras [4].
Dose de quimioterápicos
O cálculo da dose dos quimioterápicos visa conciliar um efeito antitumoral máximo com toxicidade aceitável. A janela terapêutica desses medicamentos é estreita. O cálculo de dose mais utilizado é pela superfície corporal (dose em mg/m²) [5]. Ajustes subsequentes são guiados pela toxicidade após a aplicação.
A diretriz da American Society of Clinical Oncology (ASCO) recomenda dose plena baseada no peso atual em adultos com obesidade (ajustada por toxicidade, como em não obesos), evitando reduções empíricas iniciais que comprometam a eficácia [6].
Os quimioterápicos podem precisar de ajuste para a função renal e hepática. Um exemplo de destaque é a cisplatina, com nefrotoxicidade marcante. Os protocolos costumam evitá-la com taxa de filtração glomerular (TFG) < 50–60 mL/min/1,73 m² [7]. Nessas situações, a carboplatina é uma alternativa [8].
Em relação ao ajuste hepático, deve-se ter atenção em pacientes com metástases hepáticas e comprometimento da função sintética do fígado e da drenagem biliar. A evidência para ajustes de dose é heterogênea, baseada em séries pequenas e consensos. Deve-se seguir orientações específicas do protocolo e referências técnicas ao decidir reduções [9].
Classificação de gravidade e temporalidade dos eventos adversos
A referência padronizada para graduação de eventos adversos em oncologia é o Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE), atualmente na versão 5.0. Os eventos são graduados de 1 a 5: grau 1 (leve), grau 2 (moderado), grau 3 (grave), grau 4 (risco de morte) e grau 5 (óbito relacionado ao evento) (https://dctd.cancer.gov/research/ctep-trials/for-sites/adverse-events/ctcae-v5-5x7.pdf). O documento aplica descritores objetivos por grau e utiliza o comprometimento de atividades básicas da vida diária para diferenciar os limiares entre grau 2 e 3.
A classificação orienta decisões como manter ou suspender o tratamento, ajuste de dose e necessidade de internação. Em geral, eventos de grau 1 e 2 são de manejo ambulatorial, enquanto os eventos de grau 3 e 4 necessitam de cuidado mais intenso e costumam requerer internação. Há exceções, pois reações infusionais grau 2 podem demandar suspensão imediata, enquanto algumas alterações laboratoriais grau 3 podem ser acompanhadas sem internação conforme o quadro clínico e o protocolo do fármaco. A recomendação prática é sempre verificar a classificação CTCAE específica antes de decidir.
O CTCAE versão 5.0 pode ser acessado aqui (https://ctep.cancer.gov/protocoldevelopment/electronic_applications/docs/CTCAE_v5_Quick_Reference_5x7.pdf) ou por aplicativos médicos (por exemplo, o OncoAssist). A versão 6.0 foi disponibilizada pelo National Institute of Cancer (NCI) em 2025.
Eventos agudos afetam preferencialmente tecidos de alta renovação. Podem ocorrer em minutos/horas (reações infusionais com taxanos e náuseas/vômitos agudos), dias (náuseas/vômitos tardios, mucosite e neuropatia aguda da oxaliplatina) até uma a poucas semanas (mielossupressão) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38632132/, https://pinkbook.dfci.org/assets/docs/Adult%20Guidelines%20for%20Assessment%20and%20Management%20of%20Nausea%20and%20Vomiting_2023.pdf, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38458657/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27034762/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39516565/).
Efeitos tardios se desenvolvem em meses a anos. Eventos específicos de um órgão e de uma classe de quimioterápicos e dependentes da dose acumulada são mais comuns nesse grupo. Exemplos são a neuropatia periférica por platinas/taxanos e a cardiotoxicidade por antracíclicos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12767102/).
Náuseas, vômitos, diarreia e mucosite
Náuseas e vômitos
Sem a profilaxia recomendada, náuseas e vômitos induzidos pela quimioterapia (NVIQ) podem atingir mais de 90% dos pacientes (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8996130/). Com a prevenção adequada, este efeito pode ser reduzido para cerca de 30% (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28687576/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20555089/). A profilaxia antes da quimioterapia é a estratégia de maior impacto e deve ser guiada pelo potencial emetogênico do esquema (tabela 2).
A divisão temporal das NVIQ se relaciona com mecanismos e tratamentos diferentes (figura 1) (https://www.eviq.org.au/clinical-resources/side-effect-and-toxicity-management/gastrointestinal/7-prevention-of-anti-cancer-therapy-induced-nausea, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36221000/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27050207/):
- Aguda (≤ 24 horas da aplicação): predomínio de liberação periférica de serotonina no com ativação de receptores de 5-hidroxitriptamina do tipo 3 (5-HT3) nas aferências vagais e no centro do vômito. A principal intervenção são os antagonistas seletivos do receptor 5-HT3, como a ondansetrona e a palonosetrona.
- Tardia (após 24 horas até aproximadamente cinco dias): predomínio de substância P com ativação central de receptores da neurocinina-1 (NK-1). Em pacientes com esquemas altamente emetogênicos, os sintomas podem persistir até sete dias. A principal forma de prevenção é com antagonistas do receptor do NK-1, como o aprepitanto e o fosaprepitanto.
O potencial emetogênico dos esquemas quimioterápicos mais comuns e as doses das estratégias profiláticas estão na tabela 2. Exemplos de esquemas com alto potencial emetogênico são aqueles contendo cisplatina ou a associação de doxorrubicina com ciclofosfamida. O protocolo com doxorrubicina e ciclofosfamida também é conhecido como esquema “AC”, do nome comercial “adriamicina” da doxorrubicina, usado para câncer de mama (também chamado de “quimioterapia vermelha”, por conta da cor avermelhada do antracíclico) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38458657/).
Os medicamentos com ação antiemética utilizados são antagonistas seletivos do receptor 5-HT3 (ex. ondansetrona), antagonistas do receptor de NK-1 (ex. fosaprepitanto), corticoides (especialmente a dexametasona) e antipsicóticos com efeito antidopaminérgico (especialmente a olanzapina) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38458657/).
Os inibidores do 5-HT3 de primeira geração (como ondansetrona e granisetrona) podem alargar o intervalo QT (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12921512/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20210727/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18083478/). Esse efeito não foi descrito com palonosetrona, um inibidor 5-HT3 de segunda geração (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21773677/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26111957/).
Apesar da profilaxia adequada, 30 a 50% dos pacientes podem apresentar NVIQ de escape (ou breakthrough) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26421294/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27909835/). Alguns casos podem necessitar de internação para controle dos sintomas, hidratação e reposição eletrolítica (conferir CTCAE). O tratamento é com os medicamentos da tabela 2, com destaque para os antipsicóticos (haloperidol ou olanzapina) em associação aos demais antieméticos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38458657/). Deve-se evitar repetir a mesma classe isoladamente, sendo ideal combinar mecanismos distintos. A metoclopramida também é uma opção aqui, porém foi inferior à olanzapina em um ensaio de fase III para NVIQ de escape em pacientes com terapia altamente emetogênica (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23314603/).
Alguns pacientes que apresentaram NVIQ em ciclos iniciais podem desenvolver náuseas antecipatórias nos ciclos subsequentes. A incidência é de até 18%, em esquemas altamente emetogênicos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8315437/). A melhor abordagem é a prevenção, com uma profilaxia adequada no primeiro ciclo de tratamento. O tratamento das náuseas antecipatórias já estabelecidas envolve terapia cognitivo-comportamental e benzodiazepínicos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27510314/).
Frequentemente, assume-se que náuseas e vômitos em pacientes em quimioterapia sejam NVIQ sem uma ponderação sobre diagnósticos diferenciais. Várias outras causas de náuseas e vômitos, comuns em pacientes com câncer, devem ser consideradas no contexto adequado. Alguns exemplos são efeito de fármacos (constipação por opioides), distúrbios hidroeletrolíticos (especialmente hipercalcemia, mas também hipo/hiponatremia), obstrução intestinal maligna/íleo paralítico ou gastroparesia, ascite e carcinomatose peritoneal, doença tumoral no trato gastrointestinal (infiltração/estenose) ou no sistema nervoso central (hipertensão intracraniana), infecções e pancreatite. A suspeita de alternativas diagnósticas deve aumentar na presença de vômitos biliosos ou fecalóides, dor abdominal intensa/distensão, hematêmese, febre, cefaleia ou falha na terapia antiemética.
Diarreia
Mais comum com fluoropirimidinas (5-fluoruracil e capecitabina) e irinotecano (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36221000/). O mecanismo principal é o dano à mucosa intestinal por efeito citotóxico direto.
Com fluoropirimidinas, diarreia grave (grau 3–4 CTCAE) ocorre em 12–16% dos pacientes (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24962653/). Em irinotecano, a taxa de diarreia grau 3–4 oscila de 10% a 30% conforme esquema e população (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8943661/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37601667/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11430421/). A loperamida é parcialmente efetiva nas toxicidades mais graves, sendo eventualmente necessário o uso de octreotide (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11430421/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11300329/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11561696/).
Essa toxicidade tem aspectos farmacogenéticos relevantes. Diarreia e mucosite precoces e desproporcionais após 5-fluoruracil/capecitabina devem levantar a suspeita de deficiência de di-hidropirimidina desidrogenase (DPD) (veja mais em ‘Mucosite’ abaixo). Para o irinotecano, portadores do polimorfismo **UGT1A128/28 têm risco aumentado de neutropenia e diarreia. No Brasil, a testagem prévia não é universal e a disponibilidade varia. O rastreio pré-tratamento pode reduzir a toxicidade e auxiliar no planejamento da dose (https://www.ema.europa.eu/en/news/ema-recommendations-dpd-testing-prior-treatment-fluorouracil-capecitabine-tegafur-and-flucytosine, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40536615/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19125129/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35090043/).
O manejo depende da gravidade conforme o CTCAE versão 5.0 e está disposto no fluxograma 1. A classificação de gravidade se baseia no número de evacuações (grau 3 quando ≥ 7 evacuações ao dia) e na presença de sinais de gravidade, como hipotensão e rebaixamento do nível de consciência (grau 4) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36221000/).
As intervenções envolvem suspensão temporária do tratamento, hidratação, ajustes dietéticos e loperamida. A dose inicial de loperamida é de 4 mg, seguidas de 2 mg a cada 4 horas ou após cada evacuação diarreica, com um máximo de 16 mg/dia. Recomenda-se evitar lactose e aumentar fibras e constipantes. Em cenários de maior gravidade, inicia-se antibióticos até descartar processo infeccioso e ponderar a associação de octreotide (100 a 150 mcg subcutâneo a cada 8 horas) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15254061/).
No caso do irinotecano, a diarreia pode ocorrer por dois mecanismos distintos e relevantes para o tratamento. Nas primeiras 24 horas, ocorre estímulo colinérgico por inibição da acetilcolinesterase (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/7799022/). Outros sintomas de síndrome colinérgica podem surgir, como cólica, rinite, lacrimejamento e salivação (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35779873/). Para tratamento ou prevenção, recomenda-se atropina 0,25-1 mg via subcutânea ou intravenosa. Após 24 horas, a diarreia é multifatorial, com contribuição do metabólito SN-38 com dano à mucosa. Esse é o principal motivo de diarreia grave por irinotecano e necessita de loperamida e, se refratária, octreotide.
O mecanismo e a abordagem de diarreia induzida por outros tratamentos antineoplásicos diferem da diarreia por quimioterápicos. Os inibidores de checkpoints imunes podem induzir colite imunomediada e o principal tratamento é com corticoterapia. Algumas terapias-alvo anti-HER2 possuem a diarreia como principal evento adverso. Veja mais em "Efeitos Adversos dos Inibidores de Checkpoints Imunes no Tratamento do Câncer".
Mucosite
Processo inflamatório e ulcerativo da mucosa oral (estomatite) e gastrointestinal. Acomete até 76% dos pacientes em tratamento com protocolos de alta intensidade, como os utilizados em transplantes de medula óssea (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15548350/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26409924/). Afeta a qualidade de vida, compromete o aporte nutricional e a adesão ao tratamento. O risco se eleva quando há doença odontológica associada.
Os agentes mais envolvidos são citarabina, doxorrubicina, etoposídeo em altas doses, 5-fluorouracil (5-FU) e metotrexato. O datopotamabe-deruxtecano é um novo agente que possui a mucosite oral como um dos principais eventos adversos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38502995/). Alguns pacientes têm deficiência na enzima DPD (gene DPYD) e podem cursar com mucosite/diarreia desproporcionais e graves ao usar 5-FU/capecitabina. Na suspeita, deve-se suspender o fármaco e discutir investigação direcionada. A uridina triacetato é o antídoto específico.
Habitualmente, os sintomas iniciam de três a cinco dias após o tratamento, atingindo o pico em sete a dez dias. A melhora costuma acompanhar a recuperação dos neutrófilos, usualmente após 10 a 14 dias (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36221000/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15057287/).
A prevenção é a medida mais efetiva. Avaliação odontológica antes do tratamento, com manejo de focos infecciosos, ajuste de próteses e reforço da higiene, é a intervenção de maior impacto. Outras estratégias são:
- Crioterapia oral: cubos ou fragmentos de gelo na cavidade oral durante 15 a 30 minutos nas infusões dos quimioterápicos. Apresenta baixo custo, poucos efeitos adversos e elevada eficácia. NNT de 4 para reduzir mucosite (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26695736/). A crioterapia não é recomendada para pacientes em uso de oxaliplatina, pois esse fármaco está associado a sensibilidade aguda à temperatura, podendo causar intenso desconforto (https://www.ons.org/clinical-tools/pep/mucositis/cryotherapy).
- Fotobiomodulação: aplicação de laser de baixa intensidade em cavidade oral. Usualmente realizado pela equipe de odontologia.
- Palifermina: fator estimulador de colônia de queratinócitos recombinante. Reduz a incidência e a duração da mucosite em pacientes submetidos a transplante de medula óssea com quimioterapia de alta intensidade e radioterapia corporal total. Aprovada pelo Food and Drug Administration (FDA) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31286232/). Não está disponível no Brasil.
O papel da clorexidina é controverso (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18300265/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/3056555/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8829162/). Por evidências conflitantes, nenhuma recomendação foi feita em relação à clorexidina para prevenção de mucosite em um posicionamento de 2019 da Mucositis Study Group of the Multinational Association of Supportive Care in Cancer/International Society for Oral Oncology (MASCC/ISOO) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31286232/). Uma diretriz de 2020 da mesma organização pontua que isso não exclui o uso com outras indicações, como infecções orais (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32786044/).
Quando a mucosite está estabelecida, o objetivo é controle da dor, manutenção da via oral e prevenção de infecções. A higiene bucal pode ser feita com enxágues. Não existe uma recomendação baseada em evidências contra ou a favor de uma fórmula específica de solução para enxágue. Uma opção é utilizar uma solução salino-bicarbonatada (por exemplo, ½ colher de chá de sal com ½ colher de chá de bicarbonato em 250 mL de água, 4–6 vezes/dia) e, se não tolerada, enxágue somente com água (https://www.eviq.org.au/clinical-resources/side-effect-and-toxicity-management/oropharyngeal/210-oral-mucositis-and-stomatitis). Deve-se evitar soluções com álcool. Candidíase pode estar presente e deve ser tratada.
Analgésicos sistêmicos podem ser utilizados. A lidocaína tópica 2% pode ser empregada como bochecho antes das refeições. Existe risco de anestesia orofaríngea, orientando-se a evitar alimentos quentes e a deglutição de grandes volumes. Dieta pastosa/fria é uma alternativa, com suplementos hipercalóricos se necessário. A via enteral/parenteral é um recurso se a via oral for inviável.
A dose do esquema quimioterápico deve ser ajustada conforme o protocolo para ciclos subsequentes (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36221000/).
Citopenias e tromboembolismo venoso
Neutropenia
Um dos eventos adversos mais comuns do tratamento oncológico. Níveis de neutrófilos inferiores a 500 células/μL (neutropenia grave ou grau 4 pelo CTCAE) podem ocorrer em até 54% dos pacientes em tratamento para linfomas e 34% para câncer de mama (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18351398/).
O principal risco da neutropenia grave está relacionado ao desenvolvimento de infecções. Na presença de febre em um paciente com câncer, a neutropenia grave determina o diagnóstico operacional de neutropenia febril. Este quadro é uma emergência médica. Veja mais em "Consenso Brasileiro de Neutropenia Febril". Por mais que o paciente não desenvolva neutropenia febril ou infecções, a neutropenia grave em si pode impactar o tratamento, pela necessidade de adiar ciclos de quimioterapia.
As principais estratégias para evitar neutropenia grave são:
- Estimuladores de colônia de granulócitos: filgrastim - indicado como profilaxia primária quando o risco de neutropenia febril do esquema é ≥ 20% (ou 10–20% com fatores adicionais). Como profilaxia secundária, pode ser utilizado após neutropenia grave ou neutropenia febril (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36221000/).
- Ajuste de dose nos ciclos subsequentes: adiamento dos ciclos até recuperação medular, reduções de doses e até a suspensão do tratamento são estratégias utilizadas para evitar a recorrência destes eventos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36221000/).
Outra intervenção é o trilaciclibe, um inibidor de quinase dependente de ciclina 4/6 (CDK4/6). Atua bloqueando a divisão de células hematopoiéticas, protegendo-as da quimioterapia. Pode ser utilizada em cânceres de pulmão de pequenas células, mas não está aprovada no Brasil (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36221000/).
Anemia e plaquetopenia
Pacientes com câncer e anemia secundária à quimioterapia podem ser submetidos a uma estratégia transfusional restritiva, conforme as diretrizes da Association for the Advancement of Blood & Biotherapies (AABB) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37824153/). A transfusão de concentrado de hemácias pode ser realizada se hemoglobina < 7 g/dL ou < 8 g/dL na presença de doença cardiovascular ou sintomas.
Os agentes estimuladores de eritropoiese (como epoetina) são opção somente quando a quimioterapia tem intenção não curativa. O objetivo é reduzir transfusões, após corrigir causas reversíveis, como deficiência de micronutrientes. Ocorre aumento do risco de tromboembolismo com esses agentes. Deve-se evitar hemoglobina > 12 g/dL. Veja mais em "Eritropoetina".
A anemia em pacientes com câncer com frequência é multifatorial. A neoplasia pode causar anemia por efeito direto (sangramento ou invasão medular) ou indireto (como anemia hemolítica autoimune, anemia da doença crônica e amiloidose).
Plaquetopenia comumente é flagrada nos exames realizados antes de cada ciclo. A transfusão profilática em pacientes internados é recomendada se a plaquetometria for ≤ 10.000/µL. Em pacientes com sangramento ativo grave, a transfusão é recomendada se plaquetometria ≤ 50.000/µL segundo o American College of Chest Physicians (ACCP) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40074060/). Medicamentos que aumentam o risco de sangramento devem ser revistos se houver sangramento. Veja mais em "Novas Diretrizes de Transfusão de Plasma e Plaquetas".
Tromboembolismo venoso
A quimioterapia eleva adicionalmente o risco de tromboembolismo venoso em relação ao câncer não tratado com quimioterapia (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27803117/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32387044/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32369855/). Isso ocorre possivelmente por mudanças nos componentes da tríade de Virchow.
O tromboembolismo pulmonar é a segunda causa de morte nestes pacientes (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39964681/). Veja mais sobre o manejo profilático e terapêutico em "Profilaxia Primária de Trombose no Paciente com Câncer" e "Tromboembolismo no Paciente com Câncer".
Alopecia e efeitos cutâneos
Alopecia
Causada pela destruição dos queratinócitos que formam os folículos pilosos. A alopécia ocorre por eflúvio anágeno. Está associada a efeitos emocionais e sociais que podem dificultar a adesão ao tratamento e piorar a qualidade de vida. Geralmente é reversível, mas a recuperação pode levar meses a anos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36221000/). Em pacientes em uso de taxanos, especialmente docetaxel, pode ocorrer alopecia persistente (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33350015/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34586345/).
A indução de hipotermia no escalpo pode reduzir o risco de alopecia. Os dispositivos/toucas de resfriamento do escalpo são utilizados com esse objetivo, especialmente em alguns esquemas de tratamento para câncer de mama. As taxas de sucesso para preservação capilar (definida como perda de cabelo < 50%) ficam em torno de 60% nos esquemas com taxanos, dependendo do regime de quimioterapia e do protocolo do dispositivo (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28196254/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38936283/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38869252/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28196257/). O efeito é menor nos esquemas com antraciclinas (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33125621/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39482416/).
Os protocolos com toucas de resfriamento iniciam a aplicação 30 minutos antes da infusão do quimioterápico e mantêm até 60 a 90 minutos após o término da infusão. Cefaleia, desconforto local e lesão por frio podem ocorrer. A baixa eficácia para a maioria dos tumores e outras barreiras, como alto custo, aumento do tempo de aplicação do tratamento e cefaleia, limitam a sua aplicação (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36221000/).
O minoxidil tópico 2-5% pode reduzir o tempo até o repovoamento capilar e pode ser considerado no tratamento da alopecia (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8682968/). O minoxidil oral é uma opção off-label, mas que conta com a opinião de especialistas que consideram razoável o uso para tratamento de alopecia nesse contexto (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39097564/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34586345/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39565602/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39637983/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/41092332/).
Eritrodisestesia palmoplantar e outros eventos cutâneos
A eritrodisestesia palmoplantar também é conhecida como hand-foot syndrome. Associado à capecitabina, 5-FU e doxorrubicina lipossomal peguilada. Inicia com parestesias e sensação de queimação em extremidades, evolui para eritema doloroso, edema e fissuras nas palmas e plantas. Pode ocorrer perda temporária das impressões digitais (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31558182/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15987918/). O manejo é com redução do atrito/calor, emolientes, curativos para fissuras e analgesia tópica/sistêmica conforme necessidade.
Os taxanos estão associados à toxicidade ungueal (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10369623/). Onicólise, melanoníquia, hemorragias subungueais e paroníquia dolorosa são descritas e pode ocorrer impacto funcional.
O eritema “flagelado” é raro, porém característico da bleomicina (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25867573/). Pápulas/placas eritemato-acastanhadas surgem em estrias lineares (como se fossem “chicotadas”), dias a semanas após a infusão e podem deixar hiperpigmentação persistente.
Neuropatia periférica
Acomete 30 a 40% dos pacientes em uso de quimioterápicos neurotóxicos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28486769/). Os fármacos oncológicos mais envolvidos são:
- Taxanos: paclitaxel e docetaxel.
- Platinas: cisplatina e oxaliplatina.
- Alcaloides da vinca: vincristina, vimblastina e vinorelbina.
- Inibidores de proteassoma: bortezomibe.
- Anticorpo-droga conjugado: enfortumabe-vedotina.
Fatores de risco incluem idade > 65 anos e presença de neuropatia antes do início do tratamento (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37231127/).
A manifestação típica é de polineuropatia com predomínio sensitivo e acometimento distal, bilateral e simétrico (em “bota e luva”). Pode cursar com dores de caráter neuropático (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30909387/). A evolução costuma ser crônica e progressiva, com intensificação ao longo dos ciclos de tratamento. A maioria apresenta melhora após a conclusão, mas os sintomas podem persistir por meses (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26282635/). O diagnóstico costuma ser clínico e os critérios propostos seguem as características descritas, na ausência de explicações alternativas (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27884691/). A eletroneuromiografia pode ser reservada para casos atípicos ou quando existe dúvida diagnóstica e mais comumente mostra um padrão de polineuropatia axonal sensitiva (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24460946/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17508942/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28375940/).
A disestesia laringofaríngea é uma forma de neuropatia aguda que pode ocorrer com a oxaliplatina. Se manifesta durante ou logo após a aplicação do quimioterápico, com hipoestesia e disestesia em região facial, orofaringe e membros superiores, sendo desencadeada pelo frio. A resolução costuma ser espontânea, após uma semana. A orientação é de utilizar luvas e evitar exposições ao frio nas primeiras 96 horas após a infusão (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26282635/).
Um fenômeno próprio da neurotoxicidade por platinas é o “coasting”. Consiste na piora da neuropatia após o término do tratamento, atingindo o pico semanas ou meses após a finalização do tratamento, com posterior recuperação gradual (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31647151/).
Quando há dor neuropática, a duloxetina foi a única medicação que demonstrou eficácia em estudo randomizado controlado por placebo (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23549581/). Pode ser iniciada na dose de 30 mg/dia por uma semana, em seguida progredir para 60 mg/dia.
Diversas estratégias preventivas foram estudadas, sem benefício comprovado até o momento. A recomendação é monitorar o surgimento deste efeito e tentar evitar a exposição prolongada aos agentes causais, pesando os riscos e benefícios do tratamento (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37231127/).
Cardiotoxicidade
Os danos cardíacos pelo tratamento oncológico podem se manifestar como disfunção ventricular, espasmo coronariano, miocardite ou arritmias (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40481994/). A tabela 3 lista os principais agentes, a forma de lesão e o mecanismo envolvido. Em geral, o manejo envolve estratificação de risco antes do início da terapia, vigilância durante o tratamento e intervenção precoce se surgirem alterações.
A cardiotoxicidade pelas antraciclinas tem relação com a dose. Esta toxicidade é o fator que limita o número de ciclos permitidos com o tratamento. Doses acima de 250 mg/m² de doxorrubicina, 400 mg/m² de daunorrubicina e 600 mg/m² de epirrubicina são consideradas de maior risco para toxicidade cardíaca (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27918725/). A lesão costuma ter um componente irreversível.
Todos os pacientes com sintomas compatíveis e histórico de tratamento oncológico devem ser investigados. Os exames são semelhantes aos realizados na suspeita de outras cardiopatias, como eletrocardiograma (ECG), ecocardiograma, peptídeo natriurético (BNP) e troponina.
Para os pacientes em uso de antraciclinas, as avaliações indicadas e o intervalo variam conforme o risco cardiovascular (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36017568/):
- Risco alto (> 80 anos, histórico de insuficiência cardíaca, fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 50%, doença valvar grave, infarto prévio, revascularização, doses cumulativas elevadas dos quimioterápicos): ECG, ecocardiograma, troponina e BNP antes do tratamento. Ecocardiograma a cada 3 meses e troponina e BNP antes de cada ciclo (a cada 21 dias).
- Riscos baixo e moderado: ECG, ecocardiograma, troponina e BNP antes do tratamento. Ecocardiograma a cada 6 meses e troponina e BNP a cada 3 meses.
Destaca-se o papel da avaliação do strain longitudinal global durante a realização do ecocardiograma transtorácico. Reduções acima de 15% durante o tratamento oncológico podem predizer alto risco de queda significativa na fração de ejeção (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31433450/).
A disfunção ventricular induzida pelas antraciclinas é definida como a redução em 10% ou mais na fração de ejeção do ventrículo esquerdo durante o tratamento, após a exclusão de outras causas. Quando ocorre associada a sintomas de insuficiência cardíaca ou resulta em fração de ejeção inferior a 50%, é indicada a suspensão do tratamento oncológico e o manejo de acordo com as diretrizes de insuficiência cardíaca. Em pacientes que necessitam de continuidade do tratamento, pode ser considerada a associação do dexrazoxano ou a mudança para a formulação lipossomal (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36017568/).
Dados recentes sugerem a proteção cardíaca com o uso profilático da atorvastatina em pacientes com linfoma e uso de antraciclinas (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37552303/). Outro estudo não confirmou o benefício (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36908314/). A maioria das diretrizes não recomenda o uso rotineiro de medicações preventivas, quando não houver outra indicação para o uso (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37231127/).
Assim como as antraciclinas, a terapia com anti-HER2 (trastuzumabe) pode ser utilizada no câncer de mama e também é cardiotóxica. O comportamento difere das antraciclinas, pois o efeito não depende da dose e é habitualmente reversível.
Radioterapia que envolva a área cardíaca e outras terapias-alvo, como os inibidores do fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF, como exemplo sorafenibe), também podem causar comprometimento miocárdico (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27918725/). Os inibidores de checkpoints imunes podem induzir miocardite por mecanismos imuno-mediados (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36017568/). Veja mais em "Efeitos Adversos dos Inibidores de Checkpoints Imunes no Tratamento do Câncer".
Pneumotoxicidade
A toxicidade pulmonar induzida pela quimioterapia ocorre em 6-7% dos pacientes. O risco se eleva em tabagistas, pacientes com doenças pulmonares e quando há realização concomitante de radioterapia pulmonar (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37231127/). Dentre as neoplasias, é mais frequente em tratamentos para tumores torácicos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35129672/).
Os agentes mais envolvidos são bleomicina, trastuzumabe-deruxtecan, antraciclinas, oxaliplatina, gencitabina, ifosfamida, irinotecano, nab-paclitaxel e etoposídeo (https://www.eviq.org.au/clinical-resources/side-effect-and-toxicity-management/respiratory/1792-pulmonary-toxicity-associated-with-anti-cance). Os padrões principais de lesão pulmonar são (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37231127/):
- Pneumonite intersticial.
- Dano alveolar difuso.
- Edema pulmonar não cardiogênico.
A apresentação clínica é inespecífica, geralmente com tosse, dispneia e hipoxemia. As manifestações costumam ser precoces, semanas a poucos meses após o início do tratamento. A tomografia de tórax faz parte da avaliação, mas não há um padrão de imagem definitivo. A definição diagnóstica requer a exclusão de diagnósticos diferenciais pertinentes (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37231127/). O lavado broncoalveolar é útil para afastar infecções, hemorragia alveolar e invasão tumoral.
Durante o tratamento com o trastuzumabe-deruxtecan, deve-se realizar tomografias de tórax a cada dois a três meses, independentemente de sintomas. Pneumonite ocorre em 10 a 15% dos pacientes com essa droga (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35759121/). Quando a imagem evidencia alterações intersticiais suspeitas, o tratamento deve ser suspenso. Se houver sintomas e outras etiologias forem afastadas, o medicamento não deve ser reintroduzido, mesmo após a resolução do quadro (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40698965/).
Quando há suspeita de lesão pulmonar pelo tratamento oncológico, o suporte multidisciplinar é mandatório. O manejo envolve corticoides associados ao suporte com oxigênio, broncodilatadores e ventilação mecânica, se necessário. A dose indicada é de 1 mg/kg/dia de prednisona, ou equivalente, para casos leves a moderados. Em situações de maior gravidade, a recomendação é de pulsoterapia com metilprednisolona 1 g/dia por três dias (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37231127/).
Nefrotoxicidade
Diversas formas de dano renal podem ser causadas pelo tratamento oncológico, incluindo lesões glomerulares, tubulares, intersticiais e microvasculares. Injúria renal aguda (IRA) e evolução para doença renal crônica podem ocorrer. Estima-se que até 80% dos esquemas quimioterápicos possuam drogas potencialmente nefrotóxicas (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17634949/).
Os agentes mais relevantes são a cisplatina, ciclofosfamida, ifosfamida e a gencitabina. A tabela 4 descreve os mecanismos de lesão renal, as consequências e estratégias preventivas e terapêuticas.
A cisplatina tem toxicidade tubular marcante. O quadro típico é de uma tubulopatia proximal com IRA não oligúrica três a cinco dias após o ciclo, com perdas urinárias de magnésio que podem persistir por meses, além de hipocalemia e hipofosfatemia (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19850470/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37726572/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32383745/). Alguns pacientes desenvolvem síndrome de Fanconi (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24368854/).
Uma publicação recente com mais de 13.000 pacientes em tratamento com cisplatina reforçou o papel da reposição profilática de magnésio para prevenir IRA (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40272825/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31508533/). Houve redução de 20% no risco de desenvolvimento de IRA com essa intervenção.
Síndrome de lise tumoral
Emergência oncológica que surge em consequência da elevada carga de substâncias liberadas pela destruição de células tumorais. As manifestações que caracterizam a síndrome são hiperuricemia, hiperfosfatemia, hipercalemia, hipocalcemia e injúria renal aguda (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36221000/). Veja mais em "Síndrome de Lise Tumoral".
Infertilidade, fadiga e alterações cognitivas
Infertilidade
As alterações da fertilidade podem acometer até 60% das mulheres e 35% dos homens após o tratamento oncológico (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33744927/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37750876/). Os fatores de risco relacionados dependem do tipo de agente, dose, duração do tratamento, idade e exposição simultânea à radioterapia.
Platinas, alquilantes e os esquemas utilizados no transplante de medula óssea são os mais envolvidos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40106739/). Em mulheres, os agentes alquilantes (como ciclofosfamida e ifosfamida) são os principais responsáveis por insuficiência ovariana primária e menopausa precoce, com risco dose-dependente. O risco é maior em mulheres mais velhas devido à reserva ovariana ser menor. Em homens, os quimioterápicos podem causar azoospermia ou oligospermia (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37231127/).
A recomendação é discutir a preservação da fertilidade antes do início do tratamento oncológico. Pacientes com desejo de constituir prole devem ser informados sobre os riscos relacionados ao tratamento quimioterápico e encaminhados à equipe de preservação especializada. As principais estratégias estudadas para a manutenção da fertilidade em mulheres são a criopreservação de embrião ou de ovócito. A criopreservação de tecido ovariano é uma alternativa quando não há tempo para estimulação. Em homens, criopreservação de esperma (banco de esperma) e extração testicular do esperma são alternativas (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40106739/).
Fadiga e alterações cognitivas
Fadiga e alterações cognitivas acometem, respectivamente, 60% e 35% dos pacientes após o tratamento oncológico. Entre os contribuintes que elevam o risco estão idade avançada, tabagismo, sedentarismo, obesidade e sintomas emocionais prévios (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37231127/).
Recomenda-se o monitoramento com aplicação seriada de escalas de fadiga e avaliação cognitiva. Algumas dessas ferramentas são:
- Fadiga: numerical rating scale (NRS) e brief fatigue inventory (BFI) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10091805/).
- Cognição: FACT-Cog e EORTC QLQ-C30 (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36517827/, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/9713301/).
O manejo envolve estratégias não farmacológicas, incluindo exercícios físicos monitorados e terapias cognitivas. Alguns dados sugerem benefícios com o metilfenidato para fadiga induzida pela quimioterapia. Fármacos como modafinila, donepezila e memantina podem auxiliar na presença de alterações neurocognitivas (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37231127/).
Malignidade secundária
Podem ocorrer em até 20% das crianças sobreviventes do tratamento oncológico após 30 anos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25993157/). As neoplasias mais comuns são síndrome mielodisplásica, leucemia mieloide aguda e os cânceres de mama, tireoide, pele e sistema nervoso central (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25993157/). Os tratamentos oncológicos mais associados são os agentes alquilantes, antraciclinas, etoposídeo e as platinas. A radioterapia também eleva o risco (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34680213/).
Diversos mecanismos parecem estar envolvidos no desenvolvimento de malignidade secundária após o uso de quimioterapia (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34680213/):
- Dano ao DNA das células normais.
- Instabilidade cromossômica decorrente do encurtamento telomérico.
- Redução da vigilância imune por efeito em linfócitos T.
- Presença de síndromes genéticas de predisposição ao câncer.
Essas neoplasias apresentam elevado risco pelo perfil mutacional de maior agressividade. O tratamento segue o mesmo padrão. As principais estratégias de mitigação desse risco são a tentativa de reduzir a exposição aos agentes mais envolvidos, o monitoramento após o tratamento e as medidas preventivas habituais (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37231127/).
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