Como Investigar Etiologias do AVC Isquêmico e Manejo do AVC com Forame Oval Patente
O acidente vascular cerebral é a segunda causa de mortalidade e a terceira de incapacidade no mundo [1]. Entender a etiologia do AVC isquêmico (AVCi) é essencial para prevenir novos eventos. Esse tópico aborda as etiologias do AVCi, como investigá-las e discute o manejo dos casos de AVC criptogênico e forame oval patente.
Tipos e etiologias de acidente vascular cerebral isquêmico
A definição da etiologia do acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi) auxilia na prevenção de novos eventos, controle de fatores de risco e tratamento de doenças específicas. A principal classificação etiológica é chamada TOAST (do inglês Trial of Org 10172 in Acute Stroke Treatment) e divide as causas de AVCi em 5 grupos [2] (tabela 1):
- Aterosclerose de grandes artérias: redução do fluxo sanguíneo pela estenose ou por trombose da placa ateromatosa;
- Cardioembólico: êmbolos que se originam do coração;
- Doença de pequenos vasos (lacunar): trombose de pequenos vasos (artérias penetrantes);
- Outras causas determinadas: hipoperfusão sistêmica, coagulopatias, doenças hematológicas, tumores cardíacos, entre outros;
- Criptogênico: a investigação não identificou a etiologia, não foi possível realizar os exames ou há mais de uma causa provável.
O SSS TOAST é uma versão adaptada do TOAST que utiliza critérios mais objetivos para definição da etiologia do AVCi e do nível de confiança no seu diagnóstico [3]. A sua versão automatizada está disponível neste link.
No Brasil, em torno de um terço dos AVCi são criptogênicos [4]. A segunda causa mais comum varia entre aterosclerose de grandes vasos e lacunar, sendo as outras causas determinadas o subtipo mais raro [4,5]. Em jovens, a causa mais comum é a dissecção de artérias cervicais, além de outras etiologias mais raras (tabela 2). Veja mais em "Diretriz de Dissecção de Artérias Cervicais 2024 AHA/ASA".
Como investigar a etiologia de um AVC isquêmico?
Após o diagnóstico de AVCi, a diretriz conjunta da American Heart Association (AHA) e American Stroke Association (AHA/ASA) de 2021 recomenda os seguintes exames, idealmente nas primeiras 48 horas, para investigação etiológica e de fatores de risco (fluxograma 1) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34024117/):
- Imagem do crânio e vascular (recomendação 1B): É recomendado para os pacientes com AVCi de circulação anterior com objetivo de identificar estenoses sintomáticas e outras doenças vasculares, como dissecções. A preferência é pela angiotomografia ou angiorressonância de vasos intra e extracranianos pela maior sensibilidade (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15304575/). Se indisponível, pode-se utilizar ultrassonografia com doppler de artérias cervicais e transcraniana (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29502493/).
- Eletrocardiograma (recomendação 1B): exame inicial para investigação de fibrilação atrial (FA), mas detecta apenas um terço da FA em pacientes com AVCi (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25748102/).
- Exames laboratoriais (recomendação 1B): hemograma, tempo de protrombina (TP) e tromboplastina parcial ativada (TTPa), glicemia de jejum, hemoglobina glicada, creatinina e perfil lipídico podem auxiliar a diagnosticar e manejar comorbidades associadas ao aumento do risco cardiovascular.
Em alguns serviços, a imagem vascular com angiotomografia já é realizada no diagnóstico inicial para avaliação de trombectomia. Veja mais em "Trombectomia Mecânica no AVC".
Caso a etiologia não seja identificada na avaliação inicial, os próximos exames recomendados são:
- Ecocardiografia: pode diagnosticar doenças possivelmente relacionadas a embolias, como tumores ou trombos intracardíacos, endocardite e forame oval patente (FOP), discutido abaixo.
- Monitoramento prolongado de ritmo cardíaco com holter de 24 h ou dispositivos implantáveis: pode aumentar o diagnóstico de FA paroxística (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25748102/). As diretrizes de 2024 do American College of Cardiology consideram razoável o monitoramento por 2 a 4 semanas utilizando dispositivos externos ou implantáveis. O uso de smart watches para detecção de FA também é encorajado pela diretriz como monitoramento adicional, se disponível (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39692645/).
AVCi criptogênico
O AVCi criptogênico é definido como um AVCi confirmado por imagem em que não foi identificada causa após investigação mínima, que inclui imagem arterial, ecocardiografia, monitoramento prolongado do ritmo cardíaco e exames laboratoriais essenciais (descritos acima) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34024117/). Também é considerado AVCi criptogênico quando a investigação não pode ser realizada ou quando foram encontradas mais de uma causa. (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/7678184/).
Alguns exames laboratoriais que não são feitos de rotina podem auxiliar no diagnóstico de causas mais raras de AVCi a depender da suspeita clínica. A tabela 2 organiza essas causas e como diagnosticá-las.
AVC Embólico de Origem Indeterminada
O AVCi criptogênico engloba uma população bastante heterogênea e difícil de ser estudada. Alguns estudos sugerem que a etiologia mais comum do AVCi criptogênico é, na verdade, embólica, mesmo que não sejam encontradas fontes de embolismo na investigação inicial. Fatores que favorecem essa hipótese são o aspecto embólico do AVCi na imagem, o padrão histológico do trombo e a associação com FA subclínica e disfunções atriais (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32247819/).
Baseado nisso, criou-se o conceito de AVCi embólico de origem indeterminada (do inglês, embolic stroke of undetermined source ou ESUS). O ESUS é um subtipo de AVCi criptogênico não lacunar, em que não se encontram fontes cardioembólicas de alto risco ou estenose de vasos intra, ou extracranianos significativa (tabela 3) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24646875/). Diferente do AVCi criptogênico, para chamarmos de ESUS, é necessário haver realizado uma investigação etiológica completa.
Estudos identificaram múltiplos fatores que são potencialmente associados ao ESUS, como FA subclínica, disfunção de ventrículo esquerdo e doença ateromatosa arterial (tabela 4). Em quase metade dos pacientes se encontra mais de uma etiologia possível para ESUS e em um quarto não se encontra nenhuma (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32295509/).
Na investigação de ESUS, ecocardiograma transesofágico (ecoTE), ecocardiograma com microbolhas, TC ou RM cardíaca são recomendados para aumentar a chance de detecção de etiologias cardioembólicas pelas diretrizes de 2021 da AHA/ASA (nível de evidência 2b, grau de recomendação C) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34024117/). O ecoTE, por exemplo, pode levar a mudança de condutas em 1 a cada 7 casos, como início de anticoagulação, fechamento de FOP ou início de antibiótico (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27488602/).
Para pacientes com AVCi ESUS, a terapia de escolha é a terapia antitrombótica com agentes antiplaquetários (como o AAS), e não anticoagulantes orais de rotina. Pela suspeita de origem cardioembólica, alguns estudos avaliaram o uso de anticoagulação em pacientes com ESUS. Não há benefício na anticoagulação do ESUS em comparação com antiagregação plaquetária, segundo uma metanálise de 7 ensaios clínicos randomizados (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39365971/). A prevenção secundária do ESUS deve incluir controle pressórico e de comorbidades, estatina e antiagregante plaquetário. O ácido acetilsalicílico é o antiagregante mais utilizado nos principais estudos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29766772/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31091372/,https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30196789/).
ESUS 2.0
Em outubro de 2025, foi publicado uma nova proposta de classificação e investigação de etiologias do AVCi chamada ISPS25 (do inglês Ischemic Stroke Phenotyping System) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/41121616/). A nova abordagem propõe uma reestruturação com os exames mínimos necessários para classificar qual a etiologia definida do AVCi. Dentro dessa nova abordagem, os pacientes classificados anteriormente como ESUS necessitam realizar investigações adicionais para excluir outras etiologias. Essa nova bateria de exames investigativos é denominada como segunda passagem (second pass), composta de:
- EcoTE se idade < 60 anos.
- Monitorização cardíaca prolongada se idade ≥ 40 anos.
- Tomografia de tórax, abdome e pelve se d-dímero ≥ 2,5 mg/dL, sinal dos três territórios arteriais, sintomas B ou AVCi de causa indeterminada recorrente.
- Pesquisa de síndrome do anticorpo antifosfolípide em pacientes < 60 anos, AVC recorrente, suspeita de lúpus eritematoso sistêmico ou prolongamento persistente de TTPa
- Testes/aconselhamento genético em pacientes selecionados.
Caso não seja encontrada a causa, o AVCi é então classificado como ESUS, ou ESUS 2.0 segundo a nova publicação. Essa nova proposta visa estratificar melhor os grupos de pacientes com causa indeterminada e, portanto, guiar futuros estudos para o melhor manejo dos pacientes.
Forame oval patente no paciente com AVCi
Forame oval patente (FOP) é a permanência de uma comunicação congênita entre o átrio direito e esquerdo no adulto (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10488786/), que está presente em 25% da população (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10488786/). Pode se associar a AVCi por embolia paradoxal, quando trombos venosos passam do átrio direito para o átrio esquerdo e são embolizados para a circulação arterial.
O diagnóstico é feito quando se infunde algum contraste (geralmente solução salina) agitado e se visualiza no átrio esquerdo as microbolhas infundidas na circulação venosa em até 3 batimentos cardíacos, por meio do ecocardiograma transtorácico ou transesofágico. Pode ser feito também de forma semelhante com a visualização de microbolhas nas artérias cerebrais médias no ultrassom doppler transcraniano.
A diretriz da organização europeia de AVC de 2024 sugere realizar a investigação de FOP em pacientes com ESUS e menos de 60 anos, inicialmente com ecocardiograma transtorácico com microbolhas e, se negativo, com ultrassom doppler com microbolhas (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38752755/). Caso algum dos exames encontre um FOP, a diretriz recomenda a realização de ecocardiograma transesofágico para melhor caracterização (fluxograma 2) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38752755/).
Após o diagnóstico do FOP, pode-se utilizar o escore RoPE e a classificação PASCAL para estimar a probabilidade de ele ser a causa do AVCi (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34024117/).
O escore de RoPE, encontrado aqui, leva em conta a presença de fatores de risco para AVCi, como hipertensão, diabetes e idade, a presença de AVCs prévios e infarto cortical (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23864310/).
A classificação de PASCAL combina o escore RoPE com outros fatores, como a identificação do trombo dentro do FOP, tamanho do shunt, presença de aneurisma septal atrial e tromboembolismo venoso precedendo o AVCi (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32282016/).
O fechamento do FOP por via percutânea é recomendado, em até 6 meses, em pacientes de 18 a 60 anos, sem outra causa identificada e com classificação de PASCAL possível ou provável, segundo diretrizes da European Stroke Association (recomendação forte com alta qualidade de evidência) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38752755/). Após o fechamento do FOP, a diretriz recomenda dupla antiagregação por 1 a 6 meses, seguida de monoterapia por pelo menos 5 anos (nível de evidência muito baixa) (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38752755/). Mais estudos são necessários para investigar a eficácia do fechamento do FOP em pacientes idosos.
O fechamento do forame oval patente pode reduzir a recorrência do AVCi em 60% em 3 a 6 anos quando comparado à antiagregação isolada, com NNT de 30 (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29310136/). A maioria dos pacientes incluídos nesses estudos eram jovens (média em torno de 45 anos) e com poucas comorbidades cardiovasculares. O fechamento do FOP aumenta o risco de fibrilação atrial ou flutter, com um NNH também em torno de 30 (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29310133/).
O fechamento do FOP cirúrgico pode ser considerado apenas para pacientes que já têm indicação de cirurgia cardíaca, pois pode aumentar o risco de AVCi pós-operatório conforme estudos observacionais (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19602688/).
Naqueles pacientes que recusam o fechamento de FOP, uma meta-análise sugere que a anticoagulação comparada com a antiagregação parece reduzir o risco de recidiva de AVCi, porém aumentar sangramentos (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38752755/). A diretriz sugere que a escolha entre as terapias seja individualizada (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38752755/).
O FOP detectado de forma incidental, assintomático e sem história de AVC não requer tratamento.
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