Polipílula no Pós Infarto Agudo do Miocárdio

Criado em: 19 de Setembro de 2022 Autor: Raphael Coelho

O estudo SECURE, publicado no New England Journal of Medicine , avaliou a estratégia da polipílula em pacientes que haviam infartado recentemente [1]. Vamos tentar desmistificar esse tema e trazer os resultados de um dos estudos mais debatidos no congresso da European Society of Cardiology (ESC) de 2022.

O que é a polipílula?

Polipílula é a combinação de mais de um medicamento em um mesmo comprimido ou cápsula, no intuito de aumentar a adesão. As doses fixas limitam as variações possíveis na administração de cada um dos componentes. Essa estratégia já é utilizada no tratamento do HIV e hepatite C.

O termo surgiu em 2003 por pesquisadores que propuseram que todos os pacientes acima de 55 anos usassem uma polipílula composta por ácido acetilsalicílico (AAS), estatina, ácido fólico e anti-hipertensivos [2]. Mesmo considerando que apenas um terço dos pacientes se beneficiaria, na argumentação dos autores essa abordagem reduziria em 80% os eventos cardiovasculares. Essa estratégia não considerava as características individuais dos pacientes, levando ao tratamento de muitas pessoas de baixo risco.

Estudos como o FOCUS, IMPACT e UMPIRE encontraram que pacientes de alto risco cardiovascular ou com doença cardiovascular estabelecida tinham maior adesão ao tratamento com estatina, aspirina e anti-hipertensivos, se combinados em um único comprimido [3-5].

O uso da polipílula após um infarto agudo do miocárdio (IAM) é oportuno por que todos os pacientes devem receber AAS, estatina e inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA) antes da alta hospitalar. Essa é uma ocasião em que um paciente que muitas vezes não tomava remédio algum passa a tomar várias medicações, dificultando a adesão.

O estudo

O estudo SECURE avaliou o uso da polipílula para pacientes com mais de 65 anos que haviam infartado recentemente. A polipílula era composta por AAS (100 mg), ramipril (2,5; 5 ou 10 mg) e atorvastatina (40 mg), sendo comparada com o tratamento convencional. De 2016 a 2019, mais de 100 centros na Europa acompanharam 2499 pacientes por 4 anos. Todos os participantes tiveram infarto agudo do miocárdio tipo 1 (por lesão de placa aterotrombótica) nos 6 meses anteriores. O desfecho primário foi um composto de morte cardiovascular, IAM tipo 1 não fatal, acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico não fatal e revascularização coronária de urgência. O aumento da dose do ramipril até o alvo de 10 mg/dia foi feito em um intervalo de 3 semanas. Ainda havia a possibilidade de redução da dose da atorvastatina para 20 mg, em caso de opção do médico assistente.

Resultados

A média de idade foi de 75 anos e a maioria dos participantes eram homens brancos aposentados com escolaridade menor do que o ensino médio. Um número semelhante de pacientes desistiu do estudo nos dois grupos, mas a adesão ao tratamento foi maior no grupo polipílula, tanto em 6 como em 24 meses de acompanhamento.

Houve superioridade do grupo polipílula no desfecho composto - 12.7% no grupo usual e 9.5% no grupo polipílula. Todos os componentes do desfecho primário foram reduzidos, exceto revascularização de urgência. Apenas 40% dos pacientes do grupo controle fez uso de estatina de alta potência, contra 90% dos pacientes do grupo polipílula em uso de atorvastatina 40 mg/dia.

O que esse estudo acrescenta?

Esse trabalho veio para abordar o problema da má adesão à prevenção secundária, o que leva a eventos cardiovasculares isquêmicos recorrentes, estimados em torno de 50% pelos trabalhos tradicionais. A polipílula simplifica o tratamento e pode ser uma estratégia aplicada a nível populacional. Esse estudo demonstrou que o uso da polipílula resultou em menor risco de eventos adversos cardiovasculares em relação ao tratamento convencional. Os resultados são aplicáveis principalmente para população de idosos, incluindo pacientes diabéticos, com doença renal crônica e eventos coronarianos prévios.

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Edição #16: Especial ESC