Estenose de Carótida Assintomática
Algumas diretrizes recomendam a revascularização de pacientes com estenose de carótida assintomática. Os estudos que demonstraram benefício com essa conduta são antigos, quando o tratamento clínico não era tão eficaz. Não sabemos se os resultados seriam os mesmos no contexto terapêutico atual. O SPACE-2, publicado no Lancet Neurology em outubro de 2022, foi desenhado para tentar tirar essa dúvida [1].
Qual é o tamanho do problema?
Estenose da artéria carótida é uma manifestação da doença ateromatosa. Em torno de 10% dos acidentes vasculares cerebrais isquêmicos (AVCi) são causados por aterosclerose carotídea e costumam se originar de ateromas na artéria carótida interna e no bulbo carotídeo [2]. Quanto maior o grau de obstrução, maior é o risco de AVCi [3].

Clinicamente, deve-se quantificar o grau de obstrução e classificar a doença em sintomática ou assintomática. A mensuração do grau de obstrução é feita com exames de imagem, comumente a ultrassonografia com Doppler. A doença é considerada sintomática quando há déficit neurológico focal justificado pela estenose. A tabela 1 traz essas informações.
Devemos rastrear estenose carotídea?
Em 2021, a United States Preventive Services Taskforce (USPSTF) se posicionou contra o rastreio da estenose carotídea na população geral [4]. American Heart Association (AHA) e American Stroke Association (ASA) concordam com a recomendação da USPSTF [5]. A justificativa é que o benefício do tratamento da doença assintomática é pequeno e o malefício da intervenção pode ser muito grande. A incidência de AVCi e morte em até 30 dias de pós-operatório pode chegar a 5%. Além disso, a ultrassonografia pode superestimar a obstrução, levando a falsos-positivos.
Por outro lado, a Sociedade Europeia de Cirurgia Vascular recomenda considerar o rastreio nos pacientes com múltiplos fatores de risco para AVCi e naqueles com doença arterial obstrutiva periférica ou outra doença cardiovascular estabelecida, com o objetivo de otimizar a terapia clínica [6].
O que fazer na estenose carotídea sintomática?
Todos os pacientes devem receber tratamento clínico. A abordagem cirúrgica é recomendada nas estenoses graves sintomáticas a partir de 50% de obstrução, com uma maior evidência de benefício nas estenoses graves (> 70%) [7]. Veja a tabela 2.

Não há consenso sobre a melhor técnica de revascularização. Os resultados variam conforme a experiência do centro e do cirurgião. Uma revisão da Cochrane de 2020 mostrou menor risco de AVC e morte periprocedimento para endarterectomia em relação ao tratamento endovascular (stent) [8]. A superioridade da endarterectomia é ainda maior nos pacientes com mais de 75 anos pelo menor risco de AVC no perioperatório.
O que fazer na estenose carotídea assintomática?
O primeiro passo é garantir que não houve um evento isquêmico que reclassifique o paciente como estenose sintomática.

Recomendações mais antigas consideram razoável a endarterectomia em pacientes assintomáticos com obstrução > 70% [9]. Outras entidades, como a Sociedade Europeia de Cirurgia Vascular, recomendam incluir na avaliação alguns fatores de risco específicos que aumentam a chance de AVCi (veja a tabela 3) [10].
Estudo SPACE-2
Com a melhora do tratamento clínico, a incidência atual de AVCi em pacientes assintomáticos com estenose > 70% é semelhante ou menor do que a incidência em pacientes que receberam intervenção cirúrgica nos estudos antigos que justificaram as recomendações comentadas [11, 12]. Por isso, há necessidade de novos estudos para verificar se o benefício permanece no contexto terapêutico atual.
O estudo SPACE-2 foi o primeiro ensaio clínico randomizado feito comparando tratamento clínico, endarterectomia e tratamento endovascular, em três grupos distintos. Foi um trabalho multicêntrico, aberto, de fase 3, realizado na Alemanha, Áustria e Suíça. Mais de 500 pacientes entre 50 a 85 anos com obstrução > 50% da carótida comum ou carótida interna extracraniana foram acompanhados por 5 anos. O estudo não atingiu o número planejado de pacientes e precisou mudar o protocolo no meio do caminho, o que diminuiu o poder e a confiança em suas conclusões.
Não houve diferença entre os grupos no desfecho primário, que foi um composto de morte ou AVC em 30 dias ou AVC do mesmo lado da estenose em 5 anos.
Recomenda-se cautela na interpretação dos achados pelos problemas metodológicos do estudo. Outros trabalhos bastante aguardados, como o CREST-2, devem sair nos próximos anos para tirar as dúvidas que permaneceram.
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