Imunoglobulina na Dermatomiosite

Criado em: 24 de Outubro de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Em outubro de 2022, foi publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) o trabalho PRODerm, estudo que avaliou uso de imunoglobulina no controle das manifestações clínicas de dermatomiosite [1]. Isso motivou o Guia a revisar dermatomiosite e a terapia com imunoglobulina.

Sobre Dermatomiosite

Dermatomiosite (DMT) é uma doença autoimune sistêmica caracterizada por inflamação crônica da pele e dos músculos. Alterações cutâneas (como rash periorbital violáceo e pápulas de Gottron) e fraqueza muscular proximal são achados clássicos. Duas manifestações atípicas de DMT são potencialmente graves e merecem destaque: pneumonia intersticial e disfagia.

Marcadores de lesão muscular podem estar elevados, como creatinofosfoquinase (CPK), aldolase, desidrogenase lática (DHL ou LDH) e transaminases. Em quadros típicos, exames complementares não são necessários, mas podem ajudar em casos de dúvida diagnóstica:

  • Eletroneuromiografia: Diferenciar de neuropatias. Útil em casos de doença assimétrica ou distal. Na DMT pode resultar em um padrão miopático, mas não é patognomônico.
  • Ressonância magnética: Pode encontrar hiperintensidade intramuscular ou perimuscular em T2. Bom exame para identificar o melhor local para biópsia.
  • Biópsia muscular: Atrofia perifascicular é específica, mas não é sensível para DMT. Pode apresentar também infiltrado muscular predominante de células dentríticas plasmocitárias, células B, células T CD4 e macrófagos.

Um dos critérios de classificação que pode auxiliar no diagnóstico é o do EULAR 2017, que inclui idade, clínica, laboratório e biópsia (veja a tabela 1) [2].

{Tabela1}

O tratamento de primeira linha para dermatomiosite é com corticóides. A imunoglobulina intravenosa é uma opção utilizada junto com imunossupressores, geralmente em pacientes com acometimento grave da doença (como disfagia) ou como segunda ou terceira escolha, em casos refratários.

Imunoglobulina

A imunoglobulina intravenosa (IVIG) é um produto do sangue. Pode ser utilizada em baixas doses para quem tem deficiência de anticorpos, como imunodeficiência comum variável, na dose de 200–400 mg/kg; ou em altas doses para função imunomodulatória, na dose de 2 g/kg/mês (fracionada em 2 a 5 dias).

Os usos de IVIG são diversos, passando pela reumatologia, neurologia, dermatologia e várias outras especialidades (veja a tabela 2).

{Tabela2}

Dos eventos adversos, destacam-se três:

  • Reações leves: Febre, sintomas gripais (influenza-like), cefaleia.
  • Trombogenicidade: Aumento do risco de eventos trombóticos venosos e arteriais. O risco se concentra nas primeiras 2 semanas de tratamento e está relacionado com a terapia de alta dose (> 1g/kg).
  • Anafilaxia: Pacientes que possuem deficiência de IgA, ao receber a imunoglobulina rica em IgA podem desenvolver um quadro de anafilaxia. A dosagem de IgA sérica pode estimar a probabilidade de isso ocorrer. Caso o paciente possua níveis baixos de IgA sérico, uma solução de imunoglobulina depletada de IgA pode impedir esse evento adverso.

Também podem ocorrer eventos adversos como reações transfusionais - lesão pulmonar relacionada à transfusão (TRALI), sobrecarga volêmica associada a transfusão (TACO) - hiperviscosidade e hiponatremia.

Sobre o estudo

O trial ProDERM é um trabalho prospectivo, randomizado e duplo cego, que randomizou 95 pacientes com dermatomiosite na Europa e América do Norte. Entravam no estudo pacientes que não obtiveram controle com corticóide ou imunossupressores ou que estavam atualmente em uso de corticoide e no máximo dois imunossupressores (metotrexato, azatioprina, micofenolato mofetil, sulfassalazina, leflunomida, tacrolimus, ciclosporina ou hidroxicloroquina).

Os pacientes eram randomizados para receber IVIG ou placebo. A IGIV era prescrita na dose de 2g/kg, distribuído entre 2 a 5 dias, a cada 4 semanas. Como a IVIG pode aumentar o risco de eventos trombóticos, foram excluídos pacientes com história de trombose venosa profunda, tromboembolismo pulmonar, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral.

Buscando um desfecho de controle de doença medido pelo escore TIS < 20, o trabalho encontrou melhores desfechos no grupo IVIG (79% apresentou controle após 16 semanas) comparado com placebo (44% de controle) [3]. Em análise de subgrupo, os resultados foram parecidos quando estratificados pela gravidade da doença. O tempo médio para melhora dos sintomas foi de 35 dias no grupo IVIG.

Na análise de segurança, ocorreram eventos leves no grupo IVIG, como febre, cefaleia e náuseas. Em relação a eventos trombóticos, ocorreram 8 eventos no grupo IVIG, sendo que 6 destes foram considerados como tendo relação direta com a droga. No meio da randomização, o protocolo de infusão da IVIG foi modificado de 0,12 ml/kg/min para 0,04 ml/kg/min. Após a modificação, a taxa de eventos trombóticos caiu para menos da metade.

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Guidelines

2016 American College of Rheumatology/European League Against Rheumatism criteria for minimal, moderate, and major clinical response in adult dermatomyositis and polymyositis: An International Myositis Assessment and Clinical Studies Group/Paediatric Rheumatology International Trials Organisation Collaborative Initiative

2016 American College of Rheumatology/European League Against Rheumatism criteria for minimal, moderate, and major clinical response in adult dermatomyositis and polymyositis: An International Myositis Assessment and Clinical Studies Group/Paediatric Rheumatology International Trials Organisation Collaborative Initiative

Aggarwal R, Rider LG, Ruperto N, Bayat N, Erman B, Feldman BM, Oddis CV, Amato AA, Chinoy H, Cooper RG, Dastmalchi M, Fiorentino D, Isenberg D, Katz JD, Mammen A, de Visser M, Ytterberg SR, Lundberg IE, Chung L, Danko K, García-De la Torre I, Song YW, Villa L, Rinaldi M, Rockette H, Lachenbruch PA, Miller FW, Vencovsky J, International Myositis Assessment and Clinical Studies Group and the Paediatric Rheumatology International Trials Organisation. 2016 American College of Rheumatology/European League Against Rheumatism criteria for minimal, moderate, and major clinical response in adult dermatomyositis and polymyositis: An International Myositis Assessment and Clinical Studies Group/Paediatric Rheumatology International Trials Organisation Collaborative Initiative. Ann Rheum Dis. 2017.

2017 European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology classification criteria for adult and juvenile idiopathic inflammatory myopathies and their major subgroups

2017 European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology classification criteria for adult and juvenile idiopathic inflammatory myopathies and their major subgroups

Lundberg IE, Tjärnlund A, Bottai M, Werth VP, Pilkington C, Visser M, Alfredsson L, Amato AA, Barohn RJ, Liang MH, Singh JA, Aggarwal R, Arnardottir S, Chinoy H, Cooper RG, Dankó K, Dimachkie MM, Feldman BM, Torre IG, Gordon P, Hayashi T, Katz JD, Kohsaka H, Lachenbruch PA, Lang BA, Li Y, Oddis CV, Olesinska M, Reed AM, Rutkowska-Sak L, Sanner H, Selva-O'Callaghan A, Song YW, Vencovsky J, Ytterberg SR, Miller FW, Rider LG, International Myositis Classification Criteria Project consortium, The Euromyositis register and The Juvenile Dermatomyositis Cohort Biomarker Study and Repository (JDRG) (UK and Ireland). 2017 European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology classification criteria for adult and juvenile idiopathic inflammatory myopathies and their major subgroups. Ann Rheum Dis. 2017.

Resumo

Referências

Multimídia

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