Droga Vasoativa na Síndrome Hepatorrenal

Criado em: 14 de Novembro de 2022 Autor: Kaue Malpighi

A síndrome hepatorrenal (SHR) é uma causa de lesão renal no paciente com cirrose e ascite. Sua definição passou por modificações nas últimas duas décadas. Em setembro de 2022, foi publicada na Critical Care uma meta-análise comparativa dos efeitos das drogas vasoativas usadas na SHR [1]. Aproveitamos para revisar o diagnóstico e tratamento desta síndrome.

O que é Síndrome Hepatorrenal?

Em pacientes com cirrose em estágios avançados, o acúmulo de substâncias vasodilatadoras leva à significativa vasodilatação arterial sistêmica e esplâncnica [2]. O aumento da translocação bacteriana intestinal associada à hipertensão portal também pode favorecer a vasodilatação.

Como resposta, há uma tentativa de aumento do débito cardíaco e ativação de vias vasoconstritoras como o sistema simpático e sistema renina-angiotensina-aldosterona. O resultado é uma vasoconstrição renal intensa e retenção hidrossalina. Esses processos levam ao desenvolvimento de lesão renal e a síndrome hepatorrenal (SHR).

Outros mecanismos propostos seriam a injúria hepática estéril associada a inflamação sistêmica, como em casos de hepatite alcoólica ou lesão hepática induzida por drogas, e dano renal direto associado à formação de microtrombos [3].

Como é feito o diagnóstico?

Em 2015, as definições de SHR foram atualizadas pelo International Club of Ascitis (ICA), sendo alinhadas com a definição de lesão renal do Kidney Disease: Improve Global Outcomes (KDIGO) [4]. A SHR era anteriormente dividida em tipo 1 e tipo 2. Atualmente, a denominação recomendada é de SHR-LRA (síndrome hepatorrenal com lesão renal aguda) e SHR-NLRA (síndrome hepatorrenal não lesão renal aguda). A SHR-NRLA foi subdividida em dois tipos, doença renal aguda e doença renal crônica (veja as definições na tabela 1).

{Tabela1}

Este tópico é focado na SHR-LRA. Esse tipo de SHR está associado a pior prognóstico e necessita de tratamento imediato, já que atrasos terapêuticos diminuem as chances de recuperação [5].

Os critérios diagnósticos para SHR-LRA são (todos os seguintes devem estar presentes):

  • Cirrose com ascite
  • Diagnóstico de LRA conforme o critério do ICA (veja tabela 2)
  • Ausência de resposta com infusão de albumina 1 g/kg/dia por 2 dias consecutivos (diagnóstico diferencial com lesão renal aguda pré-renal hipovolêmica)
  • Ausência de choque
  • Ausência de drogas nefrotóxicas
  • Sem sinais de injúria renal estrutural - proteinúria > 500 mg/dia, hematúria microscópica ou sinais de lesão renal pós-renal.
{Tabela2}

O diagnóstico é de exclusão e diagnósticos diferenciais mais relevantes são LRA pré-renal por hipovolemia e necrose tubular aguda (NTA - por choque séptico ou hipovolêmico). A infusão de albumina é feita pelo diagnóstico diferencial com hipovolemia. Se houver melhora da função renal após a infusão, considera-se como LRA pré-renal. A diferenciação com NTA é difícil e ferramentas como a fração de excreção de sódio podem não ser confiáveis [6].

Na atual definição do ICA, débito urinário não é utilizado como um critério para LRA.

Tratamento

Pacientes com cirrose e LRA devem ter suas medicações nefrotóxicas descontinuadas na medida do possível. Diuréticos e beta-bloqueadores também devem ser evitados [7].

Mesmo com ausência de resposta após a infusão de albumina por 2 dias, a infusão de albumina deve ser mantida, na dose de 20 a 40g/dia.

Se está caracterizado o diagnóstico de SHR-LRA, um vasoconstritor deve ser iniciado o mais precocemente possível. Os vasoconstritores mais amplamente utilizados são: terlipressina, noradrenalina e octreotide com midodrina.

Terlipressina e octreotide causam vasoconstrição esplâncnica, aumentando o retorno venoso, otimizando o volume intravascular sistêmico e reduzindo a pressão na veia porta. Estas ações acabam por atenuar os mecanismos de vasoconstrição renal.

Noradrenalina e midodrina atuam no aumento da pressão de perfusão renal.

O que a meta-análise mostrou?

Esta meta-análise de 26 artigos avaliou o uso de terlipressina, noradrenalina e octreotide com midodrina em pacientes com SHR tipo 1 (definição antiga que a maioria dos estudos ainda utilizavam como critério). As medicações foram comparadas principalmente com placebo nestes estudos. A droga mais avaliada em cada estudo foi a terlipressina.

Comparado ao placebo, a terlipressina foi a droga com o maior benefício para reversão da SHR. A terlipressina também teve o maior benefício em redução de mortalidade, apesar de uma menor qualidade de evidência para este desfecho.

Noradrenalina também teve associação com reversão de SHR, porém sem redução de mortalidade. Octreotide com midodrina não se associou com melhorias em nenhum dos dois desfechos.

Esta meta-análise reforça o benefício da terlipressina. Contudo, a medicação é de alto custo quando comparada à noradrenalina e menos disponível para uso na rede pública. Assim, a noradrenalina ainda é uma opção adequada no tratamento da SHR.

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