Reposição de Ferro na Insuficiência Cardíaca
Pacientes com insuficiência cardíaca (IC) tem altas taxas de deficiência de ferro. Rastrear e tratar ferropenia em pacientes com IC pode levar a melhores desfechos. No congresso da American Heart Association (AHA) de novembro de 2022, foi publicado o estudo IRONMAN, que avaliou infusão de ferro intravenoso em pacientes com IC e ferropenia. Aproveitamos para revisar o tema neste tópico [1].
Anemia, deficiência de ferro e insuficiência cardíaca
Quanto mais grave for a miocardiopatia, maior a chance de existir anemia associada. Múltiplos fatores aumentam o risco de anemia nos pacientes com IC: inflamação crônica, associação com doença renal crônica, anemia dilucional e deficiência de ferro [2, 3].
A deficiência de ferro, mesmo sem anemia ferropriva, está associada com baixa capacidade funcional e qualidade de vida. Sua prevalência é maior em pacientes com fração de ejeção (FE) reduzida.
No contexto de IC, a deficiência de ferro é definida por níveis de ferritina menores que 100 μg/L ou 100 - 300 μg/L se a saturação de transferrina for menor que 20%. A diretriz da AHA de 2022 recomenda o rastreio de deficiência de ferro e anemia em todo paciente com diagnóstico de IC.
Evidências para reposição de ferro endovenoso e oral
A recomendação atual é repor ferro via endovenosa para pacientes com IC e deficiência de ferro (recomendação classe IIa - guideline da AHA de 2022).
Quando comparado com placebo, o ferro via oral parece não melhorar sintomas e capacidade funcional [4]. Uma possível explicação é a má absorção de ferro em pacientes com IC.
Já o ferro por via endovenosa é capaz de otimizar sintomas, classe funcional (medida pela escala New York Heart Association - NYHA) e qualidade de vida em pacientes com deficiência de ferro [5, 6].
O AFFIRM-AHF é o maior estudo randomizado comparando ferro endovenoso e placebo em pacientes com IC e deficiência de ferro [7]. Foram incluídos pacientes estabilizados após episódio de IC aguda e com FE menor que 50%. Os participantes eram randomizados para receber infusão de carboximaltose férrica ou placebo por até 24 meses. A dose era graduada conforme a tabela 1 e a primeira infusão era feita antes da alta hospitalar. O desfecho primário foi um composto de hospitalização por IC ou morte por causa cardiovascular.
Na avaliação individual dos desfechos, o ferro endovenoso foi capaz de reduzir hospitalização por IC, mas não reduziu a mortalidade cardiovascular.
Na maioria dos estudos sobre o tema, a formulação de ferro predominante foi a carboximaltose férrica e os pacientes apresentavam IC com FE menor que 40 a 50%.
O que esse novo estudo mostrou?
O IRONMAN foi um estudo randomizado, aberto (open-label), multicêntrico realizado em hospitais britânicos. Os pesquisadores compararam a reposição de ferro via endovenosa com placebo. O desfecho primário foi um composto de admissões hospitalares por IC e mortalidade por causa cardiovascular. O acompanhamento foi de 2,7 anos.
Um total de 1.137 pacientes foram randomizados. Todos tinham FE menor ou igual a 45% e classe funcional NYHA II a IV com deficiência de ferro - ferritina menor que 100 μg/L ou saturação de transferrina menor que 20%. Diferente do estudo AFFIRM-HF, os pacientes apresentavam IC crônica fora do período de agudização. Além disso, a formulação de ferro utilizada foi a derisomaltose férrica (Monofer®). Veja o esquema de reposição de ferro utilizado no protocolo na tabela 2.
O uso de derisomaltose férrica não diferiu do placebo no desfecho composto primário avaliado - 22.4 x 27.5 eventos/100 pacientes ano (p = 0.07).
O protocolo do estudo foi comprometido pela pandemia de COVID-19. Houve inadequação de seguimento de alguns pacientes pelo lockdown, o que pode ter influenciado na análise dos desfechos. Na tentativa de reduzir estas interferências, foi realizada uma análise de sensibilidade incluindo pacientes até março de 2020, data do primeiro lockdown no Reino Unido. Nessa análise, o resultado foi favorável para a infusão de ferro (RR 0,76; IC 95% 0.58 - 1.00; p = 0,047). Assim como no AFFIRM-AHF, o benefício predominante foi na redução de hospitalizações por IC.
Apesar do resultado inicial e das dificuldades apresentadas durante o estudo, o IRONMAN adiciona evidência ao ferro endovenoso no paciente com IC e ferropenia, com a meta de redução de internações e controle de sintomas.
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