Tratamento de Bactérias Resistentes: ESBL e AmpC

Criado em: 03 de Fevereiro de 2025 Autor: Frederico Amorim Marcelino Revisor: João Mendes Vasconcelos

Infecções causadas por bactérias produtoras de betalactamases de espectro estendido (conhecidas pela sigla em inglês ESBL) e AmpC são frequentes em ambientes hospitalares. Essas cepas conseguem resistir a cefalosporinas de terceira geração (como ceftriaxona e ceftazidima) e até mesmo de quarta geração (cefepima). Neste tópico, revisamos os principais métodos para identificação dessas betalactamases, bem como as estratégias de tratamento mais atuais e respaldadas por diretrizes internacionais.

O que são beta-lactamases?

As beta-lactamases são enzimas produzidas por bactérias para inativar antibióticos que contêm o anel beta-lactâmico (como penicilinas, cefalosporinas, carbapenêmicos e monobactâmicos). Essas enzimas são classificadas segundo o grupo de antibióticos inativados (figura 1) [1,2].

Figura 1
Beta-lactamases
Beta-lactamases

As ESBL (beta-lactamase de espectro estendido) são um subtipo de beta-lactamases frequentemente associadas a bactérias gram-negativas como Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae. Conferem resistência a cefalosporinas de terceira geração (ceftriaxona, ceftazidima) e monobactâmicos (aztreonam). Em alguns casos, ocorre também resistência a cefalosporinas de quarta geração (cefepima).

As bactérias produtoras de AmpC também são resistentes a cefalosporinas de terceira geração, como ceftriaxona e ceftazidima. Contudo, diferente das ESBLs, podem ser divididas em dois grupos:

  • Induzível: a bactéria não produz a enzima, mas após exposição a antibiótico começa a produzir. No antibiograma, inicialmente a bactéria se apresenta como sensível à ceftriaxona, mas após o tratamento pode se tornar resistente (ex.: Enterobacter cloacae).
  • Não-induzível: a enzima é produzida continuamente, resultando em resistência identificada no antibiograma inicial (ex.: E. coli com AmpC plasmidial).

Apenas algumas bactérias possuem a capacidade de produzir resistência durante o tratamento (tabela 1). Mnemônicos como MYSPACE (as iniciais de Morganella, Yersinia, Serratia, Proteus, Providencia, Pseudomonas, Aeromonas, Citrobacter, Enterobacter) agrupam tanto bactérias que produzem constitutivamente a enzima quanto bactérias que possuem a capacidade de produzir durante o tratamento. Agrupar ambos os tipos de bactérias pode trazer confusão no momento do tratamento [1]. 

Tabela 1
Bactérias com risco de AmpC induzível
Bactérias com risco de AmpC induzível

Esse tópico revisa o tratamento de enterobactérias, como E. coli, Klebsiella spp., Proteus spp. e Enterobacter spp. Bactérias gram-negativas não fermentadoras, como Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter spp., também podem produzir beta-lactamases como ESBL ou AmpC, mas possuem peculiaridades no seu tratamento que não serão abordadas aqui. 

As bactérias podem exibir resistência a antibióticos beta-lactâmicos não apenas por meio de beta-lactamases. Por exemplo, o Staphylococcus aureus apresenta variantes da proteína ligadora de penicilina (PBP2a), que tornam as penicilinas e outros beta-lactâmicos convencionais ineficazes. 

Amp-C: Bactérias capazes de desenvolver resistência à cefalosporinas de 3⁠ª geração no tratamento

O fenômeno de surgimento de resistência durante o tratamento é descrito com mais frequência em infecções por Enterobacter cloacae. Alguns estudos observacionais sugerem que 5% a 47% dos pacientes com Enterobacter spp. sensível a cefalosporinas apresentam nova cultura, durante o tratamento, com Enterobacter spp. resistente a cefalosporina [3-5]. Fenômenos semelhantes são descritos para Citrobacter freundii e Klebsiella aerogenes (anteriormente conhecida como Enterobacter aerogenes), embora com menor frequência [6]. Outras bactérias nas quais o fenômeno já foi descrito estão na tabela 1.

Alguns autores sugerem que, caso uma das bactérias da tabela 1 seja identificada em cultura, não seria necessário um teste específico para detecção de AmpC (por exemplo, testes fenotípicos ou genotípicos). Nesse raciocínio, deve-se presumir que há risco de indução de resistência ao longo do tratamento [7-9]. Contudo, o risco difere entre os agentes isolados, com mudanças na terapia a depender do risco.

O tratamento ideal para infecções sensíveis à ceftriaxona, mas com potencial de induzir AmpC, ainda é controverso. Embora alguns estudos observacionais não tenham encontrado aumento de mortalidade com uso de ceftriaxona, outros mostram melhores resultados com cefepima (cefalosporina de quarta geração) ou carbapenêmicos [10-14]. O MERINO 2 é único estudo randomizado disponível e comparou piperacilina-tazobactam ao meropenem [15]. Poucos pacientes foram incluídos e os resultados foram inconclusivos.  

A diretriz da Infectious Disease Society of America (IDSA) de 2024 recomenda que o tratamento de bactérias de alto risco para AmpC (Enterobacter cloacae, Citrobacter freundi e Klebsiella aerogenes) seja feito com cefepima. Para bactérias com baixo risco de indução, os antibióticos devem ser usados conforme a sensibilidade do antibiograma. No caso de infecções com alta carga bacteriana (endocardite e sistema nervoso central) por bactérias com baixo risco de indução, também pode-se considerar o uso de cefepima. 

Bactérias resistentes à cefalosporinas de 3⁠ª geração

A identificação de betalactamases pode ser realizada no laboratório por métodos fenotípicos e genotípicos. Os testes fenotípicos inferem o mecanismo de resistência a partir da adição de substâncias à colônia de bactérias. Já os testes genotípicos identificam diretamente os genes associados à produção de beta-lactamases. 

No caso das ESBL, procede-se inicialmente a um teste de triagem com cefotaxima, ceftazidima ou cefpodoxima. Se houver resistência ou “sensibilidade diminuída” (i.e., MIC elevada ou próxima do ponto de corte), aplicam-se testes confirmatórios. Para AmpC, a triagem utiliza cefoxitina. Se houver resistência ou alteração sugestiva (por exemplo, “sensibilidade diminuída”), são realizados testes confirmatórios específicos [8,16]. 
Quando esses testes não são realizados no laboratório, padrões de resistência podem sugerir a presença de ESBL ou AmpC:

  • ESBL: geralmente a bactéria é sensível à amoxicilina-clavulanato e à cefoxitina, porém resistente à cefepima.
  • AmpC: geralmente a bactéria é resistente à amoxicilina-clavulanato e à cefoxitina, porém sensível à cefepima.

Contudo, outros mecanismos de resistência (p. ex. OXA) podem coexistir, gerando erros de classificação.

O tratamento ideal para infecções por enterobactérias produtoras de ESBL não é totalmente consensual. As diretrizes da IDSA de 2024 e da European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases (ESCMID) de 2022 recomendam o uso de carbapenêmicos em pacientes com infecções graves (p. ex., sepse, infecção de corrente sanguínea) por enterobactérias resistentes às cefalosporinas de terceira geração [1,2].

Tabela 2
Possíveis tratamentos para bactérias resistentes e com risco de criar resistência a cefalosporinas de 3a geração
Possíveis tratamentos para bactérias resistentes e com risco de criar resistência a cefalosporinas de 3a geração

Para infecções do trato urinário ou da via biliar sem sepse, com adequado controle de foco, a diretriz da ESCMID sugere piperacilina-tazobactam, amoxicilina-clavulanato ou ciprofloxacino, dependendo do perfil de sensibilidade [2]. A diretriz da IDSA menciona que, se o paciente iniciou piperacilina-tazobactam em uma infecção urinária não complicada e apresenta melhora clínica, é possível manter o esquema. O uso de cefepima não é recomendado [1]. A tabela 2 reúne os esquemas de tratamento das bactérias resistentes a cefalosporinas de 3⁠ª geração.

Piperacilina-tazobactam versus meropenem

Existe dúvida na literatura sobre o uso de piperacilina-tazobactam em bactérias resistentes a ceftriaxona. O estudo MERINO randomizou 379 pacientes com infecção de corrente sanguínea por E. coli ou Klebsiella pneumoniae com resistência a ceftriaxona [17]. Os participantes foram randomizados para meropenem ou piperacilina-tazobactam. O desfecho primário foi mortalidade em 30 dias.

A mortalidade nos pacientes que utilizaram piperacilina-tazobactam foi de 12,3%, comparado com 3,7% no grupo meropenem. As principais infecções foram do trato urinário e intra-abdominais e em 86% das bactérias foi confirmada a presença de ESBL.

Contudo, em uma reavaliação posterior, no grupo de pacientes que utilizou piperacilina-tazobactam, algumas cepas inicialmente consideradas sensíveis, eram resistentes à piperacilina-tazobactam. Além disso, muitos pacientes oncológicos foram incluídos no estudo e a principal causa de morte foi a neoplasia, sem relação direta com a infecção. 

Em outro estudo, com apenas 66 pacientes com infecção do trato urinário associada a assistência a saúde por bactérias produtoras de ESBL, 33 pacientes receberam piperacilina-tazobactam e 33 pacientes receberam ertapenem. O estudo encontrou eficácia terapêutica semelhante entre os dois grupos. 

Considerando essas inconsistências, as diretrizes se posicionam com cautela, sugerindo piperacilina-tazobactam apenas em infecções de menor risco (infecção do trato urinário ou biliar com adequado controle de foco e sem sepse). Veja mais detalhes em “Bactérias resistentes a cefalosporinas de 3⁠ª geração”. Novos estudos podem mudar as recomendações ou dar mais confiança as orientações atuais.

Hematoma Subdural Crônico

Criado em: 03 de Fevereiro de 2025 Autor: João Urbano Revisor: João Mendes Vasconcelos

Foi publicado no New England Journal of Medicine em novembro de 2024 o estudo EMBOLISE [1], que avalia o papel da embolização da artéria meníngea média na prevenção de recorrência do hematoma subdural crônico. Esse tópico revisa os principais pontos sobre hematoma subdural crônico e analisa o que o novo estudo acrescenta.

O que é o hematoma subdural?

O hematoma subdural é um sangramento intracraniano de origem venosa com acúmulo de sangue no espaço subdural, situado entre a dura-máter e a aracnoide. Em indivíduos saudáveis, o espaço subdural é virtual (ou seja, não é preenchido por estruturas). Com o envelhecimento populacional e uso crescente de terapias antitrombóticas, estima-se que o hematoma subdural possa se tornar a patologia intracraniana cirúrgica mais comum até 2030 [2].

A formação do hematoma subdural inicia com a ruptura de veias-ponte, que conectam a superfície cerebral aos seios venosos. Essas veias percorrem o espaço subaracnoide e atravessam a aracnoide para drenar o sangue venoso nos seios durais (veja figura 1). O mecanismo mais comum de ruptura é o trauma. No entanto, cerca de 25% dos pacientes podem não ter trauma identificado na história [3]. Mecanismos menos comuns incluem sangramento espontâneo por coagulopatia e sangramento de tumores extra-axiais.

Figura 1
Figura esquemática da localização de um hematoma subdural
Figura esquemática da localização de um hematoma subdural

Dentre os principais fatores de risco para formação de hematoma subdural, estão:

  • Idade avançada: forte fator de risco independente, particularmente em pacientes acima de 80 anos [4]. Em uma coorte brasileira, a idade média foi de 59 anos [5].
  • Atrofia cerebral: o aumento do espaço subaracnoide (preenchido por líquor) entre a superfície cortical e a dura-máter aumenta a tensão sobre as veias-ponte, predispondo a rupturas [4,6].
  • Distúrbios da coagulação: inclui tanto coagulopatias primárias quanto o uso de terapias antitrombóticas, com maior incidência observada em pacientes em uso de varfarina [4], 
  • Alcoolismo crônico: contribui para atrofia cerebral e predispõe a traumas. Foi observado em até 14% dos pacientes na maior coorte [3]. 

Temporalmente, os hematomas subdurais podem ser divididos da seguinte forma, a contar do início do sangramento:

  • Agudo: se apresenta em um a dois dias.
  • Subagudo: se apresenta do terceiro dia até a segunda semana.
  • Crônico: se apresenta após duas semanas.

Esses limites de tempo não são uniformemente aceitos e podem existir variações. Na ausência de um fator causal claro (como trauma craniano), a idade do hematoma pode ser estimada com base em características de imagem [7]. Sangramentos agudos são hiperdensos, enquanto os crônicos são hipodensos. 

Apresentação clínica e diagnóstico do hematoma subdural crônico

Os pacientes com hematoma subdural crônico mais comumente apresentam três fases distintas de evolução [8]:

  • Fase inicial: caracterizada pelo trauma ou fator causal responsável pela ruptura venosa.
  • Fase de latência: período assintomático ou oligossintomático, em que ocorre a expansão do hematoma e a formação de uma cápsula ao redor do sangramento. Dura aproximadamente de 4 a 12 semanas [8]. 
  • Fase clínica: manifestação dos sintomas, decorrente do aumento do volume do hematoma ou ressangramentos.

A apresentação clínica é variada e o intervalo entre o evento inicial (trauma ou outro fator precipitante) e o surgimento dos sintomas difere de paciente para paciente. Em estudos de coorte, o tempo entre o trauma e a indicação de tratamento cirúrgico pode chegar a até 98 dias [9].

Os pacientes mais comumente apresentam cefaleia, rebaixamento do nível de consciência e sintomas motores (tabela 1). Sinais de hipertensão intracraniana, crises epilépticas, dificuldade de marcha, declínio cognitivo, alteração comportamental e achados neurológicos focais podem ocorrer. Mais raramente, pode haver parkinsonismo [10]. Os sintomas podem ser inicialmente transitórios, com característica progressiva no decorrer do tempo [11].

Tabela 1
Apresentação clínica de pacientes com hematoma subdural em coorte brasileira
Apresentação clínica de pacientes com hematoma subdural em coorte brasileira

O diagnóstico é confirmado por exames de imagem. A imagem inicial mais disponível é a tomografia computadorizada de crânio sem contraste. Parece não haver diferença de sensibilidade entre a tomografia e a ressonância magnética [12]. Na imagem, observa-se a formação de uma coleção no espaço subdural, entre a dura-máter e a aracnoide. 

As principais características para distinguir o hematoma subdural de outros sangramentos intracranianos são:

  • Formato côncavo-convexo (formato de “lua crescente”)
  • Não respeita suturas cranianas
  • Não preenche sulcos cerebrais (ao contrário da hemorragia subaracnoide)

Este vídeo revisa a identificação dos principais sangramentos intracranianos.

O hematoma subdural crônico tem aspecto hipodenso na tomografia. Pacientes com anemia ou com sangramento subagudo podem ter densidade semelhante à do córtex cerebral, dificultando a visualização. As localizações possíveis estão demonstradas na figura 1.

Em até 25% dos casos, o hematoma subdural pode ser bilateral. A hipotensão liquórica é uma causa importante desse tipo de hematoma subdural. Essa condição pode ocorrer por falhas na dura-máter decorrentes de lesões por osteófitos, fístulas veno-liquóricas ou de maneira iatrogênica (pós-punção lombar ou manipulação cirúrgica). Hipotensão liquórica também é uma importante causa de cefaleia que piora em ortostase [3,13].

Tratamento do hematoma subdural crônico

O tratamento cirúrgico é realizado para evacuação do hematoma. O procedimento pode ser por craniotomia, craniostomia (burr hole) e craniectomia, a depender de características como tamanho do hematoma e presença de edema cerebral. A intervenção está indicada nas seguintes situações:

  • Sintomas decorrentes do hematoma: devem ser considerados sintomas progressivos, alteração do nível de consciência ou sinais de herniação cerebral como alteração pupilar ou de motricidade ocular. 
  • Hematoma > 10 mm: medição deve ser feita perpendicular ao crânio no ponto de maior espessura.
  • Desvio de linha média > 5 mm.

Pacientes assintomáticos, com hematomas pequenos e sem sinais de irritação cortical (como crises epilépticas), podem ser candidatos a tratamento conservador ambulatorial [14]. Aqueles com sintomas leves e não progressivos devem permanecer em monitorização na UTI por pelo menos 24 horas. Após esse período, é recomendável repetir a imagem para confirmar a ausência de sangramento agudo ou aumento do hematoma antes de se considerar o seguimento ambulatorial.

Estatinas, ácido tranexâmico e glicocorticoides foram estudados no manejo conservador do hematoma subdural, mas não apresentaram benefícios claros e não tem indicação nesse contexto. Veja mais em "Ácido Tranexâmico no Peri-Operatório". 

Anticoagulantes e antiplaquetários

Pacientes em uso de anticoagulantes devem ser avaliados individualmente e as evidências sobre manejo de terapia antitrombótica no hematoma subdural são escassas. Geralmente, está indicado interromper o uso e reverter a anticoagulação. Em pacientes com condições graves que exigem anticoagulação contínua (como próteses valvares metálicas, tromboses extensas ou isquemia de membros), pode-se considerar manter um agente de ação rápida e reversível, como a heparina não fracionada, com vigilância neurológica intensiva. Essa possibilidade deve ser avaliada conforme os sintomas neurológicos e tamanho do hematoma [15]. 

Antiplaquetários devem ser mantidos em situações de alto risco, como intervenção coronariana com stent recente. Quando usados para profilaxia secundária de eventos cardiovasculares, não parecem aumentar significativamente o risco de ressangramento. Podem ser reconciliados precocemente (3 a 7 dias) no pós-operatório, avaliando riscos e benefícios [16].

O que o artigo EMBOLISE acrescentou?

​​Acredita-se que a recorrência do hematoma subdural crônico tenha a participação de ressangramentos que ocorrem devido à fragilidade da neovascularização desenvolvida durante a formação do hematoma. Essa neovascularização conta com a contribuição de ramos da artéria meníngea média. Por isso, a embolização da artéria meníngea média foi estudada como estratégia para reduzir a recorrência do hematoma subdural crônico.

O estudo EMBOLISE incluiu 400 pacientes com hematoma subdural subagudo e crônico que já apresentavam indicação de cirurgia. Eles foram recrutados em 39 centros nos Estados Unidos. O grupo controle realizou apenas o procedimento cirúrgico para evacuação do hematoma, enquanto o grupo intervenção foi submetido a embolização da artéria meníngea média em até 48 horas após a randomização.

O desfecho primário analisado foi recorrência ou piora do hematoma subdural em 90 dias. Os resultados mostraram:

  • Grupo controle: 11,3% dos pacientes apresentaram recorrência ou piora do hematoma.
  • Grupo intervenção: 4,1% dos pacientes apresentaram recorrência ou piora (RR 0,36; IC 0,11–0,8).

Esses resultados indicam um NNT (número necessário para tratar) de 14 para prevenir um evento de recorrência ou piora do hematoma subdural no grupo intervenção.

Houve maior mortalidade por causa neurológica no grupo intervenção, porém sem significância estatística e não relacionada à embolização. Esse achado não foi reproduzido por outros estudos como o STEM [17] e o MAGIC-MT [18]. Este último encontrou menor mortalidade em 90 dias para o grupo intervenção na população chinesa.

Os resultados desses estudos colocam a embolização da artéria meníngea média como opção para reduzir o risco de recorrência em pacientes com hematoma subdural crônico submetidos à cirurgia.

Profilaxia Primária de Sangramento por Varizes Esofágicas

Criado em: 03 de Fevereiro de 2025 Autor: Raphael Gusmão Barreto Revisor: João Mendes Vasconcelos

Hemorragia digestiva alta por varizes esofágicas é uma complicação frequente e grave em pacientes com cirrose. Alguns pacientes se beneficiam de profilaxia primária, farmacológica ou por intervenção endoscópica. Um novo ensaio clínico randomizado, CAVALRY [1], testou a realização das duas intervenções em conjunto para profilaxia primária desta complicação em pacientes com cirrose Child B ou C.

Risco de sangramento e seleção dos pacientes para profilaxia

O sangramento por varizes esofágicas é uma complicação grave no paciente com cirrose. Após um episódio de sangramento por varizes esofágicas, a mortalidade em 6 semanas é em torno de 17%. Em um período médio de 1 ano após um sangramento, 29% dos pacientes apresentam novo episódio [2].

Tradicionalmente, a profilaxia de sangramento se baseava na visualização direta de varizes na endoscopia digestiva alta (EDA). A prevenção pode ser feita tanto com betabloqueadores não seletivos como por ligadura através da EDA. Contudo, evidências recentes sugerem que os betabloqueadores podem ter benefícios mais amplos e em estágios mais precoces, antes mesmo da formação de varizes de alto risco. Isso modificou a seleção de pacientes para profilaxia.

A principal evidência sobre esse papel dos betabloqueadores não seletivos é o estudo PREDESCI [3]. Este foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, em pacientes com cirrose compensada e hipertensão portal clinicamente significativa (tabela 1) medida por gradiente de pressão portal e sem varizes de alto risco. Os pacientes foram randomizados para receber betabloqueadores não seletivos (propranolol ou carvedilol) ou placebo. A maioria dos pacientes era Child-Pugh A, 56% dos pacientes do grupo intervenção tinham varizes pequenas e 44% não possuíam varizes. O desfecho primário era um composto de morte e descompensação com sangramento varicoso, ascite ou encefalopatia. O desfecho primário foi menor no grupo que recebeu a intervenção (16% contra 27%; HR 0,51, IC 95% 0,26-0,97), principalmente devido à redução da incidência de ascite. Uma revisão sistemática com meta-análise posterior também sugeriu benefício dos betabloqueadores em pacientes com hipertensão portal clinicamente significativa [4]. 

Tabela 1
Conceitos e definições na hepatologia
Conceitos e definições na hepatologia

Isso motivou mudanças nas diretrizes do Baveno VII de 2022 e da American Association for the Study of Liver Disease (AASLD) de 2024. Essas associações agora recomendam considerar betabloqueadores quando há hipertensão portal clinicamente significativa (definição na tabela 1), que pode ser determinada de maneira não invasiva por elastografia [5,6].

Com disponibilidade de elastografia

A hipertensão portal clinicamente significativa pode ser inferida de maneira não invasiva através da elastografia. O BAVENO e a AASLD recomendam a elastografia para graduar a doença hepática. Pela elastografia, as seguintes situações são consideradas de alta probabilidade de hipertensão portal clinicamente significativa [5,6]:

  • Elastografia com valores > 25 kPa em pacientes não obesos.
  • Elastografia com valores de 20 a 25 kPa e plaquetas < 150.000/mm³.
  • Elastografia com valores de 15 a 20 kPa e plaquetas < 110.000 /mm³.

Nessas situações acima, essas duas diretrizes indicam a terapia com betabloqueadores não seletivos para prevenir a progressão da hipertensão portal e suas descompensações. No caso de rigidez hepática < 15 kPa associado a plaquetas > 150.000/mm³, a probabilidade de hipertensão portal significativa é baixa e não há indicação da profilaxia primária. Pacientes com cirrose compensada e valores da elastografia acima de 10 kPa devem realizar o exame anualmente. A tabela 2 descreve o uso da elastografia e das plaquetas para estratificar a doença hepática e o risco de desenvolver varizes esofágicas [6]. 

Tabela 2
Estadiamento não invasivo de doença crônica avançada do fígado compensada (cACLD)
Estadiamento não invasivo de doença crônica avançada do fígado compensada (cACLD)

Sem disponibilidade de elastografia

Por essa nova recomendação, a EDA para rastreio de varizes tem seu lugar quando a elastografia hepática não está disponível e o paciente não estiver usando betabloqueadores não seletivos por outro motivo [5]. A EDA deve ser realizada em pacientes com cirrose compensada e plaquetas < 150.000/mm³ ou em pacientes com cirrose descompensada (tabela 1). O rastreio com EDA pode ser feito também quando existe disponibilidade de elastografia, porém o paciente tem contraindicação ou não tolera betabloqueadores.

Não possuindo varizes na EDA, um novo rastreio é recomendado a cada 2 anos caso os fatores de progressão da doença hepática não estejam controlados ou a cada 3 anos se houver controle (como abstinência alcoólica e cura da hepatite C). Se existirem varizes de baixo risco (definição de varizes de alto risco no subtópico “Ligadura elástica e terapia combinada”), a EDA pode ser repetida anualmente se os fatores de progressão não forem controlados e a cada dois anos se estes forem controlados.

Betabloqueadores: método preferencial

A profilaxia primária com betabloqueador é preferida em todos os pacientes [5,6]. A tabela 3 resume as doses, alvos terapêuticos e contraindicações para esta finalidade. Para mais detalhes sobre o uso de betabloqueadores em pacientes com cirrose, veja o tópico "Betabloqueador no Paciente com Cirrose".

Tabela 3
Doses dos betabloqueadores não seletivos para profilaxia primária de sangramento por varizes esofágicas em pacientes com cirrose
Doses dos betabloqueadores não seletivos para profilaxia primária de sangramento por varizes esofágicas em pacientes com cirrose

Os betabloqueadores não seletivos e ligadura elástica reduzem mortalidade quando comparadas ao placebo [7]. Uma revisão da Cochrane comparou ambas as intervenções e encontrou que o risco de sangramento e mortalidade geral foram semelhantes, porém com maiores taxas de eventos adversos no grupo que realizou terapia endoscópica [8]. O Baveno VII e a AASLD reservam a terapia endoscópica como profilaxia primária para pacientes que não toleram ou com contraindicação aos betabloqueadores não seletivos [5,6].

Visualização de shunts porto-sistêmicos em exames de imagem, presença de varizes e cirrose descompensada também são indicativos de hipertensão portal clinicamente significativa, com a mesma recomendação de betabloqueadores. O fluxograma 1 resume a estratificação de risco e a decisão sobre profilaxia primária de sangramento nestes pacientes.

Fluxograma 1
Manejo de profilaxia primária de hemorragia digestiva alta (HDA) por varizes esofágicas em cirróticos
Manejo de profilaxia primária de hemorragia digestiva alta (HDA) por varizes esofágicas em cirróticos

O carvedilol é o betabloqueador de escolha para prevenção primária de sangramento por varizes esofágicas [5,6]. Por agir no bloqueio do receptor alfa-1, o carvedilol ocasiona maior vasodilatação portal intra-hepática, gerando redução ainda maior da pressão portal [9]. Um trabalho observacional retrospectivo de 2024 encontrou menor incidência de descompensação no grupo carvedilol em relação ao grupo propranolol [10].

Ligadura elástica e terapia combinada

Recomendada como profilaxia primária quando os betabloqueadores estiverem contraindicados. Deve-se realizar a ligadura elástica nas varizes consideradas de alto risco, que são as seguintes:

  • Varizes de tamanho moderado/grande (acima de 5 mm)
  • Varizes com sinal da cor vermelha (red wale marks)
  • Varizes em paciente com estadiamento Child-Pugh C 

Pacientes que realizaram a ligadura devem repetir a EDA em 2 a 4 semanas até a erradicação das varizes. Após erradicadas, o exame deve ser repetido a cada 6 a 12 meses [5]. 
Varizes de pequeno tamanho costumam ser tecnicamente difíceis de serem ligadas [5]. Caso o paciente possua varizes de baixo risco na EDA, sem indicação de ligadura, este exame deve ser repetido anualmente caso a doença hepática de base não esteja controlada ou a cada dois anos em caso de controle da etiologia da cirrose. 

Até o momento, a terapia combinada com betabloqueador associado à ligadura não é recomendada pelas diretrizes na profilaxia primária. As evidências sugerem que a combinação das estratégias para profilaxia primária pode reduzir incidência de sangramentos [8], porém sem redução de mortalidade geral e com maior taxa de complicações quando comparado à monoterapia [7,8]. Existe dúvida se isso se aplica a pacientes com cirrose avançada (Child Pugh B ou C) e varizes de alto risco, mas que ainda não sangraram.

Para pacientes que já apresentaram sangramento varicoso (profilaxia secundária), a terapia combinada está indicada para redução de novos episódios de sangramento. Houve benefício de mortalidade em pacientes Child-Pugh B e C [5,6,11].

O estudo CAVALRY muda a abordagem na profilaxia primária de sangramento varicoso?

O ensaio clínico randomizado CAVALRY [1] foi desenhado para comparar a terapia combinada (carvedilol associado a ligadura elástica) em relação à monoterapia para profilaxia primária de sangramento em pacientes com cirrose avançada. Foram selecionados pacientes com escore de Child-Pugh entre 7 e 13 (B ou C) e com varizes esofágicas com alto risco de sangramento, mas sem história de sangramento prévio. 

Foram randomizados 330 pacientes para três grupos:

  • Grupo 1: Carvedilol monoterapia 
  • Grupo 2: Ligadura elástica monoterapia
  • Grupo 3: Carvedilol e ligadura elástica combinados

O desfecho primário foi incidência de sangramento por varizes esofágicas ao final de 12 meses. Este desfecho ocorreu em 23,8% do total de pacientes. Os resultados entre os grupos foram:

  • Grupo 1: 33,6% dos pacientes.
  • Grupo 2: 25,5% dos pacientes.
  • Grupo 3: 11,8% dos pacientes.

A terapia combinada reduziu significativamente a incidência de sangramento varicoso comparada ao grupo que recebeu apenas ligadura elástica (HR 0,37, IC 95% 0,19-0,71) e ao grupo que recebeu apenas carvedilol (HR 0,31, IC95% 0,16-0,57). 

Nos desfechos secundários, encontrou-se redução de mortalidade geral e associada a sangramento no grupo de terapia combinada, comparado ao de carvedilol em monoterapia. A mortalidade entre os grupos 2 e 3 foi semelhante. Não houve diferença na incidência de eventos adversos entre os grupos.

Uma possível explicação para os achados é que o sangramento pós-ligadura (principalmente pela ulceração de mucosa) ocorre normalmente uma semana após o procedimento [12]. Esse é um tempo necessário para início de ação do carvedilol, permitindo redução do gradiente de pressão portal antes de ocorrer complicações da ligadura. Assim, o benefício de ambas as intervenções poderia ocorrer associado à redução do risco de sangramento pelo procedimento. 

Uma limitação do estudo foi o seu caráter aberto, com dificuldade de cegamento devido ao procedimento endoscópico. A dose média de carvedilol utilizada foi menor que a comumente recomendada de 12,5 mg/dia [13]. Mais estudos são necessários para delimitar qual perfil de pacientes com cirrose pode se beneficiar de terapia combinada para profilaxia primária de sangramento de varizes esofágicas. O CAVALRY sugere algum benefício em pacientes com doença hepática avançada.