Síndromes e Cenários

Sedoanalgesia no Paciente Intubado

Criado em: 10 de Março de 2025 Autor: Kaue Malpighi Revisor: João Mendes Vasconcelos

Até 90% dos pacientes intubados necessitam de opioides para controle de dor e cerca de 70% requerem sedação em algum momento [1]. O controle adequado da dor e a manutenção de níveis seguros de sedação reduzem complicações como delirium e encurtam o tempo de ventilação mecânica. Este tópico revisa as metas de sedação, como implementá-la e quais os principais medicamentos utilizados para esse fim.

Meta de analgesia e sedação

Analgesia

Dor é comum em pacientes de UTI [2]. O padrão-ouro de avaliação é sempre o relato do paciente. Muitos pacientes não conseguem se comunicar por rebaixamento do nível de consciência, sendo necessário usar instrumentos específicos para avaliar dor, como a Behavioral Pain Scale (BPS, tabela 1). Apesar de útil, a BPS pode superestimar a dor, pois as manifestações observadas (expressão facial, movimentos dos membros e interação com o ventilador) podem derivar de outras causas, como assincronias com o ventilador e delirium.

Tabela 1
Behavioral pain scale (BPS)
Behavioral pain scale (BPS)

Sedação

A sedação é frequentemente necessária para controlar ansiedade e agitação, mas deve ser utilizada na menor dose eficaz para evitar prolongamento da ventilação mecânica e internação [3-6]. Deve-se definir uma meta de sedação nas primeiras 24 a 48 horas. A escala Richmond Agitation-Sedation Scale (RASS, tabela 2) é a mais empregada. Geralmente, uma meta de sedação leve (RASS 0 a −2) reduz o tempo de extubação sem aumentar riscos quando comparada à sedação profunda (RASS −4 a −5) [7].

Tabela 2
Richmond Agitation Sedation Scale (RASS)
Richmond Agitation Sedation Scale (RASS)

Existem algumas situações em que se considera sedação profunda inicialmente [8]:

  • Pacientes neurocríticos com hipertensão intracraniana.
  • Estado de mal epiléptico refratário.
  • Uso de bloqueadores neuromusculares.

Mesmo nesses casos, recomenda-se manter a sedação profunda pelo menor tempo possível e reavaliar o nível neurológico assim que as condições clínicas permitirem.

Como fazer a sedoanalgesia?

Após a intubação, todo paciente deve receber analgesia e sedação iniciais, principalmente se foram utilizados bloqueadores neuromusculares de longa duração. Em seguida, ajusta-se de forma individualizada.

Analgesia

A estratégia de “analgesia-first” é indicada para pacientes com dor e agitação [9]. Analgesia-first consiste no uso de um analgésico antes do sedativo para garantir que a dor está adequadamente controlada mesmo em pacientes de difícil avaliação. Pode-se fazer doses contínuas ou em bolus para avaliar a resposta. Após controle álgico adequado, pode-se considerar uso de sedativos para controle de agitação sem causa clara.

  • Dor moderada a grave: opioides intravenosos (fentanil, remifentanil ou morfina — veja tabela 3) são a primeira escolha. O fentanil é frequentemente utilizado nas UTIs brasileiras, podendo ser feito em infusão contínua (25 a 300 mcg/h) ou bolus de 25 a 50 mcg conforme dor [10]. Associar analgésicos não opioides pode reduzir a dose de opioide necessária [10].
  • Dor leve: a diretriz americana de 2018 recomenda tentar controle com medicamentos não opioides, como dipirona, paracetamol ou quetamina, em conjunto com terapias não farmacológicas [9].
  • Dor neuropática: a diretriz recomenda o uso de gabapentinoides em conjunto com os opioides. Esta recomendação é feita baseada em estudos randomizados em pacientes com Guillain-Barré e em pós-operatório de cirurgia cardíaca (veja mais em "Gabapentinoides: Principais Usos e Novos Eventos Adversos" e "Gabapentinoides, Dor Neuropática e Eventos Adversos") [9].
Tabela 3
Analgésicos e doses em pacientes em ventilação mecânica
Analgésicos e doses em pacientes em ventilação mecânica

Sempre se deve buscar a menor dose eficaz de opioides. Doses elevadas aumentam a probabilidade de efeitos adversos (como depressão respiratória, íleo paralítico e sedação excessiva) que podem complicar o desmame ventilatório. A infusão contínua de doses elevadas deve ser evitada, preferindo-se bolus pontuais em procedimentos (aspiração, mobilização, inserção de dispositivos e cuidados com feridas) [11-13]. Protocolos de estudos recentes apontam para um bom controle álgico com morfina se necessário, resultando em doses médias de opioides menores quando comparado à infusão contínua [14].

Sedação

Na meta de sedação leve (RASS 0 a −2), recomenda-se usar baixas doses de sedativos, associado a despertar diário e avaliação do desmame ventilatório [14,15]. Essa conduta encurta o tempo de ventilação mecânica e UTI. Um protocolo típico de despertar diário pode ser visto no fluxograma 1.

Fluxograma 1
Sugestão de despertar diário em pacientes intubados
Sugestão de despertar diário em pacientes intubados

Qual droga escolher para fazer sedação no paciente intubado

Antes de considerar iniciar um sedativo em paciente agitado, deve-se procurar uma explicação clara para a agitação. Dor, assincronia ventilatória e delirium são causas comuns. Nestes casos, o tratamento deve ser direcionado para a condição de base.

Não há evidência de que um sedativo específico reduza a mortalidade. Propofol e dexmedetomidina facilitam a sedação leve e ajustes rápidos, enquanto benzodiazepínicos (ex.: midazolam) tendem a prolongar a ventilação mecânica e a estadia em UTI (veja um comparativo na tabela 4). A American College of Critical Care Medicine recomenda o uso do propofol ou dexmedetomedina se a meta de sedação for leve [9]. A dexmedetomidina não é uma opção se for necessária sedação profunda.

Tabela 4
Sedativos e doses em pacientes em ventilação mecânica
Sedativos e doses em pacientes em ventilação mecânica

Propofol

É um anestésico intravenoso de ação rápida e lipofílico, atuando por agonismo de receptores GABA e bloqueio de receptores NMDA. Formulado em emulsão lipídica (1,1 kcal/mL), pode alterar a oferta calórica da dieta quando usado em doses altas. O início de ação é rápido e a duração costuma ser curta, especialmente em doses menores e por pouco tempo. Isso torna o propofol uma boa escolha para sedação leve e despertares diários. Usos prolongados podem levar a acúmulo e prolongamento do efeito. 

Os principais efeitos adversos incluem hipotensão (mais comum com bolus ou doses elevadas em infusão contínua), depressão respiratória, hipertrigliceridemia e pancreatite. A síndrome de infusão do propofol é um evento grave que cursa com hipotensão, bradicardia, acidose metabólica e rabdomiólise. É rara e geralmente associada a doses acima de 4 mg/kg/h por mais de 48 horas.

Midazolam

É o benzodiazepínico mais utilizado em infusões contínuas, agindo por meio de receptores GABA. Possui início de ação rápido (1 a 5 minutos), mas pode ter duração de até 75 minutos em dose única; além disso, por ser lipofílico, acumula-se em infusões prolongadas. 

Quando comparado a propofol e dexmedetomidina, o midazolam relaciona-se ao aumento do tempo de ventilação mecânica e de internação em UTI, além de maior risco de delirium [16]. Dessa forma, seu uso é preferencialmente reservado para indicações específicas de benzodiazepínicos, como abstinência alcoólica, ou combinado a propofol em casos que exijam sedação profunda.

Dexmedetomidina

É um agonista alfa-2 de ação central com efeitos ansiolíticos, sedativos e analgésicos. Em comparação a outros sedativos, pode reduzir o tempo de ventilação mecânica e o risco de delirium [17,18], porém aumenta a probabilidade de bradicardia. Seu início de ação (5 a 15 minutos) não é ideal para agitações extremamente agudas, e a administração em bolus deve ser evitada por elevar o risco de hipotensão e bradicardia sem otimizar significativamente seu efeito (veja mais em "Dexmedetomidina para Sedação e Agitação"). 

Por oferecer algum grau de analgesia e não causar depressão respiratória relevante, é útil como adjuvante aos opioides no controle de dor difícil e também como auxílio no desmame ventilatório em pacientes com agitação por delirium ou ansiedade.

Quetamina

A quetamina apresenta efeito sedativo e analgésico, com ação rápida em menos de um minuto e duração de 10 a 15 minutos. Há evidências que mostram redução da dose necessária de opioide para controle de dor com seu uso [19]. Além disso, seu efeito broncodilatador pode reduzir a resistência de via aérea, o que pode ser benéfico para pacientes intubados com broncoespasmo [20]. 

Seus principais efeitos colaterais são alucinações, hipersalivação e náuseas.

Profilaxia de Tromboembolismo no Paciente Internado

Criado em: 10 de Março de 2025 Autor: Letícia Dal Moro Angoleri Revisor: João Mendes Vasconcelos

Cerca de 50% dos eventos tromboembólicos venosos diagnosticados na comunidade ocorrem como resultado de uma hospitalização atual ou recente [1]. A maioria dos pacientes hospitalizados tem pelo menos um fator de risco para tromboembolismo venoso e cerca de 40% possui três ou mais fatores [2]. Esse tópico revisa a profilaxia de tromboembolismo venoso em pacientes hospitalizados.

A profilaxia em pacientes oncológicos e cirúrgicos ortopédicos foi abordada em "Profilaxia Primária de Trombose no Paciente com Câncer", "Tromboembolismo no Paciente com Câncer" e "Profilaxia de Tromboembolismo após Artroplastia Eletiva". 

Benefício e indicação de profilaxia

A profilaxia de tromboembolismo venoso (TEV) reduz o risco de TEV em pacientes clínicos e cirúrgicos [3]. O benefício dessa intervenção em mortalidade depende do grupo estudado, sendo mais claro em pacientes cirúrgicos [4]. Entre os clínicos, pode existir um benefício de mortalidade nos pacientes de UTI [5]. O risco de TEV não é totalmente eliminado pela profilaxia, sendo maior que 4% em pacientes de UTI mesmo em uso dessa estratégia [6,7]. 

A decisão de iniciar a profilaxia de TEV em pacientes hospitalizados requer avaliação do risco individual de trombose. Pacientes com câncer, AVC com paralisia de membro inferior, doentes críticos e gestantes têm risco especialmente elevado [8]. A imobilização prolongada do paciente ao leito devido a condições clínicas agudas está associada a um risco aumentado de TEV [9]. Fatores associados ao desenvolvimento de TEV e tromboembolismo pulmonar (TEP) durante a internação são descritos na tabela 1.

Tabela 1
Fatores de risco para trombeoembolismo venoso em pacientes clínicos
Fatores de risco para trombeoembolismo venoso em pacientes clínicos

A avaliação de fatores de risco pode ser feita de três maneiras: empiricamente (sem ajuda de protocolos/escores), por protocolos institucionais ou por calculadoras de risco. Entre as calculadoras de risco mais utilizadas estão a de Padua, Genebra e a IMPROVE, as três para pacientes clínicos e descritas na tabela 2. Uma coorte prospectiva suíça publicada em 2024 comparou escores de risco de TEV (Genebra, IMPROVE e Padua) e encontrou baixa acurácia e poder discriminatório em pacientes clínicos. Entre as quatro avaliadas, a que apresentou melhor sensibilidade foi a de Genebra original e melhor especificidade a IMPROVE [10]. 

Tabela 2
Calculadoras de risco de trombeoembolismo venoso e sangramento em pacientes clínicos
Calculadoras de risco de trombeoembolismo venoso e sangramento em pacientes clínicos

Não existe um estudo que estabeleça um método padrão para indicar a profilaxia. Muitos médicos fazem uma avaliação empírica, por vezes auxiliados por protocolos institucionais, considerando que os escores têm limitações. Os pacientes podem ser estratificados em três grupos:

  • Alto risco: pacientes com AVC e paresia de membro, com neoplasia, gestantes e doentes críticos. Esses pacientes têm indicação de profilaxia, exceto se tiverem contraindicação específica.
  • Médio risco: pacientes sem fatores de alto risco, mas com doenças agudas e fatores da tabela 1, especialmente se restritos ao leito. Esses pacientes se beneficiam de profilaxia. Esse grupo é heterogêneo e o benefício pode variar conforme a quantidade de fatores de risco agregados. Os escores de risco podem auxiliar na tomada de decisão nesse grupo.
  • Baixo risco: pacientes internados com quadros não críticos, principalmente quando estão aptos a caminhar ou realizar fisioterapia, sem fatores da tabela 1. A profilaxia com heparina eleva provavelmente os custos e gera desconforto, sem apresentar um impacto expressivo na prevenção de TEV [11].

O risco de TEV pode variar ao longo da internação e deve ser reavaliado se novos eventos ocorrerem. 

A avaliação do risco de sangramento deve sempre ser realizada ao considerar a profilaxia de TEV e pode contraindicar a profilaxia com anticoagulantes. Pacientes com sangramento ativo importante, AVC hemorrágico, coagulopatias e plaquetas abaixo de 50.000/mm³ são considerados de alto risco para sangramento e não devem receber profilaxia farmacológica. A coorte que derivou o escore IMPROVE também avaliou os fatores de risco para sangramento, destacando três com maior associação:

  • Úlcera péptica ativa. 
  • Sangramento nos últimos três meses.
  • Contagem de plaquetas abaixo de 50.000/mm³. 
Tabela 3
Calculadoras de risco para sangramento - na decisão sobre profilaxia
Calculadoras de risco para sangramento - na decisão sobre profilaxia

Outros fatores também foram associados a maior risco de sangramento e todos foram incluídos na calculadora de risco IMPROVE-bleeding, apresentada na tabela 3 [12]. 

Profilaxia farmacológica e mecânica

A profilaxia de TEV pode ser feita de duas maneiras:

  • Farmacológica: heparina de baixo peso molecular (HBPM), fondaparinux, heparina não fracionada (HNF) e anticoagulantes orais direita (DOAC).
  • Mecânica: compressão pneumática intermitente ou meias de compressão.

A profilaxia farmacológica é a preferencial. A mecânica costuma ser reservada para pacientes com contraindicação à profilaxia farmacológica. Combinar ambos os tipos de profilaxia não tem benefício clínico comprovado na redução de TEP, TVP ou mortalidade em pacientes clínicos [7,13].

Profilaxia farmacológica

A tabela 4 mostra as medicações disponíveis para a profilaxia de TEV com as doses recomendadas. 

Tabela 4
Medicamentos utilizados na profilaxia de tromboembolismo venoso
Medicamentos utilizados na profilaxia de tromboembolismo venoso

A HBPM (como a enoxaparina) na dose de 40 mg/dia é a escolha para a maioria dos pacientes hospitalizados, segundo a diretriz da American Society of Hematology (ASH) de 2018 [8]. A diretriz da América Latina de 2022 pontua que a HBPM é significativamente mais cara nos países da região, com barreiras de acesso importantes. Esses autores colocam HBPM e HNF como alternativas razoáveis, com a decisão final dependendo de disponibilidade e custos. Se não existirem limitações nesse sentido, a HBPM é a opção mais conveniente, por ser administrada em dose única diária [11]. Análises de custo efetividade favorecem a HBPM, considerando uma maior eficácia e redução de eventos adversos (como trombocitopenia induzida por heparina) em relação à HNF [14-16].  

A HNF (heparina sódica) pode ser feita na dose de 5.000 UI de 8/8 h ou 12/12 h. A evidência sobre superioridade de algum desses regimes é controversa. Duas metanálises de 2007 mostraram resultados conflitantes em relação aos desfechos de TVP, TEP ou mortalidade [17,18]. Uma terceira metanálise de 2011 não encontrou diferença entre os dois regimes [19]. A decisão pode ser individualizada considerando fatores como peso (em pacientes com obesidade, o regime de 8/8 h pode ser mais adequado) e idade do paciente (em pacientes idosos, a frequência de 12/12 h pode expor a menor risco de sangramento).

Um DOAC é uma alternativa em pacientes que não podem receber HBPM, mas não são a primeira escolha, principalmente pelo maior risco de sangramento associado [20,21]. Antiagregantes plaquetários e varfarina não devem ser utilizados como medidas de escolha para profilaxia de TEV na população geral [22]. O ácido acetilsalicílico tem espaço na profilaxia após cirurgias ortopédicas. Veja mais em "Profilaxia de Tromboembolismo após Artroplastia Eletiva". 

Profilaxia mecânica  

O paciente que apresenta contraindicação à profilaxia farmacológica deve receber profilaxia mecânica. A evidência de benefício dessa terapia isolada é baseada em um ensaio clínico randomizado realizado em 2011 e dados extrapolados de pacientes vítimas de trauma e AVC isquêmico [23,24]. 

A diretriz da ASH não se posiciona sobre a superioridade de compressão pneumática intermitente ou meias elásticas. A diretriz da American College of Chest Physicians ressalta o risco de lesões cutâneas e úlceras com as meias [22]. Se o risco de sangramento reduzir em algum momento, a profilaxia mecânica deve ser trocada para farmacológica.

Duração da profilaxia

A diretriz da ASH recomenda que a profilaxia dure o tempo de internação em detrimento de internação associada ao período pós-alta, seja para pacientes críticos ou não-críticos [8]. As metanálises publicadas sobre o tema mostraram redução de complicações de TEV às custas de aumento de sangramentos maiores ou fatais com a terapia estendida nos pacientes clínicos [25,26]. 

Considerações especiais

Extremos de peso

A escolha das doses dos medicamentos para pacientes com obesidade é incerta, especialmente naqueles com IMC > 40. Em relação à enoxaparina, alternativas incluem aumentar a dose empiricamente em 30% (baseado em experiência clínica e dados de farmacodinâmica), prescrever conforme o peso na dose de 0,5 mg/kg (distribuído em uma a duas aplicações por dia) e ajustar conforme a medida do fator anti-Xa [27-30]. 

Em pacientes com baixo peso (< 50 kg) a dose de 30 mg de enoxaparina pode ser considerada, no entanto, não há evidências quanto ao benefício em desfechos clínicos [31-33]. 

Doença renal crônica

Para pacientes com doença renal estágio com taxa de filtração glomerular < 30 mL/min/1,73 m², o uso de enoxaparina em dose reduzida (30 mg por dia) é considerado off-label e deve ser utilizado com cautela [34]. Uma alternativa é a escolha pela profilaxia com HNF [35]. 

Pacientes cronicamente doentes e institucionalizados

Pacientes com mobilidade reduzida, acamados ou internados em instituições de longa permanência não são candidatos à terapia farmacológica prolongada, pela baixa evidência de redução de eventos e provável aumento de sangramentos [25]. A diretriz latino-americana sugere que a profilaxia não seja implementada nesse grupo. A indicação deve ser reconsiderada se o paciente desenvolver uma condição aguda [8]. 

Trombocitopenia induzida por heparina

Pacientes com história de trombocitopenia induzida por heparina podem se beneficiar da profilaxia na internação atual com fondaparinux ou DOAC. Veja mais em "Trombocitopenia Induzida por Heparina".  

Hanseníase: Diagnóstico, Manejo e Novo Tratamento

Criado em: 10 de Março de 2025 Autor: Frederico Amorim Marcelino Revisor: João Mendes Vasconcelos

O New England Journal of Medicine publicou um estudo sobre o uso de bedaquilina para tratamento de hanseníase em dezembro de 2024 [1]. Esse tópico comenta sobre o estudo e revisa manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento de hanseníase.

Manifestações clínicas

A hanseníase afeta mais comumente a pele e o sistema nervoso periférico [2]. As manifestações clínicas da hanseníase variam conforme a resposta imune do hospedeiro ao Mycobacterium leprae. Quando há resposta imune intensa e controle do bacilo, é chamada de forma tuberculoide. Já quando a resposta imune é insuficiente e há proliferação intensa do bacilo, é chamada de forma virchoviana. Contudo, a maioria dos pacientes se apresenta entre as duas formas, chamada de forma dimórfica [3]. Essas formas fazem parte da classificação de Ridley-Joplin (tabela 1). 

Tabela 1
Classificação de Ridley-Joplin para hanseníase
Classificação de Ridley-Joplin para hanseníase

Outras duas formas são descritas: forma indeterminada, que corresponde ao início da doença, caracterizada por manchas hipocrômicas sem alteração de relevo, e forma neural pura, em que não há manifestação cutânea.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) propôs uma classificação mais simples, baseada na carga bacilar, facilitando o diagnóstico e a definição do tratamento, especialmente em contextos de saúde pública [4]. Essa classificação é usada atualmente para guiar o tratamento e divide a hanseníase em:

  • Paucibacilar: uma a cinco lesões cutâneas e baciloscopia obrigatoriamente negativa.
  • Multibacilar: mais de cinco lesões de pele e/ou baciloscopia positiva.

De forma geral, a suspeita de hanseníase deve ser feita nas seguintes situações (veja figura 1):

  • Manchas hipocrômicas ou avermelhadas na pele.
  • Perda ou diminuição da sensibilidade em manchas(s) da pele.
  • Edema ou nódulos na face, ou nos lóbulos auriculares.
  • Hipoestesia (dormência) ou parestesia (formigamento) de mãos/pés.
  • Dor ou hipersensibilidade em nervos.
  • Ferimentos ou queimaduras indolores nas mãos, ou pés.
Figura 1
Manifestações de hanseníase
Manifestações de hanseníase

A palpação dos nervos periféricos (como nervo ulnar, nervo fibular comum, tibial posterior e auricular magno) faz parte do exame físico em casos suspeitos de hanseníase. A identificação de espessamento, dor à palpação ou alterações sensitivas localizadas aumentam a probabilidade do diagnóstico.

O Brasil é o segundo país com maior número de casos novos de hanseníase no mundo. As regiões centro-oeste, norte e nordeste são as mais afetadas [5]. A forma dimórfica é a mais comum no Brasil, correspondendo a 47% dos casos, seguida das formas virchoviana (16%), tuberculoide (14%), indeterminada (13%) e não classificada (6%).

A hanseníase é considerada uma doença contagiosa, principalmente em pacientes multibacilares. O período de incubação varia de 2 a 6 anos, mas existem relatos de incubação superior a 30 anos. O mecanismo de transmissão ainda não está totalmente esclarecido, mas acredita-se que ocorra principalmente pela via aérea, a partir de pacientes com alta carga bacilar [6].

Diagnóstico de hanseníase

O Ministério da Saúde e a OMS definem um caso de hanseníase como a presença de pelo menos um dos seguintes [4,6]:

  • Lesão(ões) e/ou áreas(s) da pele com alteração de sensibilidade térmica e/ou dolorosa e/ou tátil;
  • Espessamento de nervo periférico, associado a alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas;
  • Presença do M. leprae, confirmada na baciloscopia de esfregaço intradérmico ou na biópsia de pele. 

O diagnóstico é principalmente clínico. O exame de baciloscopia é recomendado em todos os pacientes, tanto para auxílio diagnóstico quanto para classificação em paucibacilar e multibacilar. Contudo, a sensibilidade é baixa, com valor de 50% em alguns estudos [7].
 
Caso ainda haja dúvida diagnóstica após a baciloscopia, outros exames podem ser realizados:

  • Biópsia de lesão de pele ou de nervo: a presença de granuloma é característica da forma tuberculoide, enquanto na forma virchowiana são encontrados múltiplos bacilos (tabela 1). 
  • Ultrassom de nervos periféricos: auxilia no diagnóstico de espessamento de nervos periféricos e avaliação de neurite [8]. 
  • Eletroneuromiografia: o achado mais comum é de mononeuropatia múltipla [9].
  • Pesquisa do M. leprae por reação em cadeia da polimerase (PCR): pode ser realizado em biópsias de pele e nervo. No Brasil, está disponível no SUS nos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACEN)
  • Teste rápido de anticorpos IgM anti-PGL1: usado para avaliação de quem teve contato com hanseníase, mas não é recomendado para diagnóstico.
Fluxograma 1
Fluxograma diagnóstico para hanseníase
Fluxograma diagnóstico para hanseníase

O fluxograma 1 detalha os passos para o diagnóstico de hanseníase. 

Tratamento de hanseníase

O tratamento de hanseníase é padronizado no Brasil pelo Ministério da Saúde com a combinação de rifampicina, clofazimina e dapsona, conhecido como poliquimioterapia única (PQT-U).

  • Dose diária autoadministrada: clofazimina 50 mg e dapsona 100 mg
  • Dose mensal supervisionada: rifampicina 600 mg, clofazimina 300 mg e dapsona 100 mg
  • Duração: multibacilar por 12 meses; paucibacilar por 6 meses.

Dentre os eventos adversos, a dapsona está associada à anemia hemolítica, com estudos relatando 20% dos pacientes apresentando o quadro [10-11]. Outros eventos adversos da PQT-U estão na tabela 2.

Tabela 2
Efeitos adversos de medicações usadas para tratamento de hanseníase
Efeitos adversos de medicações usadas para tratamento de hanseníase

Considerando a incidência de eventos adversos com o esquema atual e a ocorrência de M. leprae resistente às drogas, novas opções de tratamento são desejáveis. Nesse contexto, um estudo brasileiro avaliou o uso de bedaquilina em monoterapia para o tratamento de hanseníase. Os resultados foram publicados pelo New England Journal of Medicine em dezembro de 2024 [1]. A bedaquilina foi aprovada em 2012 para tratamento de tuberculose resistente, sendo o primeiro novo medicamento em 40 anos. Veja mais em "Novos Tratamentos de Tuberculose". 

O estudo foi do tipo prova de conceito e avaliou 9 pacientes com hanseníase multibacilar. Os pacientes foram tratados com bedaquilina por oito semanas. O desfecho primário foi o crescimento de M. leprae em lesão após o tratamento. Após oito semanas, não houve crescimento da M. leprae em 100% das amostras de lesões. Depois de oito semanas, todos os pacientes foram tratados com PQT-U. 

Apesar de ser um estudo pequeno, caso os resultados sejam confirmados em trabalhos maiores, a bedaquilina tem o potencial de encurtar o tempo e diminuir eventos adversos do tratamento.

Reações hansênicas

As reações hansênicas são fenômenos inflamatórios que causam exacerbações dos sinais e sintomas da hanseníase. Podem ser divididas em dois tipos: reação do tipo 1 e reação do tipo 2. O diagnóstico das reações hansênicas é clínico. 

Reação de tipo 1

É caracterizada por piora das lesões cutâneas e piora da neuropatia periférica. O sintoma cutâneo principal é hiperemia de lesões cutâneas, podendo ocorrer ulceração em quadros mais graves. Dor em nervos periféricos e perda de função de nervos, como pé caído, podem ocorrer. 

O tratamento deve ser iniciado rapidamente, pois há risco de lesão neurológica. O Ministério da Saúde recomenda o tratamento com prednisona 1 mg/kg/dia, com redução gradual da dose diária em torno de 10 mg a cada 15 dias. Ao atingir a dose de 20 mg/dia, deve-se reduzir 5 mg a cada 15 dias. Ao atingir a dose de 5 mg/dia, deve-se manter a dose por 15 dias seguidos e, posteriormente, passar para 5 mg/dia em dias alternados por mais 15 dias. 

Reação de tipo 2

Também chamada de eritema nodoso hansênico. É caracterizada pelo surgimento de nódulos subcutâneos difusos, dolorosos e que não se correlacionam necessariamente com lesões prévias. Podem estar associados à febre, mialgia, artralgia, linfadenomegalia e neurite. 

O tratamento do eritema nodoso hansênico é preferencialmente feito com talidomida.  Caso a medicação esteja indisponível ou contraindicada, o tratamento pode ser feito com corticoides, da mesma forma que a reação tipo 1 [4,6,12]. A talidomida é teratogênica e tem sua prescrição restrita no Brasil. Pode estar associada a tromboembolismo, especialmente se usada em conjunto com corticoides. Nesses casos, é recomendado o uso de ácido acetilsalicílico para prevenção de fenômenos trombóticos [4,6].