Fibrilação Atrial e Doença Coronariana: Estratégia Antitrombótica

Criado em: 17 de Março de 2025 Autor: Tiago Lima Arnaud Revisor: Nordman Wall

A fibrilação atrial associada à doença coronariana é uma condição comum, presente em cerca de 11% dos pacientes com síndrome coronariana aguda [1] e em aproximadamente 6% daqueles com doença coronariana crônica [2]. O manejo antitrombótico nesses casos requer equilibrar a prevenção de eventos tromboembólicos e isquêmicos com a redução do risco de sangramentos. Um estudo publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) em 2024 e uma meta-análise abrangente publicada no Journal of the American College of Cardiology (JACC) em 2025 trouxeram novas evidências sobre a melhor estratégia antitrombótica para pacientes com fibrilação atrial e doença arterial coronariana.

Este tópico revisa o papel da anticoagulação em monoterapia, discute quando e como associar antiplaquetários e como adaptar o manejo conforme o tempo após a angioplastia.

Para mais informações sobre tratamento de fibrilação atrial, confira "Atualização sobre a Nova Diretriz de Fibrilação Atrial da ESC 2024".

Primeiro ano após a angioplastia

O primeiro ano após uma angioplastia, sobretudo os primeiros 30 dias, é o período de maior risco para trombose de stent, seja farmacológico ou convencional [3]. Em pacientes que estão nesse período e possuem fibrilação atrial (FA) com indicação de anticoagulação, estratégias antitrombóticas como a terapia tripla envolvendo a associação de um anticoagulante oral direto (DOAC), um inibidor da P2Y12 (iP2Y12) e o ácido acetilsalicílico (AAS) já foram utilizadas na tentativa de reduzir esse risco [4, 5]. No entanto, estudos recentes evidenciaram que a terapia tripla aumenta taxas de sangramento sem benefício quanto ao risco de trombose em comparação com esquemas menos intensivos.

Tabela 1
Estudos de fibrilação atrial em contexto de síndrome coronariana aguda e angioplastia
Estudos de fibrilação atrial em contexto de síndrome coronariana aguda e angioplastia

O estudo AUGUSTUS encontrou que a terapia antitrombótica dupla (apixabana e iP2Y12) reduziu em 31% os sangramentos (hazard ratio — HR 0,69; IC 95% 0,58–0,81) em comparação à terapia tripla, sem aumentar o risco de eventos isquêmicos [6]. Outros estudos reforçaram a segurança da terapia dupla, inclusive com o uso de diferentes DOACs, como mostrado na tabela 1. Mesmo assim, a terapia tripla pode ser considerada nos primeiros 30 dias da colocação do stent (quando o risco de trombose de stent é maior), em pacientes com alto risco isquêmico (ver tabela 2).

Tabela 2
Critérios de alto risco isquêmico
Critérios de alto risco isquêmico

A decisão final sobre a estratégia antitrombótica deve sempre considerar a sobreposição do risco isquêmico (tabela 2) e trombótico (CHA₂DS₂-VA) em contraposição ao risco hemorrágico (HAS-BLED), independente da angioplastia ter sido realizada em contexto de síndrome coronariana aguda ou doença coronariana estável. Durante o primeiro ano após a angioplastia, recomenda-se reavaliações periódicas para transição oportuna da terapia tripla para dupla. Uma sugestão, baseada na diretriz da American Heart Association/American College of Cardiology (AHA/ACC) e na meta-análise do JACC 2025, é seguir o seguinte esquema [5, 7].

  • 1º mês após a angioplastia: 
    • Considerar terapia tripla para pacientes com alto risco isquêmico e baixo risco de sangramento. 
    • Nos pacientes de baixo risco isquêmico, a terapia tripla pode durar somente do momento da angioplastia até a alta hospitalar.
  • 2 - 12 meses após a angioplastia: 
    • Optar pela terapia dupla (DOAC e iP2Y12).
    • Em pacientes de baixo risco isquêmico, a terapia dupla pode ser iniciada ainda nos primeiros 30 dias, após alta hospitalar.

Após o primeiro ano da angioplastia

Após 12 meses de angioplastia, o risco de trombose de stent reduz significativamente, permitindo simplificar a terapia antitrombótica e priorizar a redução do risco de sangramento.

O estudo AFIRE encontrou que a monoterapia com DOAC foi não inferior em eficácia para prevenção de eventos isquêmicos e foi superior em segurança, com menor risco de sangramentos, em comparação à terapia dupla com DOAC e AAS [8].

Essa evidência foi reforçada pela meta-análise publicada no JACC em 2025 [7], que reuniu dados de quatro grandes ensaios clínicos recentes e incluiu análises de subgrupos, tornando-se uma das revisões mais robustas já publicadas sobre o tema (tabela 3).

Tabela 3
Estudos de fibrilação atrial em contexto de doença coronariana estável (após um ano de revascularização ou doença coronariana crônica)
Estudos de fibrilação atrial em contexto de doença coronariana estável (após um ano de revascularização ou doença coronariana crônica)

O ajuste da estratégia antitrombótica também deve considerar fatores de alto risco isquêmico (tabela 2), como o histórico de trombose prévia de stent, cenário em que pode ser considerado prolongar a terapia dupla. Essa conduta, contudo, é de exceção. Para a maioria dos pacientes, baseada na diretriz da AHA/ACC e na meta-análise do JACC 2025, sugere-se [5, 7]:

  • Após 12 meses da angioplastia: preferência pela monoterapia com DOAC.

Fibrilação atrial e doença coronariana estável sem angioplastia prévia

Em pacientes com FA que recebem anticoagulação e desenvolvem doença arterial coronariana (DAC), sem indicação de angioplastia ou cirurgia de revascularização, não é recomendado iniciar terapia antiplaquetária [9, 10]. Já para um paciente com DAC diagnosticado com FA, pode surgir uma dúvida prática relevante: devo manter o AAS ou apenas anticoagular? Nesses casos, a prioridade é manter somente a anticoagulação, visando a prevenção de eventos isquêmicos arteriais e de eventos cardioembólicos.

Os dados da meta-análise do JACC em 2025 demonstram que DOAC em monoterapia oferece proteção suficiente para prevenção de eventos trombóticos arteriais em pacientes com DAC estável, com menor risco de sangramento em comparação à combinação de anticoagulação e AAS [7].

O estudo EPIC CAD, publicado em 2024 no NEJM, acrescenta evidências sobre a edoxabana, demonstrando sua segurança e eficácia em monoterapia para pacientes com FA e DAC estável, sem necessidade de associar antiagregante [11]. Esses achados reforçam os dados prévios de outros DOACs, como apixabana, rivaroxabana e dabigatrana. Os DOACs são preferidos em relação à varfarina pela melhor segurança e simplicidade de manejo. A exceção permanece para pacientes com estenose mitral reumática moderada/grave ou prótese mecânica, nos quais a varfarina segue como opção padrão.

Fibrilação atrial e cirurgia de revascularização do miocárdio

A maioria das discussões sobre FA e DAC se concentra no cenário pós-angioplastia. No entanto, um subgrupo significativo de pacientes com FA é submetido à cirurgia de revascularização do miocárdio, o que impõe desafios adicionais, especialmente pelo maior risco de sangramento cirúrgico.

Nos primeiros dias do pós-operatório, a anticoagulação plena é geralmente evitada. Em casos de alto risco tromboembólico, pode-se considerar heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou anticoagulação oral ajustada, desde que a hemostasia adequada tenha sido alcançada e a estabilidade hemodinâmica esteja preservada. A reintrodução da anticoagulação oral (DOAC ou varfarina) é recomendada entre o 3º e 7º dia, caso não haja sinais de sangramento ativo [12, 13].

Tabela 4
Estratégias antitrombóticas em fibrilação atrial e doença arterial coronariana.
Estratégias antitrombóticas em fibrilação atrial e doença arterial coronariana.

Durante o primeiro ano, a monoterapia com anticoagulante oral é preferida, evitando a combinação com antiplaquetários, sendo apoiado pelos dados do estudo SWEDEHEART [14]. Após 12 meses, a manutenção da anticoagulação deve ser individualizada e recomendada para pacientes com CHA₂DS₂-VASc ≥ 2, conforme diretrizes vigentes. A tabela 4 resume as principais estratégias terapêuticas.

Anticoagulação na Doença Renal Crônica

Criado em: 17 de Março de 2025 Autor: Caio Bastos Revisor: Nordman Wall

A presença de doença renal crônica (DRC) está associada tanto a um maior risco de sangramento quanto a um maior risco tromboembólico. Diversos estudos sobre o uso de anticoagulantes excluíram pacientes portadores de DRC, reduzindo a certeza das condutas nesse grupo. Este tópico revisa as principais evidências e recomendações de anticoagulação nessa população, com base nas diretrizes do Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) de 2024 e em estudos recentes [1].

Características dos Anticoagulantes na DRC

Varfarina

A varfarina não possui eliminação renal e não necessita de ajustes específicos na diálise. O alvo de INR é o mesmo da população sem DRC e a monitorização com INR é acessível. Frequentemente, pacientes com DRC e taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) < 60 ml/min/1,73 m2 necessitam de doses 10–20% menores do que a população geral para atingir a faixa terapêutica [2]). Também apresentam maior risco de sangramento e maior variabilidade dos valores de INR, podendo chegar a 50% do tempo fora da faixa terapêutica [3].

Para mais informações sobre a varfarina, confira o tópico “"Varfarina: Bulário e Quando Preferir em Relação aos DOACs".

Heparinas

Em estágios mais avançados de DRC (TFGe < 30 ml/min/1,73 m²), a heparina não fracionada (HNF) costuma ser preferida por ter meia-vida curta, a protamina como antídoto de ação rápida e monitorização com um exame acessível (TTPa). O alvo terapêutico não é modificado pela TFGe. 

Entre as heparinas de baixo peso molecular (HBPM), a enoxaparina é a mais disponível e requer ajuste de dose conforme a TFGe. Em pacientes com TFGe < 30 ml/min/1,73 m2, recomenda-se redução da dose habitual para 1 mg/kg/dia se o objetivo for anticoagulação plena. Em pacientes dialíticos, o uso não é geralmente recomendado, mesmo com a monitorização dos níveis de anti-Xa. Contudo, em doses reduzidas com indicação de profilaxia de eventos tromboembólicos, estudos retrospectivos sugerem um perfil de segurança semelhante ao da HNF em pacientes dialíticos [4].

Anticoagulantes orais diretos (DOACs)

Todos os DOACs possuem alguma eliminação renal. O que possui a menor eliminação renal é a apixabana (27%) [5]. Em relação à interferência da hemodiálise, apenas a dabigatrana é parcialmente dialisável, mas é contraindicada nesse grupo de pacientes [5]. É necessário realizar ajuste de dose de DOACs conforme a TFGe. A tabela 1 traz as doses dos DOACs para profilaxia de eventos tromboembólicos na FA com base na TFGe. 

Anticoagulação no tromboembolismo venoso e DRC

Pacientes com DRC apresentam alto risco de tromboembolismo venoso (TEV), com incidência crescente de embolia pulmonar à medida que a TFGe se reduz [6]. Na DRC, a ocorrência de TEV se associa a maior mortalidade, taxas elevadas de recorrência e maior risco de sangramento [7]. A presença de DRC não contraindica a anticoagulação nem altera significativamente a duração do tratamento em casos de TEV. Nesse sentido, opções convencionais de terapia, como varfarina, heparinas e DOACs, permanecem válidas, especialmente se TFGe > 30 mL/min/1,73 m2. 

Tabela 1
Doses sugeridas de anticoagulantes orais diretos para eventos tromboembólicos com base na taxa de filtração glomerular estimada
Doses sugeridas de anticoagulantes orais diretos para eventos tromboembólicos com base na taxa de filtração glomerular estimada

Os pacientes com TFGe < 25–30 mL/min/1,73 m² foram excluídos dos grandes estudos de DOACs, dificultando a comparação desses fármacos com a varfarina nessa população [8]. Um estudo observacional em pacientes dialíticos sugeriu que o uso de apixabana se associou a menores taxas de recorrência de TEV e de sangramento maior, sem influência na mortalidade, quando comparado à varfarina [9]. Entretanto, a falta de ensaios clínicos prospectivos randomizados impede uma recomendação formal acerca do uso de DOACs na DRC avançada. Por esse motivo, em pacientes com TFGe < 15 mL/min/1,73 m² a prática clínica corrente é o início de anticoagulação com HNF em bomba de infusão, com transição para antagonistas de vitamina K (tabela 1).

Anticoagulação na fibrilação atrial e DRC

À medida que a TFGe reduz, há menor certeza sobre o benefício da anticoagulação no paciente com FA e DRC. O KDIGO 2024 sobre DRC [1] e as diretrizes de FA europeia de 2024 [10] e americana de 2023 [11] recomendam que a anticoagulação deva ser considerada em pacientes com DRC e FA. Contudo, em pacientes com TFGe < 30 mL/min/1,73 m2, a decisão sobre uso da anticoagulação deve ser individualizada e se basear numa combinação de riscos tromboembólicos e de sangramento.

Pacientes não realizando diálise

Para a decisão sobre qual paciente portador de DRC deve ser anticoagulado, a utilização do escore de risco CHA2DS2-VASc é recomendada. Pacientes com pontuação ≥ 2 (se excluído o sexo feminino como fator de pontuação, como proposto pela nova diretriz da ESC) devem ser anticoagulados. Veja mais em "Atualização sobre a Nova Diretriz de Fibrilação Atrial da ESC 2024". Contudo, a presença de DRC é um fator de risco independente para eventos tromboembólicos, mesmo em pacientes com pontuação ≤ 1 [12].

Em relação ao risco de sangramento, o KDIGO recomenda a utilização de escores de risco, como o HAS-BLED, para auxiliar na identificação de potenciais fatores modificáveis. Caso fatores de alto risco para sangramento estejam presentes, como sangramentos graves prévios, hipertensão não controlada ou fragilidade, uma opção é não anticoagular o paciente. Entretanto, a presença de um alto risco de sangramento não reduz a probabilidade de eventos tromboembólicos.

Tanto a varfarina quanto os DOACs parecem reduzir eventos tromboembólicos e mortalidade [13, 14]. Várias diretrizes apoiam a anticoagulação e recomendam o uso de DOACs ao invés de varfarina em pacientes portadores de DRC [1, 10, 11]. Os DOACs também estão associados a menor incidência de injúria renal aguda (IRA) e progressão da DRC quando comparados à varfarina [15].

Um estudo retrospectivo de 2024 objetivou comparar os desfechos de pacientes portadores de DRC e TFGe < 30 mL/min/1,73 m² em uso de apixabana, rivaroxabana e varfarina em 6794 pacientes [16]. No estudo, o uso de apixabana associou-se a um menor risco de sangramento quando comparado à varfarina (HR 0,53, IC 95% 0,39-0,70) ou rivaroxabana (HR 0,53, IC 95% 0,36-0,78), sem diferenças na incidência de eventos tromboembólicos ou mortalidade.

Esses achados reforçam a ideia de que, entre os DOACs, a apixabana parece ser a alternativa mais segura na DRC avançada. Contudo, ainda não existem ensaios clínicos randomizados específicos, especialmente em pacientes com TFGe <15 mL/min/1,73 m² ou em diálise, com poder adequado para estabelecer conclusões definitivas.

Pacientes em diálise

Em pacientes dialíticos, o benefício da anticoagulação é incerto. Uma revisão sistemática com 42 estudos e 185 mil pacientes encontrou que o uso de DOACs ou varfarina não reduziu eventos tromboembólicos. Nesse mesmo estudo, o uso de varfarina esteve associado a mais eventos adversos [17]. Contudo, ainda são aguardados estudos randomizados sobre o assunto, com pelo menos quatro deles já registrados e em diferentes estágios de realização.

Fluxograma 1
Sugestão de manejo da anticoagulação em pacientes com doença renal crônica
Sugestão de manejo da anticoagulação em pacientes com doença renal crônica

O fluxograma 1 mostra uma adaptação do fluxograma sugerido na revisão publicada na revista Nephrology, Dialysis and Transplantation, de 2024, para anticoagulação em pacientes dialíticos portadores de FA [18].

Qual o papel do fechamento do apêndice atrial?

O fechamento do apêndice atrial esquerdo surgiu como uma alternativa à anticoagulação devido à maioria dos trombos de pacientes portadores de FA não-valvar ocorrer nesse local. Ensaios clínicos como PREVAIL e PROTECT AF demonstraram que a eficácia do procedimento para prevenir AVC é semelhante à da varfarina na população geral, com redução de sangramentos e mortalidade [19], enquanto o PRAGUE-17 mostrou não inferioridade em relação aos DOAC [20]. Entretanto, esses estudos excluíram pacientes com TFG < 30 mL/min/1,73 m² e estudos randomizados específicos para DRC foram encerrados precocemente por falta de recrutamento. Somente um estudo observacional com pacientes dialíticos sugeriu um menor risco tromboembólico e de sangramento com o fechamento do apêndice atrial esquerdo em comparação à varfarina [21].

Dessa forma, embora o fechamento do apêndice atrial esquerdo se mostre uma opção viável na população geral, ainda existem lacunas específicas em relação aos portadores de DRC avançada. Um consenso internacional já destaca que pacientes com DRC de alto risco de sangramento podem se beneficiar do procedimento [22]. Por ora, a indicação deve ser individualizada, considerando especialmente aqueles com risco hemorrágico muito elevado ou intolerância aos anticoagulantes tradicionais.

Efeitos Adversos dos Inibidores de Checkpoints Imunes no Tratamento do Câncer

Criado em: 17 de Março de 2025 Autor: Lucas Altoé Brandão Revisor: Nordman Wall

Os inibidores de checkpoints imunes (ICIs) fazem parte de esquemas terapêuticos de mais de 20 tipos de tumores atualmente [1]. O aumento do uso destes medicamentos vem acompanhado de uma maior incidência de seus eventos adversos, que possuem apresentações e manejos particulares. Uma publicação recente no Annals of Internal Medicine [2] revisou os principais detalhes sobre o assunto e motivou este tópico. 

O que são e como atuam os inibidores checkpoints imunes?

A resposta imune é controlada por uma rede de proteínas na superfície das células, chamadas pontos de checagem imunes (immune checkpoints). Essas proteínas, com diferentes receptores e ligantes, enviam sinais para as células T, estimulando ou inibindo sua ação. Isso ajuda a manter uma resposta imune equilibrada, evitando que o corpo ataque suas próprias células. As vias mais estudadas desse mecanismo são CTLA4, PD1, PDL1/PDL2 e LAG3 [3]. Alguns tumores conseguem aumentar a expressão destes checkpoints, impedindo que sejam reconhecidos como patogênicos, permitindo assim a sua proliferação e disseminação.  

A figura 1 mostra como funcionam esses checkpoints e o local de atuação dos anticorpos anti-PD-L1 e anti-PD-1.

Figura 1
Representação do mecanismo de ação dos inibidores de checkpoint (PD-1 e PD-L1)
Representação do mecanismo de ação dos inibidores de checkpoint (PD-1 e PD-L1)

A descoberta destes mecanismos viabilizou o desenvolvimento dos inibidores de checkpoints imunes (ICIs) [4]. Os ICIs são anticorpos aplicados de forma intravenosa que bloqueiam a ativação dos checkpoints. Essas drogas podem ser utilizadas:

  • De forma isolada (monoterapia);
  • Em combinação com outros ICIs (como anti-CTLA-4 + anti-PD1/PDL1);
  • Associados a outras modalidades de tratamento oncológico como quimioterapia ou terapia-alvo.
Tabela 1
Alvos terapêuticos, inibidores de checkpoints imunes e suas indicações terapêuticas aprovadas no Brasil
Alvos terapêuticos, inibidores de checkpoints imunes e suas indicações terapêuticas aprovadas no Brasil

A tabela 1 descreve o uso de ICIs e suas indicações terapêuticas aprovadas no Brasil [5].

Quais são os principais efeitos adversos dos ICIs?

Os efeitos adversos dos ICIs estão relacionados à hiperativação do sistema imunológico e são chamados de eventos adversos imunomediados (immune-related adverse events ou, na sigla comum, IRAE). O bloqueio dos pontos de checagem pode prejudicar a capacidade de reconhecimento das células próprias, desencadeando reações autoimunes. Podem surgir em até 40% dos pacientes e qualquer órgão pode ser acometido [2,6].

As manifestações cutâneas são as mais comuns, surgindo em até 40% dos pacientes. A apresentação mais frequentemente é de exantema pruriginoso localizado. Em segundo lugar em frequência estão os efeitos endocrinológicos, principalmente o hipotireoidismo, que ocorre em até 22% dos usuários de inibidores PD1/PDL1. Apesar de comuns, os eventos adversos não costumam ser graves e raramente requerem internamento hospitalar [7,8].

As afecções gastrointestinais predominam com o tratamento de ICIs combinados e decorrem do efeito dos inibidores CTLA4. Se manifestam como diarreia e demandam cautela pelo risco de depleção volêmica e de evolução para formas graves. 

Tabela 2
Principais immune-related adverse events com o uso dos inibidores de checkpoints imunes
Principais immune-related adverse events com o uso dos inibidores de checkpoints imunes

Entre os efeitos menos frequentes, mas com maior risco, estão os acometimentos cardíacos, pulmonares e neurológicos. Apesar de raros, possuem elevada morbimortalidade, mesmo com tratamento adequado. A tabela 2 descreve os eventos imunomediados, com detalhes acerca de incidência, apresentação clínica e investigação indicada.

Como é feito o diagnóstico e quais são os fatores de risco?

O diagnóstico se baseia no histórico de uso dos ICIs, na exclusão de outras causas e na resposta ao tratamento imunossupressor. Alguns exames laboratoriais, como transaminases, TSH e T4 livre, são realizados no início do tratamento para identificar efeitos adversos que podem ser inicialmente assintomáticos, como hepatotoxicidade. Outros exames estão indicados apenas em caso de suspeita clínica. Nas formas graves ou quando há dúvida diagnóstica, a biópsia tecidual pode ser necessária, mas não há um padrão histopatológico específico [2].

Um dos principais fatores que guia a suspeita é o tempo de exposição ao tratamento. O risco de surgimento destes efeitos é três vezes maior durante as primeiras quatro semanas, com apenas 7% se manifestando após 12 meses de tratamento. A incidência, a intensidade e o tempo de início de cada efeito variam conforme o tipo de inibidor de checkpoint. O tratamento combinado leva a eventos mais frequentes, intensos e precoces [9]. A figura 2 expõe a distribuição ao longo do tempo e a intensidade dos principais efeitos conforme o uso da monoterapia (parte A) e da terapia combinada (parte B).

Figura 2
Tempo de início e intensidade dos efeitos imunomediados dos inibidores de checkpoint
Tempo de início e intensidade dos efeitos imunomediados dos inibidores de checkpoint

O reconhecimento dos fatores de risco ainda é motivo de discussão. Acredita-se que indivíduos com predisposições genéticas ou histórico de autoimunidade possuam mais chance de desenvolver essas manifestações, mas a maioria dos estudos prospectivos excluiu esses grupos de pacientes [10]. Dados retrospectivos sugerem que exacerbações de doenças autoimunes ocorram em cerca de 23 a 38% dos pacientes tratados com ICIs, comumente com apresentações leves e sem necessidade de descontinuar o tratamento [11]. Estudos mais robustos ainda são necessários e diretrizes atuais não contraindicam o tratamento em pessoas com histórico de autoimunidade que esteja controlada, principalmente se estiverem utilizando doses baixas de imunossupressores (< 10 mg/dia de prednisona ou equivalente). 

Como é feito o manejo dos efeitos adversos?

A primeira etapa no manejo é classificar a gravidade do evento. A ferramenta mais utilizada é a do Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE), desenvolvido pelo instituto nacional do câncer dos Estados Unidos. Por meio dela, cada efeito é graduado de 1 (mais leve) a 5 (óbito), e todos os potenciais efeitos adversos oncológicos estão contemplados [12].

Para a maioria dos eventos adversos imunes, o tratamento se baseia em suspender o inibidor de checkpoint e iniciar imunossupressão, que deve ser mais intensa conforme a gravidade. 

  • Grau 1: controle sintomático e monitorização. Não há necessidade de imunossupressão. O ICI pode ser mantido. 
  • Grau 2: suspensão temporária do ICI e uso de corticoide em dose baixa a moderada (0,5 a 1 mg/kg/dia de prednisona ou equivalente). Em casos de miocardite e encefalite, a droga deve ser interrompida permanentemente.
  • Grau 3 ou 4: suspensão do ICI permanentemente e uso de corticoide em doses elevadas (1 a 2 mg/kg/dia de prednisona). Considerar pulsoterapia e outros imunossupressores são estratégias possíveis em casos refratários, necessitando considerar a gravidade, órgãos acometidos e discussão multidisciplinar [13]. 

A maioria das reações imunes se resolve em 4 a 8 semanas. O corticoide deve ser utilizado com a menor dose e pelo menor tempo possível, pois o uso prolongado pode prejudicar a resposta oncológica ao tratamento, além de elevar o risco dos efeitos já conhecidos dos corticoides [14]. O desmame gradual deve ser iniciado após o controle do evento adverso imune (normalização ou retorno ao grau 1) e não há uma forma padronizada para sua realização [2]. Algumas sugestões de desmame foram abordadas em "Insuficiência Adrenal Induzida por Corticoides e Desmame de Corticoides".