Nova Diretriz de Hipertensão Arterial no Paciente Internado

Criado em: 24 de Março de 2025 Autor: Lucca Cirillo Revisor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Elevação dos níveis pressóricos é um achado comum no momento da internação hospitalar [1]. Uma nova diretriz da American Heart Association (AHA) lançada em agosto de 2024 traz novas definições e atualiza as recomendações sobre a conduta nesse cenário [2]. Este tópico revisa esse documento e complementa a discussão sobre o manejo de hipertensão no paciente internado do tópico "Hipertensão no Paciente Internado"

Novas definições

O manejo da elevação da pressão arterial no paciente internado e no departamento de emergência varia bastante entre médicos, em parte pela falta de evidência e de posicionamento das sociedades. A diretriz da AHA é o primeiro documento de uma sociedade a abordar o manejo dessa situação [2].

Esse novo documento considera como pressão arterial elevada a pressão arterial sistólica (PAS) ≥ 130 mmHg ou a pressão arterial diastólica (PAD) ≥ 80 mmHg, os mesmos cortes da diretriz da AHA sobre hipertensão arterial sistêmica (HAS) de 2017 [3]. Os pacientes são classificados em três grupos, conforme os níveis pressóricos e presença de sintomas:

  • Pressão arterial elevada assintomática: PAS ≥ 130 ou PAD ≥ 80 mmHg SEM evidência de nova lesão de órgão-alvo (LOA - tabela 1) ou agravamento de LOA prévia;
  • Pressão arterial marcadamente elevada assintomática: PAS > 180 mmHg ou PAD > 110–120 mmHg SEM evidência de nova LOA ou agravamento de LOA prévia;
  • Emergência hipertensiva: PAS > 180 mmHg ou PAD > 110–120 mmHg COM evidência de nova LOA ou agravamento de LOA prévia; 
Tabela 1
Lesões de órgão-alvo na emergência hipertensiva e alvos pressóricos para tratamento
Lesões de órgão-alvo na emergência hipertensiva e alvos pressóricos para tratamento

Uma das novidades é a retirada dos termos “crise hipertensiva” e “urgência hipertensiva”. Essa nomenclatura poderia gerar uma conotação de gravidade inadequada ao quadro, levando a um ímpeto de iniciar tratamentos sem benefício estabelecido no ambiente intra-hospitalar. 

Lesões de órgão-alvo podem se manifestar mesmo em níveis pressóricos abaixo de 180/110–120 mmHg. Os níveis pressóricos não devem ser critérios inequívocos para definição de emergência hipertensiva, mas sim a presença de LOA.

Avaliação de lesões de órgão-alvo e emergência hipertensiva

O primeiro passo da avaliação do paciente com pressão elevada confirmada, especialmente acima de 180/110–120 mmHg, é procurar por evidências de LOA. Os principais sistemas avaliados são:

  • Cérebro, como AVC hemorrágico e AVC isquêmico;
  • Coração, com insuficiência cardíaca aguda e edema pulmonar cardiogênico;
  • Artérias, como dissecção de aorta e disfunção placentária;
  • Rins, que podem sofrer injúria renal aguda;
  • Microvasculatura, que pode evoluir com microangiopatia trombótica; 

O exame físico é necessário para avaliar a presença de LOA. Deve-se comparar pulsos e aferir a pressão arterial em ambos os membros superiores, além de buscar sinais de edema pulmonar e congestão. O documento da AHA coloca a fundoscopia como integrante do exame físico na avaliação de LOA. A realização dessa avaliação de rotina não é apoiada por fortes evidências [4]. Uma opção é realizar a fundoscopia quando há suspeita de alterações retinianas ou hipertensão intracraniana. 

Caso o paciente apresente sinais e sintomas sugestivos de LOA, a investigação é direcionada ao órgão suspeito e sintomas associados. Os principais exames complementares envolvem:

  • Hemograma, para rastreio de microangiopatias (considerar quando ocorrer anemia e plaquetopenia).
  • Função renal, eletrólitos e análise da urina (avaliar proteinúria e hematúria).
  • Eletrocardiograma e troponina para avaliar injúria miocárdica assintomática.

Caso seja evidenciado LOA (tabela 1), o tratamento guiado para redução da pressão arterial deve ser prontamente instaurado. A resume as principais LOAs e alvos pressóricos terapêuticos em cada cenário.

Deve-se ter cautela na avaliação de sintomas inespecíficos que não representam LOA, como epistaxe, dor torácica atípica, tontura e cefaleia. Algumas referências [5] citam esses sintomas como possivelmente associados à hipertensão (anteriormente incluídos no conceito de urgência hipertensiva), porém a AHA não traz a recomendação de considerar esses sintomas na decisão do tratamento da pressão elevada. 

No paciente assintomático, a recomendação de rastrear LOA com exames de imagem e laboratoriais é controversa e carece de evidências [6]. A diretriz da AHA e uma revisão do New England Journal of Medicine de 2019 [5] não trazem recomendações claras sobre o rastreio nesse cenário. 

Um estudo prospectivo [7] em pacientes assintomáticos com elevação da pressão arterial no departamento de emergência encontrou uma prevalência de 7% de alterações no rastreio metabólico e de função renal (injúria renal de tempo indeterminado) que levaram à internação hospitalar. Nenhum dos casos foi considerado emergência hipertensiva e parte da alta prevalência encontrada foi creditada ao baixo acesso aos serviços de saúde pela população estudada. 

Uma diretriz do Colégio Americano de Emergencistas não recomenda o rastreio rotineiro em pacientes assintomáticos [8, 9]. Essa referência sugere que o rastreio com função renal e eletrólitos pode ser útil no diagnóstico de doença renal crônica em pacientes sem acompanhamento ambulatorial, que acessam o sistema de saúde somente em contexto de urgência/emergência.

Pressão elevada e marcadamente elevada assintomáticas

Após descartar LOA, a abordagem recomendada para o paciente com pressão arterial elevada é a seguinte:

  • Avaliar se a aferição foi feita corretamente, incluindo tamanho do manguito.
  • Identificar causas reversíveis de pressão arterial elevada no paciente internado, como dor e ansiedade.
  • Interromper ou reconsiderar medicações que contribuem com a elevação da pressão arterial. 
  • Reconciliar medicamentos de uso contínuo do paciente.

Um desafio é adequar a técnica de aferição recomendada ao contexto hospitalar. É frequente que essas alterações sejam flagradas durante o monitoramento de sinais vitais com aparelhos automatizados, desconsiderando fatores que interferem na aferição e interpretação dos valores pressóricos. A tabela 2 resume os principais fatores que devem ser abordados frente a uma leitura de pressão arterial elevada no contexto intra-hospitalar.

Tabela 2
Situações que podem interferir na aferição ou contribuir para elevação da pressão arterial no paciente internado
Situações que podem interferir na aferição ou contribuir para elevação da pressão arterial no paciente internado

No paciente sem evidência de LOA, o tratamento da pressão elevada assintomática deve ser exceção. Como revisado no tópico do Guia de "Hipertensão no Paciente Internado", as evidências sugerem que iniciar ou intensificar o tratamento para HAS nesse cenário pode estar associado a piores desfechos, como maior chance de readmissão hospitalar e eventos adversos (lesão renal aguda, síncope, distúrbios eletrolíticos e hipotensão) [10, 11, 12]. A adesão a medicamentos iniciados durante a internação é baixa: um estudo encontrou que metade das prescrições de anti-hipertensivos é descontinuada em até um ano após a alta [13].

A diretriz reforça a orientação de evitar o uso de medicamentos endovenosos ou sob demanda (“se necessário”) para controle da pressão arterial em pacientes assintomáticos. Essa intervenção está associada a piores desfechos, como diminuição excessiva da pressão arterial, eventos cardiovasculares e injúria renal aguda [14, 15].

A diretriz traz um cenário onde há espaço para tratamento de pressão elevada no paciente assintomático, que envolve:

  • Pressão arterial marcadamente elevada de maneira persistente nas aferições E
  • Histórico de HAS descontrolada ambulatorial ou alto risco cardiovascular;

Nesse cenário, pode-se considerar iniciar medicação via oral ou intensificar o tratamento, bem como aproveitar o momento da internação para avaliar causas secundárias de hipertensão. 

Após a avaliação de fatores contribuintes para a pressão elevada, é necessário estruturar um plano para o acompanhamento ambulatorial. Nesse ponto, deve-se revisar o tratamento prévio, adequando a prescrição aos medicamentos recomendados por diretriz. Como exemplo, pode-se considerar um paciente em uso ambulatorial de atenolol e hidroclorotiazida para HAS. Caso não haja outra indicação para o uso do betabloqueador, uma estratégia é planejar a troca de atenolol por outro medicamento de primeira linha, como inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona ou bloqueadores dos canais de cálcio. Veja mais em "Diretriz de Hipertensão Arterial da ESC 2024 e Como Iniciar Tratamento de Hipertensão". 

Fluxograma 1
Abordagem ao paciente com pressão arterial elevada no ambiente intra-hospitalar
Abordagem ao paciente com pressão arterial elevada no ambiente intra-hospitalar

O fluxograma 1 resume a abordagem aos pacientes com pressão elevada no ambiente hospitalar.

Trombose de Veia Porta em Pacientes com Cirrose

Criado em: 24 de Março de 2025 Autor: Amyr Chacar Revisor: Marcela Belleza

A trombose de veia porta ocorre em cerca de 14% dos pacientes com cirrose, com números ainda maiores em pacientes em descompensação e candidatos a transplante hepático [1]. O American Gastroenterology Association publicou uma atualização prática sobre o tema em fevereiro de 2025 [2]. Este tópico revisa o tema.

Quando suspeitar e como diagnosticar?

A trombose de veia porta tem manifestações clínicas variáveis. A intensidade dos sintomas costuma ser proporcional ao grau de oclusão venosa (parcial ou completa) e à proximidade com o evento trombótico (eventos recentes tendem a ser mais sintomáticos). 

Até 43% dos pacientes têm trombose de veia porta assintomática. Esses casos em geral são diagnosticados por exames de imagem por outros motivos, como no contexto de rastreio de carcinoma hepatocelular [3]. Apesar da elevada associação com cirrose, não há necessidade de rastreio de trombose de veia porta em pacientes assintomáticos com cirrose.

Dentre os pacientes sintomáticos, a dor abdominal é comum. Pode haver piora clínica da hipertensão portal, com exacerbação de varizes esofágicas e ascite [4, 5]. O aumento de transaminases é uma alteração laboratorial possível, geralmente discreta e, caso ausente, não pode ser utilizada para afastar a trombose. 

A investigação de trombose de veia porta deve ser considerada nas seguintes situações [2, 5, 6]: 

  • Dor abdominal.
  • Descompensação da cirrose sem causa clara.
  • Avaliação pré-transplante hepático (trombose de veia porta pode complicar aspectos técnicos do transplante e impactar em desfechos após a cirurgia [7]

Para o diagnóstico, inicialmente deve ser realizada a ultrassonografia com doppler. A sensibilidade varia conforme a experiência do avaliador e o grau de oclusão venosa [8]. Se a ultrassonografia for positiva, deve-se complementar a avaliação com tomografia computadorizada (TC) com contraste venoso em quatro fases (pré-contraste, arterial, portal e tardia) ou ressonância magnética com contraste​. O motivo dessa complementação é que esses métodos conseguem evidenciar melhor aspectos da trombose úteis para o manejo clínico, como extensão da trombose e características do trombo [9].

A trombose de veia porta é considerada crônica quando tem mais de 6 meses de duração, enquanto as outras são classificadas como recentes. Essa distinção tem impacto na terapia, pois pacientes com trombose crônica têm menor benefício com a anticoagulação. A imagem auxilia nessa definição. Achados na TC, como hiperdensidade do trombo na fase sem contraste, dilatação da veia porta e ausência de colaterais, sugerem um quadro agudo [10]. Embora classicamente associada à trombose de veia porta crônica, a degeneração cavernomatosa pode surgir em 1 a 3 semanas, limitando seu valor para definir a cronicidade do quadro [11].

A tabela 1 resume as características e vantagens de cada teste no diagnóstico da trombose de veia porta.

Tabela 1
Características dos exames de imagem na investigação de trombose de veia porta
Características dos exames de imagem na investigação de trombose de veia porta

Na ausência de cirrose, a trombose de veia porta está associada a doenças hematológicas (especialmente mieloproliferativas), trombofilias, doenças inflamatórias sistêmicas e fatores locais (como doenças inflamatórias intra-abdominais e neoplasias) [12, 13].

Nos pacientes com cirrose, a investigação para essas condições não é necessária de rotina, dada a alta associação com a própria cirrose [2, 13, 14]. Veja mais no tópico "Investigação de Trombofilias".

Quando anticoagular?

Na cirrose avançada é frequente o alargamento do tempo de protrombina (TP) e de tromboplastina parcial ativada (TTPA). Embora muitas vezes seja interpretada como tendência hemorrágica, essa alteração não indica obrigatoriamente maior risco de sangramento. Conforme a disfunção hepática evolui, ambos os fatores anticoagulantes e pró-coagulantes se tornam deficitários. Isso resulta em um novo estado, com tendência tanto hemorrágica quanto pró-trombótica [15, 16].

A anticoagulação no cenário da trombose de veia porta pode reduzir a extensão da trombose, diminuir o impacto na hipertensão portal, melhorar os desfechos relacionados ao transplante hepático e reduzir possivelmente a mortalidade [17, 18, 19 ]. Contudo, não existem ensaios clínicos randomizados nesse contexto.

A decisão é mais difícil na presença de complicações comuns nessa população, como plaquetopenia, varizes esofágicas e gastropatia hipertensiva. Paradoxalmente, mesmo nessas situações, a anticoagulação parece resultar em menores taxas de morbidade por sangramento digestivo [18, 20, 21].

Tabela 2
Características para decisão sobre tratamento da trombose de veia porta
Características para decisão sobre tratamento da trombose de veia porta

Pacientes com evidências de isquemia mesentérica devem ser anticoagulados com urgência. Fora desse contexto, a anticoagulação de pacientes cirróticos com trombose de veia porta recente deve ser considerada nas seguintes situações (tabela 2) [2, 6, 13, 14]:

  • Presença de sintomas.
  • Portadores de outras desordens pró-trombóticas.
  • Candidatos a transplante hepático.
  • ≥ 50% da luz da veia porta ocluída.
  • Acometimento do ramo principal da veia porta e/ou mesentérica.

Na ausência dessas condições, uma conduta expectante com imagens seriadas a cada 3 meses é possível. Caso ocorra progressão da trombose, agravamento da hipertensão portal ou aparecimento de sintomas, deve-se considerar anticoagulação. 

Pacientes com invasão tumoral da veia porta em geral são manejados com tratamento direcionado ao tumor (embolização e quimioterapia), tendo menor benefício da anticoagulação.

Tromboses crônicas apresentam mínima chance de recanalização. A anticoagulação não é recomendada rotineiramente pela diretriz de AGA, exceto em candidatos a transplante hepático na tentativa de preservação do leito vascular.
 

Anticoagulação: medicamentos e tempo de uso

Deve-se realizar a pesquisa de varizes esofágicas antes de iniciar a anticoagulação. Veja mais no tópico do Guia "Profilaxia Primária de Sangramento por Varizes Esofágicas". Pacientes já em uso de beta-bloqueadores não seletivos não precisam realizar uma nova endoscopia [13].
 
A taxa de recanalização é diretamente ligada ao tempo do início da anticoagulação, com melhores resultados quando iniciada precocemente [20]. Na incapacidade da realização da investigação em um rápido período, parece haver segurança na introdução da terapia enquanto se aguarda a realização da endoscopia e até mesmo realizá-la em vigência de anticoagulação, mas a decisão deve ser individualizada [22].

A heparina de baixo peso molecular (HBPM) é o anticoagulante de escolha na fase inicial do tratamento. A heparina não fracionada é uma alternativa em pacientes com disfunção renal grave, porém o maior risco de trombocitopenia induzida por heparina e dificuldade de controle pelo TTPA em pacientes cirróticos dificultam o uso [23].

Num segundo momento, os antagonistas da vitamina K também podem ser utilizados, apesar da dificuldade de controle de INR nesta população [16]. A evidência de segurança para o uso dos anticoagulantes orais diretos (DOACs) vem crescendo, com dados mostrando maiores taxas de recanalização e menor risco de sangramento, principalmente em pacientes com Child-Pugh A e B [24, 25]. As diretrizes contraindicam o uso de DOAC em Child-Pugh C [26].

A tabela 3 resume os principais anticoagulantes utilizados na trombose de veia porta.

Tabela 3
Principais anticoagulantes no tratamento da trombose de veia porta e suas particularidades
Principais anticoagulantes no tratamento da trombose de veia porta e suas particularidades

Acompanhamento

No período inicial da anticoagulação, a TC com contraste deve ser repetida a cada 3 meses para avaliar a resposta ao tratamento. No caso de progressão da trombose ou ausência de regressão apesar da anticoagulação, procedimentos intravasculares devem ser considerados, como o shunt portossistêmico intra-hepático transjugular (TIPS, na sigla em inglês), especialmente em pacientes com risco de isquemia intestinal e candidatos a transplante hepático [27].

Em caso de recanalização completa ou parcial, o tempo de tratamento deve se estender por um período mínimo de 6 meses. Ao término deste período, reavalia-se novamente com imagem quanto à recanalização completa:

  • Caso a recanalização não aconteça, pode-se suspender a anticoagulação, por mínima taxa de sucesso após esse período, a menos que o paciente seja candidato a transplante hepático.
  • Caso tenha ocorrido recanalização, a continuidade além deste período deve ser avaliada individualmente. Até 38% das tromboses de veia porta recorrem sem anticoagulação [28]. Em pacientes listados para transplante, considerando o alto risco de trombose e os possíveis benefícios da terapia, a anticoagulação deve ser continuada indefinidamente sempre que possível até o procedimento ou enquanto o risco de sangramento permitir [2, 6, 9].
Fluxograma 1
Manejo da trombose de veia porta em pacientes com cirrose
Manejo da trombose de veia porta em pacientes com cirrose

O fluxograma 1 resume o manejo da trombose da veia porta em pacientes com cirrose.

Tratamento de Cefaleia: Bloqueio de Nervos Periféricos

Criado em: 24 de Março de 2025 Autor: João Urbano Revisor: Nordman Wall

O bloqueio de nervos periféricos com anestésicos locais é uma ferramenta que pode auxiliar no tratamento de cefaleias no contexto agudo e como adjuvante em tratamentos preventivos. Os possíveis benefícios envolvem o melhor perfil de efeitos adversos e diminuição de uso de drogas sabidamente menos eficazes, como opioides [1]. Esse tópico revisa as indicações e a técnica do procedimento.

Mais detalhes sobre tratamento de cefaleia nos tópicos "Tratamento Agudo de Enxaqueca" e "Profilaxia Farmacológica de Enxaqueca".

Indicação

O bloqueio de nervos occipitais pode ser considerado nos seguintes cenários de cefaleias primárias:

  • Enxaqueca: episódios de dor intensa, como tratamento adjuvante; episódios prolongados; como estado migranoso; refratariedade ou contraindicação a outros tratamentos para enxaqueca; profilaxia de curto prazo (1-2 meses) em pacientes com contraindicação a outros tratamentos profiláticos ou como tratamento ponte até estabelecimento de eficácia de outro tratamento profilático [2-5].
  • Cefaleia em salvas: episódios agudos [6]. 
  • Cefaleias secundárias: adjuvante no tratamento de cefaleia por uso excessivo de analgésicos [7]. 

O bloqueio de nervos occipitais tem maior grau de evidência em cefaleias primárias como a enxaqueca, a cefaleia em salvas e cefaleia secundárias como a cefaleia por uso excessivo de analgésicos (tabela 1). O efeito no alívio na cefaleia pode ser visto a partir de 30 minutos do procedimento, com duração máxima do efeito de até 7 dias. Em outras cefaleias secundárias, como a cefaleia cervicogênica, o respaldado é por relatos e séries de casos e devem ser realizados de preferência por especialistas em dor.

Tabela 1
Indicações, nervo alvo e doses de medicamentos para bloqueios de nervos occipitais
Indicações, nervo alvo e doses de medicamentos para bloqueios de nervos occipitais

As evidências para o bloqueio do nervo esfenopalatino são mais frágeis do que o bloqueio de nervos periféricos via subcutânea. Houve benefício em estudos randomizados e controlados para cefaleias primárias (como enxaqueca episódica, enxaqueca crônica e cefaleia em salvas) e cefaleias secundárias (como a cefaleia pós-punção lombar) [8-12].

Outros nervos, como o auriculotemporal, supraorbitário e supratroclear, podem ser alvo de bloqueio em outros tipos de cefaleia trigêmino-autonômicas e cefaleias secundárias. No entanto, não possuem evidência estabelecida e a técnica de aplicação envolve uma curva de aprendizado maior. Assim, recomenda-se que bloqueios de outros nervos faciais sejam realizados por neurologista ou médicos especialistas em dor.

Bloqueios de nervos occipitais

O nervo occipital maior é um ramo dorsal da raiz C2 e é o principal nervo alvo do procedimento. Ele é responsável pela sensibilidade da pele da região posterior do pescoço e occipital do couro cabeludo. O nervo occipital menor é ramo dorsal da raiz C3, inerva a região póstero-lateral do pescoço e região retroauricular e também pode ser submetido ao bloqueio. A identificação é realizada por meio de marcos anatômicos como a protuberância occipital e processo mastoide (figura 1).

Figura 1
Anatomia dos nervos occipitais maior e menor
Anatomia dos nervos occipitais maior e menor

A aplicação deve ser realizada subcutânea com anestésicos locais sem vasoconstritor. As opções disponíveis são a lidocaína 2% e a bupivacaína 0,5%. Para o bloqueio do nervo occipital maior, deve ser utilizado volume total de 1,5 a 3 mL. Para bloqueio do nervo occipital menor, o volume total é de 1 a 2 mL [1,13]. 

Em casos de enxaqueca, não houve benefício adicional da administração de corticoides. Para cefaleia em salvas, a aplicação de corticoides somente no nervo occipital maior tem benefício com diminuição de episódios de cefaleia [14-16]. Não há padronização de qual tipo de corticoide utilizar, mas opções disponíveis utilizadas em estudos são acetato de metilprednisolona 40 mg/mL(2 mL) ou dexametasona 10 mg/2,5 mL (2 mL). A aplicação de corticoides pode ser isolada ou em conjunto com anestésicos locais. Se for optado por aplicação combinada, o volume total de injeção no nervo occipital maior não deve exceder 4 ml. Efeitos adversos locais de corticoides envolvem atrofia de pele no local da punção em até 10% dos pacientes, alopecia e efeitos sistêmicos, como disglicemias [17,18].

Demais efeitos adversos relacionados ao procedimento de bloqueio e possíveis soluções estão na tabela abaixo (tabela 2).

Tabela 2
Possíveis eventos adversos de bloqueio occipital e orientações para o manejo
Possíveis eventos adversos de bloqueio occipital e orientações para o manejo

O procedimento tem contraindicação absoluta somente em casos de infecção local ou alergia às substâncias utilizadas. Distúrbios da coagulação ou uso de anticoagulantes são contraindicações relativas [1].

Bloqueio do gânglio esfenopalatino

O gânglio esfenopalatino é situado abaixo do ramo maxilar do nervo trigêmeo, na fossa pterigopalatina, na região posterior da cavidade nasal (figura 2). É um gânglio com função majoritariamente sensitiva e autonômica parassimpática.

Figura 2
Técnica para bloqueio do gânglio esfenopalatino
Técnica para bloqueio do gânglio esfenopalatino

Seu bloqueio à beira do leito é realizado por meio de aplicação tópica de anestésicos locais por swab de algodão inserido por via nasal. A lidocaína 2-5% e a bupivacaína 0,5% podem ser utilizadas em sua forma líquida ou gel. 

O procedimento pode ser feito bilateralmente, um lado por vez, ou unilateralmente em casos de cefaleias trigêmino-autonômicas restritas a um lado. Deve ser considerado uma opção adjuvante no tratamento de episódios agudos. 

Na maioria dos estudos, é um procedimento bem tolerado, com principais efeitos adversos relatados de hipoestesia oral e risco de epistaxe por haver manipulação local de fossa nasal [8].

Técnica para bloqueio de nervos occipitais

Material

  • Agulha hipodérmica 13x0,3 mm ou 13x0,45 mm (utilizada para aplicação de insulina).
  • Seringa de 3 a 5 ml.
  • Gaze.
  • Solução antisséptica alcoólica.
  • Lidocaína 2% sem vasoconstritor OU Bupivacaína 0,5% sem vasoconstritor.

Descrição

  • Explicar o procedimento para o paciente.
  • Posicionar o paciente sentado ou com a cabeça apoiada à sua frente.
  • Realizar antissepsia do local de punção.
  • Realizar palpação de marcos anatômicos: processo mastoideo e a protuberância occipital. Traçar uma linha reta entre as duas estruturas e dividir a linha em três segmentos iguais. O ponto de divisão entre os segmentos mais medial (próximo à protuberância occipital) corresponde à projeção do nervo occipital maior, enquanto o ponto de divisão entre os segmentos mais lateral (próximo ao processo mastoide) indica a localização do nervo occipital menor.
  • Inserir agulha aproximadamente 4 mm em sentido cranial com angulação aproximada de 60º.
  • Realizar aspiração para evitar punção arterial.
  • Inserir o volume desejado de anestésico [1].

Técnica para bloqueio do gânglio esfenopalatino

Material

  • Swab nasal 17 mm.
  • Lidocaína 2% gel ou líquida sem vasoconstritor.

Descrição

  • Explicar o procedimento para o paciente e orientá-lo a respirar pela boca durante o procedimento.
  • Posicionar o paciente deitado ou com inclinação de 30°.
  • Embeber o swab com solução ou gel anestésico.
  • Inserir swab nasal paralelo ao assoalho nasal, até sentir leve resistência.
  • Deixar o swab em contato com a mucosa nasal por 5 a 10 minutos.
  • Repetir o procedimento do lado contralateral, se necessário [19].