Anticoagulantes Orais Diretos (DOACs): Bulário
Os anticoagulantes orais diretos (DOACs) formam um grupo de medicamentos composto por inibidores do fator X ativado - apixabana (Eliquis ®), edoxabana (Lixiana ®) e rivaroxabana (Xarelto ®) - e por um inibidor direto da trombina, a dabigatrana (Pradaxa ®). Este tópico revisa as principais indicações e doses recomendadas dos DOACs para cada situação clínica, além de destacar cuidados no uso e possíveis eventos adversos.
Anticoagulação com DOACs
A anticoagulação em doses completas (ou anticoagulação plena) visa garantir a eficácia na prevenção e tratamento de eventos tromboembólicos. No tratamento de tromboembolismo venoso (TEV), rivaroxabana e apixabana necessitam de doses elevadas no início da terapia, enquanto dabigatrana e edoxabana requerem um período de anticoagulação com heparina. Na fibrilação atrial (FA), a prescrição inicial não precisa desses cuidados (tabela 1). Doses reduzidas podem ser indicadas em alguns casos de profilaxia ou em pacientes com maior risco de sangramento (veja ‘DOAC para profilaxia de tromboembolismo venoso’, abaixo).

Os DOACs são considerados medicamentos de primeira escolha em diversos cenários que exigem anticoagulação, especialmente na prevenção de AVC em pacientes com FA e no tratamento de TEV.
Prevenção de AVC em pacientes com FA
Pacientes com FA devem ser estratificados quanto ao risco de eventos tromboembólicos. A anticoagulação está indicada para aqueles classificados como de alto risco. Detalhes sobre a estratificação, incluindo o CHA₂DS₂-VASc (ou CHA₂DS₂-VA, segundo a nova diretriz europeia), podem ser encontrados na revisão "Fibrilação Atrial" e no tópico "Atualização sobre a Nova Diretriz de Fibrilação Atrial da ESC 2024".
Os DOACs são a primeira linha de tratamento para a prevenção de AVC na FA, exceto em estenose mitral reumática moderada ou grave e em pacientes com prótese valvar mecânica [1,2]. Nesses casos, a varfarina permanece como terapia padrão. Saiba mais no tópico "Varfarina: Bulário e Quando Preferir em Relação aos DOACs".
Tratamento de eventos tromboembólicos
Os DOACs também estão aprovados para o manejo de TEV, incluindo trombose venosa profunda (TVP) e tromboembolismo pulmonar (TEP) [3-8].
Esta revisão do Guia detalha os passos do diagnóstico e tratamento do "Tromboembolismo Pulmonar". A seleção do anticoagulante no TEP agudo depende da estratificação de risco de mortalidade [9]:
- Baixo risco: avaliar tratamento ambulatorial com DOAC.
- Moderado risco: internação e início de anticoagulação parenteral; após estabilização, pode-se avaliar a transição para DOAC.
- Alto risco: pacientes com instabilidade hemodinâmica devem ser avaliados para trombólise. A decisão de trombectomia é individualizada. Após estabilização, considera-se a transição para um DOAC.
Como apixabana e rivaroxabana não precisam de um período de anticoagulação com heparina, são opções para pacientes com TEP de baixo risco tratados sem internação hospitalar. Edoxabana e dabigatrana devem respeitar um período de cinco dias de anticoagulação com heparina, conforme as diretrizes da European Society of Cardiology (ESC) [9]. Em pacientes com TEV que utilizaram heparina e vão de alta com apixabana ou rivaroxabana, a ESC não se posiciona a respeito da necessidade de dose de ataque desses medicamentos e a prática varia entre profissionais [9,10].
Todos os pacientes que tiveram TEP devem receber pelos menos três meses de anticoagulação [9]. Após esse período, a manutenção da terapia é individualizada conforme o risco de recorrência. Alguns estudos mais recentes sugerem que pacientes com alto risco de recorrência de TEV sejam mantidos com dose reduzida de DOAC (apixabana 2,5 mg 12/12 h ou rivaroxabana 10 mg ao dia) [11,12,13]. Essa estratégia foi estudada após pelo menos seis meses de anticoagulação habitual e parece reduzir o risco de sangramento, mantendo a prevenção de TEV.
DOAC para profilaxia de tromboembolismo venoso
A profilaxia de TEV com DOACs é estudada em três cenários principais:
- Cirurgias ortopédicas (artroplastia de joelho e quadril).
- Hospitalizações de pacientes não cirúrgicos.
- Pacientes com neoplasia ativa.
Profilaxia de TEV em artroplastia de joelho e quadril
As artroplastias de joelho e quadril são procedimentos de alto risco de TEV. Para profilaxia, utilizam-se DOACs (apixabana, rivaroxabana ou dabigatrana), ácido acetilsalicílico (AAS) ou enoxaparina. A American Society of Hematology (ASH), em 2019, sugere a preferência por DOACs ou AAS para profilaxia após artroplastia de quadril ou joelho, embora com baixo nível de evidência [14].
Não há consenso sobre qual DOAC seria superior. As doses estudadas e mais habituais neste contexto incluem [15]:
- Apixabana: 2,5 mg de 12/12 h [16,17,18].
- Rivaroxabana: 10 mg/dia [19-22].
- Dabigatrana: 150 ou 220 mg/dia [23-26].
A profilaxia pode ser iniciada em até 12 horas após a cirurgia [27] e deve ser mantida por 10 a 14 dias. Em casos de artroplastia de quadril, pode-se prolongar esse período por até 30 a 35 dias de pós-operatório [14,27]. O tópico "Profilaxia de Tromboembolismo após Artroplastia Eletiva" aborda detalhes adicionais.
Profilaxia de TEV em pacientes clínicos internados
Pode haver benefício na profilaxia de pacientes clínicos hospitalizados. A decisão de iniciar anticoagulação profilática requer avaliação individual do risco de trombose. O Guia revisou esse tema no tópico "Profilaxia de Tromboembolismo no Paciente Internado".
Quando indicada, a primeira escolha para profilaxia farmacológica em pacientes clínicos é a enoxaparina [28,29,30]. Os DOACs não são os medicamentos de escolha neste contexto, mas podem ser considerados se houver contraindicação às heparinas, como na trombocitopenia induzida por heparina (HIT - Heparin-induced thrombocytopenia), revisada no tópico "Trombocitopenia Induzida por Heparina" [31-34].
Profilaxia ambulatorial de TEV em pacientes com neoplasia ativa
Neoplasias são fatores de risco significativos para TEV. A profilaxia farmacológica pode ser:
- Secundária: pacientes com história prévia de TEV, que devem manter profilaxia enquanto a neoplasia for considerada ativa.
- Primária: pacientes com neoplasia ativa que nunca tiveram TEV. Estes pacientes devem ser avaliados quanto ao risco de TEV.
A ASH sugere profilaxia primária com DOAC (apixabana ou rivaroxabana) em pacientes de risco intermediário ou alto pelo escore de Khorana [35-41]. Nesse cenário, foram estudadas as doses de rivaroxabana 10 mg ao dia e apixabana 2,5 mg duas vezes ao dia [42,43]. O tópico "Profilaxia Primária de Trombose no Paciente com Câncer" detalha o assunto.
Outros usos: doença arterial periférica e doença coronariana
Em pacientes com doença coronariana crônica ou doença arterial periférica, a combinação de AAS e rivaroxabana em baixa dose (2,5 mg de 12/12 h) reduziu eventos cardiovasculares maiores (MACE), porém com maior incidência de sangramentos em comparação ao uso isolado de AAS [44,45].
Doença coronariana crônica
As diretrizes de 2023 da American Heart Association (AHA) sugerem rivaroxabana em baixa dose associada à AAS em pacientes de alto risco isquêmico, desde que o risco de sangramento seja moderado a baixo [44,46,47]. Essa recomendação não deve ser aplicada a quem usa dupla antiagregação (exemplo, AAS e clopidogrel). São considerados de alto risco isquêmico os pacientes com doença coronariana multivascular e mais um dos fatores a seguir: diabetes, mais de um infarto prévio, doença arterial periférica, insuficiência cardíaca e doença renal crônica (ClCr < 60). O documento recomenda avaliar o risco de sangramento com calculadoras como PRECISE DAPT, DAPT e PARIS [48,49,50].
Doença arterial periférica

O tratamento de doença arterial periférica foi mais detalhado na revisão "Doença Arterial Periférica: Diretriz AHA/ACC 2024". A adição de rivaroxabana 2,5 mg de 12/12 h ao AAS pode reduzir eventos cardiovasculares e arteriais periféricos (como amputação e angioplastia), e é sugerida pelas diretrizes AHA/ACC [51]. O documento não especifica quais pacientes devem receber essa combinação, cabendo avaliar os critérios do estudo COMPASS e o risco individual de sangramento (tabela 2) [45,52,53]. Essa diretriz também recomenda a adição de rivaroxabana 2,5 mg de 12/12 h ao AAS para pacientes com revascularização cirúrgica ou endovascular de membro inferior recente, com base nos dados do estudo VOYAGER PAD [53].
Vantagens e cuidados com DOACs
Duas vantagens práticas dos DOACs sobre a varfarina e as heparinas são a administração por via oral e a ausência de necessidade de monitoramento laboratorial de rotina.
Sangramentos são eventos adversos comuns aos anticoagulantes. Sangramento maior deve ser tratado com reversor específico, se disponível. A reversão de apixabana e rivaroxabana é feita com alfa-andexanete e a da dabigatrana com idarucizumabe. Na ausência de agentes específicos, o complexo protrombínico de 4 fatores é uma opção [54]. Detalhes adicionais podem ser vistos em "Manejo de Sangramento Maior em Pacientes em Uso de Anticoagulante Oral".

Pacientes com disfunção renal e hepática devem ser avaliados individualmente quanto à necessidade de ajuste de dose. A tabela 3 resume as recomendações para pacientes com doença renal crônica. Na doença hepática, uma sugestão de uso conforme a gravidade é [55]:
- Child-Pugh A: sem necessidade de ajuste de dose.
- Child-Pugh B: não usar rivaroxabana; usar apixabana, edoxabana e dabigatrana com cautela.
- Child-Pugh C: não usar DOACs.
Pacientes em uso de DOACs devem ser orientados quanto a interações medicamentosas que podem aumentar o risco de eventos adversos. Os principais medicamentos que interagem com os DOACs estão na tabela 4 [56]. A rivaroxabana deve ser administrada junto a uma refeição, para maior biodisponibilidade [57].

Os DOACs devem ser evitados em gestantes. Os dados sobre segurança nessa situação são conflitantes, e alguns estudos demonstram aumento do risco de eventos adversos durante a gestação [58, 59, 60]. As diretrizes do American College of Chest Physicians sugerem anticoagulação com heparina de baixo peso molecular nesse cenário [2].