Consenso de Via Aérea Fisiologicamente Difícil

Criado em: 21 de Abril de 2025 Autor: João Mendes Vasconcelos Revisor: Nordman Wall

Pelo menos um evento adverso grave ocorre em 45% das intubações de pacientes críticos [1]. A alta incidência de complicações, mesmo que a intubação seja feita com sucesso na primeira tentativa, levou à caracterização da “via aérea fisiologicamente difícil” [2]. Esse conceito representa pacientes em condições fisiopatológicas que elevam significativamente a probabilidade de eventos adversos, por mais que a anatomia seja “fácil”. Um painel de especialistas publicou recomendações sobre via aérea fisiologicamente difícil seguindo o método Delphi em 2024 [3]. Esse tópico revisa esse documento.

Definição

Via aérea fisiologicamente difícil é aquela em que alterações fisiológicas e fisiopatológicas aumentam o risco de complicações durante a intubação e a transição para a ventilação com pressão positiva. Até hoje, a maioria das diretrizes abordou dificuldades anatômicas da via aérea.

Não existe uma definição consensual e precisa sobre quais condições caracterizam uma via aérea fisiologicamente difícil. As condições fisiopatológicas incluídas no conceito de via aérea fisiologicamente difícil no documento foram hipoxemia, instabilidade hemodinâmica, disfunção do ventrículo direito e elevação da pressão intracraniana. Do ponto de vista de modificações fisiológicas, os autores incluíram a obesidade e a gravidez. Acidose metabólica grave e alto risco de aspiração, apesar de agregarem morbidade ao período peri-intubação, não foram considerados como fatores de via aérea fisiologicamente difícil nessa publicação.

Os pacientes com via aérea fisiologicamente difícil são mais comumente encontrados no departamento de emergência ou na UTI. Além das condições do paciente, fatores logísticos e humanos contribuem com o elevado número de complicações nesses cenários [4].

Preparação da equipe e fatores humanos

O uso de checklists pré-procedimento pode contribuir com a redução de eventos adversos peri-intubação. Os dados não são definitivos, mas os checklists parecem ajudar mais quando incluem intervenções para otimização fisiológica e quando são utilizados por equipes menos experientes [5]. Exemplos de checklists para ter como base podem ser encontrados na internet em livre acesso (exemplos em EMCrit 176 – Updated EMCrit Rapid Sequence Intubation Checklist e Checklist for Intubation & Extubation)

Os autores indicam que a equipe deve ser composta por no mínimo três pessoas, sendo duas capazes de intubar e pelo menos uma delas experiente no manejo da via aérea. O número de complicações parece ser menor quando a equipe é composta por pelo menos duas pessoas capazes de manejar a via aérea [6]. Não há uma definição consensual sobre o que caracteriza um operador de via aérea experiente [7, 8].

As atribuições de cada membro da equipe e os planos em caso de falha devem ser verbalizados antes do procedimento, garantindo um modelo mental compartilhado. Realizar um debriefing após o procedimento pode reforçar atitudes positivas e melhorar o trabalho em equipe. O documento sinaliza que o treinamento dos profissionais envolvidos no processo deve abordar equipamentos, checklists, algoritmos de tratamento e incluir simulação

Pré-intubação e preparação

Tabela 1
Escore MACOCHA
Escore MACOCHA

Todo paciente que será submetido à intubação orotraqueal deve ser avaliado para possíveis fatores que agreguem risco ao procedimento. As escalas MACOCHA e HYPS são opções sugeridas pelo consenso [9, 10] (tabela 1 e tabela 2). Essas ferramentas consideram fatores além da anatomia, como dificuldades fisiológicas e a experiência de quem vai intubar. A monitorização mínima necessária para a intubação envolve pressão arterial não invasiva, eletrocardiograma contínuo e oximetria de pulso.  

Tabela 2
Escore HYPS
Escore HYPS

Dois estudos que avaliaram a administração de fluidos antes da intubação para prevenir deterioração cardiovascular foram negativos [11, 12]. Mesmo assim, os autores pontuam que essa intervenção pode ser considerada em alguns pacientes, como aqueles que têm sinais de fluido-responsividade. Veja mais em "Fluidos, Fluido-Responsividade e Fluido-Tolerância". O consenso destaca que a hemodinâmica deve ser otimizada antes da intubação, pontuando que vasopressores antes do procedimento podem evitar ou minimizar piora cardiovascular. Dois estudos estão em curso para avaliar essa intervenção. Veja mais em "Instabilidade Hemodinâmica na Intubação Orotraqueal", no subtópico 'Manejo de instabilidade hemodinâmica na IOT'.

Em relação à pré-oxigenação, a ventilação não invasiva é recomendada como método preferencial em pacientes com via aérea fisiologicamente difícil. Veja mais em "Atualização sobre Pré-Oxigenação: o Estudo PREOXI". A oxigenação apneica com cateter nasal de alto fluxo durante o procedimento em pacientes com via aérea fisiologicamente difícil é aceitável, assim como ventilações com dispositivo bolsa-válvula-máscara após a infusão das drogas e antes da laringoscopia. Veja mais em "Pré-oxigenação e Oxigenação Apneica na Intubação". Em pacientes difíceis de pré-oxigenar por comprometimento do estado mental, a intubação em sequência atrasada pode ser considerada [13].

O posicionamento do paciente com a cabeceira elevada a 30⁠º pode melhorar a pré-oxigenação, aumentando o tempo de apneia segura [14, 15]. O posicionamento do paciente durante a laringoscopia é mais controverso, sem definição clara sobre o efeito dessa posição na visualização da glote [16, 17, 18]. Apesar do assunto em aberto, os autores recomendam que a cabeceira elevada a 30⁠º (posição de semi-Fowler) seja adotada durante a laringoscopia de pacientes com via aérea fisiologicamente difícil. 

Durante a intubação

Não houve consenso sobre o uso de opioides durante a intubação. Alguns especialistas do painel indicam o uso de maneira cautelosa e titulada, enquanto outros sugerem evitar o uso completamente. Veja mais em “"Fentanil na Intubação de Sequência Rápida".

Quetamina e etomidato são os sedativos de preferência para intubações em vias aéreas fisiologicamente difíceis. Os autores destacam a segurança da quetamina em pacientes com hipertensão intracraniana. A melhor evidência sobre esse assunto vem de duas revisões sistemáticas que não encontraram diferença em desfechos clínicos com a quetamina nesse cenário [19, 20].

Propofol como sedativo isolado de indução anestésica deve ser evitado [21]. A mistura de propofol e quetamina (ketofol) é utilizada por alguns, mas não é padronizada ou aprovada para esse fim e os autores não fazem uma recomendação sobre. Os bloqueadores neuromusculares de escolha são succinilcolina e rocurônio. Veja mais em "Etomidato na Intubação de Sequência Rápida" e "Bloqueador Neuromuscular na Intubação Orotraqueal".

Os autores não se posicionam sobre aplicar ou não a pressão cricoide (manobra de Sellick) para evitar regurgitação, pois a evidência de benefício clínico é controversa. Porém, se a manobra prejudicar a visualização do laringoscopista, a pressão cricoide deve ser retirada. 

Idealmente, a videolaringoscopia deve ser empregada em todas as intubações de vias aéreas fisiologicamente difíceis. Não houve consenso quanto à geometria de lâmina recomendada. O consenso recomenda o uso de bougie ou de fio guia de rotina na primeira tentativa de todas as intubações, e não como recurso de resgate. Essas ferramentas podem aumentar a probabilidade de intubação bem sucedida na primeira tentativa. Veja mais em "Videolaringoscopia versus Laringoscopia Direta no Paciente Crítico" e “"Bougie e Via Aérea".

Pós-intubação e áreas de incerteza

Intubação esofágica não reconhecida é um fator de morbimortalidade importante e evitável [1, 22]. Várias diretrizes e sociedades recomendam a capnografia em forma de onda como padrão-ouro para confirmar a intubação traqueal, sendo orientado pelo consenso a visualização de pelo menos sete respirações consistentes com aumento do gás carbônico. Confirmada a intubação traqueal, o posicionamento do tubo na traqueia pode ser avaliado por ausculta, radiografia ou broncoscopia. Apesar do uso crescente de ultrassonografia para essa finalidade, os autores destacam a necessidade de mais evidências sobre essa prática.

O documento destaca áreas com falta de evidências que são prioridades para pesquisa. Entre elas, estão:

  • Definir o que é um “operador de via aérea experiente” e a relação entre treinamento, experiência e competências com os desfechos dos pacientes.
  • Avaliação crítica do papel dos opioides e das técnicas de intubação acordada.
  • Entender se existe algum papel para a pressão cricoide.
  • Avaliar o impacto da geometria da lâmina do videolaringoscópio com a probabilidade de intubar na primeira tentativa.
  • Delimitar cortes para fatores de risco, como hipoxemia e hipotensão, a partir dos quais os pacientes estão sob alto risco de eventos adversos.
     

Nutrição Enteral em Pacientes com Demência

Criado em: 21 de Abril de 2025 Autor: Joanne Alves Moreira Revisor: Raphael Coelho

Idosos com demência avançada frequentemente têm dificuldades para mastigar e engolir [1]. A terapia nutricional em pacientes em situações de terminalidade deve considerar as preferências do paciente, o potencial de benefício e os aspectos éticos envolvidos. Um estudo de coorte avaliou o uso de sondas para alimentação em pacientes com demência, publicado no JAMA Network Open em fevereiro de 2025 [2] Este tópico discute evidências sobre nutrição em fim de vida e as potenciais complicações associadas.

Definição de demência avançada e fim de vida

Não existe uma definição unificada de demência avançada. De maneira geral, demência avançada pode ser caracterizada como estágio de deterioração cognitiva profunda, no qual o paciente já não se comunica verbalmente, requer ajuda completa para todas as atividades da vida diária e apresenta mobilidade severamente limitada ​[3].

A definição de fim de vida nos pacientes com demência não é consensual [4]. Um painel internacional definiu o fim de vida como um processo marcado pelo declínio generalizado da condição física ou funcional. A progressão do declínio físico global ou a progressão aguda da carga de sintomas pode sinalizar aos profissionais de saúde, aos próprios indivíduos e aos familiares que o tempo de vida restante é limitado. Sintomas adicionais, como dispneia, ou declínio cognitivo são frequentemente observados [5]. Uma discussão maior sobre a caracterização de fim de vida pode ser vista no tópico "Antibióticos nos Cuidados Paliativos" no subtópico ‘Como identificar uma doença avançada e o fim de vida’.

Anorexia é um sintoma comum em idosos, com prevalência de até 20% em idosos frágeis e pré-frágeis [6, 7]. Pacientes com anorexia apresentam um risco maior de morte por todas as causas em comparação com pacientes sem anorexia [6, 8, 9]. Na população com demência, a anorexia pode ser intensificada por dificuldade de mastigação, depressão e uso de medicamentos que inibem o apetite [8]. A progressão de alteração do apetite até disfagia parece estar associada à progressão da demência [1].

A disfagia tem uma prevalência geral de 58% em pacientes com demência, variando conforme o tipo de demência (46% em Alzheimer e 34% em demência por Parkinson), o cenário (intra ou extra-hospitalar) e o método diagnóstico da disfagia [10]. Em pacientes hospitalizados, a prevalência varia de 41% até 86% em estudos com pacientes com Alzheimer e demências relacionadas [11-14].

Evidências sobre nutrição no paciente com demência no fim de vida

A decisão de iniciar a terapia nutricional enteral deve ser baseada na autonomia do paciente e no desejo da família. Não existem ensaios randomizados comparando a alimentação por sonda com a continuação da alimentação oral em demência avançada. A evidência disponível, derivada de estudos observacionais, não sugere que a alimentação por sonda alcance melhores resultados. O uso de gastrostomia percutânea e a oferta de nutrição enteral não se associaram a melhor a qualidade de vida e não reduziram o risco de broncoaspiração e a mortalidade [15, 16, 17] A implementação de um plano hospitalar de alimentação cuidadosa, envolvendo adaptações dos alimentos, técnicas de fornecimento da alimentação e plano dietético com nutricionista e fonoterapeuta, foi associada à redução do número de sondagens enterais em estudo de Hong Kong [18].

Estudos norte-americanos com pacientes com demência avançada em instituições de longa permanência encontraram que o uso de sondas para alimentação se associou a aumento do uso de recursos de saúde e a mortalidade [19-22]. Entre as complicações associadas ao uso de sondas para alimentação estão a obstrução e a remoção inadvertida da sonda. Em relação à gastrostomia percutânea, há risco de infecção, vazamento local e, mais raramente, fasciíte necrosante, sangramento e perfuração gástrica [23-27]. Pacientes com alimentação por sonda podem ter desconforto ou agitação, o que pode levar ao uso de contenção química ou física [28]. Existe, ainda, uma possível associação com lesões por pressão [15].

A American Geriatrics Society (AGS) recomenda não utilizar sondas para alimentação em idosos com demência avançada, preferindo a alimentação oral cuidadosa [29]. Esse posicionamento é reforçado em outras diretrizes [30, 31, 32].

O American College of Gastroenterology (ACG) considera a possibilidade de inserção de gastrostomia percutânea quando o objetivo é um dos seguintes [33, 34]:

  • Proporcionar melhora no cuidado pela família, com maior facilidade em fornecer nutrição, hidratação e medicamentos.
  • Facilitar a transferência do ambiente hospitalar para uma instituição de longa permanência (recomendação fraca, nível de evidência muito baixo). 

Dieta oral para conforto

Quando o paciente com demência avançada está sendo alimentado por via oral, a abordagem centrada na dieta oral para conforto deve ser utilizada. Nessa estratégia, os alimentos são fornecidos respeitando o desejo do paciente, com a intenção de promover o prazer com a alimentação, ao invés de alimentá-lo proativamente para atingir uma meta calórica específica. A dieta oral possibilita ao paciente saborear os alimentos e promove a interação com familiares e/ou cuidadores durante as refeições [35, 36].

Algumas intervenções não farmacológicas que podem ser associadas para facilitar a dieta oral para conforto são [37, 38, 39]:

  • Ajustes ambientais: músicas relaxantes, ajuste da iluminação e contraste visual, uso do aroma dos alimentos para estimular o apetite. 
  • Auxílio durante a alimentação: ajuda direta ou estímulo verbal constante por familiares ou cuidadores. 
  • Treinamento dos cuidadores: educação sobre nutrição e técnicas de alimentação.
  • Avaliação e acompanhamento com fonoterapia.

Outras intervenções

Uma revisão sistemática avaliou o uso de suplementos hipercalóricos em pacientes com demência [40]. Os autores encontraram evidências de qualidade moderada sugerindo que essa intervenção favorece o ganho de peso. Não há evidências robustas do benefício dos estimuladores de apetite (por exemplo, dronabinol, megestrol e ciproeptadina) quanto à melhora do apetite e ganho de peso [41]. A AGS, conforme os critérios de Beers, recomenda evitar o uso dessas medicações em idosos [42]. Veja mais em "Critérios de Beers de 2023 e Prescrição Segura em Idosos".

Resultados do estudo

O estudo publicado no JAMA Network Open foi uma coorte retrospectiva avaliando a incidência de uso de sondas para alimentação em 143.331 pacientes com mais de 65 anos com demência que foram hospitalizados. Os pacientes estavam em cuidados domiciliares ou em instituições de longa permanência. Os desfechos avaliados foram tempo de internação, necessidade de internação em UTI e mortalidade durante e após a hospitalização [2] O trabalho foi realizado no Canadá entre abril de 2014 e março de 2018.

Os pacientes tinham uma média de idade de 83,8 anos. Quando comparados aos pacientes que não utilizaram sonda para alimentação, aqueles que utilizaram sonda de alimentação apresentaram:

  • Probabilidade quatro vezes maior de serem admitidos na UTI (42% vs 10%).
  • Um tempo maior na UTI (média 27 vs. 4 dias) e no hospital (média de 66 vs. 15 dias).
  • Maior probabilidade de falecerem durante a internação (22% vs. 10%) e em um ano após a alta (50% vs. 28%).

A regressão logística encontrou que problemas de deglutição e maiores limitações funcionais estavam associados a uma maior probabilidade de receber uma sonda para alimentação. Idade mais avançada e possuir uma diretiva antecipada de não reanimação foram associados a uma menor probabilidade de receber uma sonda para alimentação.

Apesar das limitações de um desenho retrospectivo, os resultados se alinham com estudos prévios que não encontraram associação da nutrição enteral com melhora de desfechos. Os dados sugerem que os pacientes que recebem nutrição enteral são mais frágeis e estão mais próximos do fim de vida, reforçando o papel de diretivas antecipadas e de um plano de cuidados definido antecipadamente. 

Metotrexato para Doenças Auto-Imunes

Criado em: 21 de Abril de 2025 Autor: Renan Nascimento Revisor: João Mendes Vasconcelos

O metotrexato é um medicamento poupador de corticoide e modificador do curso de algumas doenças imunomediadas [1]. Seu potencial tóxico pode gerar insegurança na prescrição e no manejo de pacientes em uso do medicamento. Este tópico aborda as principais indicações, efeitos adversos e estratégias para manejo da toxicidade por metotrexato.

Indicações do metotrexato nas doenças reumáticas

O metotrexato (MTX) é um antagonista do ácido fólico que inibe etapas-chave da síntese de purinas e pirimidinas. Em doses semanais baixas, age como medicamento modificador do curso da doença (MMCD ou, na sigla em inglês, DMARD), levando à remissão clínica e radiológica de doenças autoimunes, reduzindo a necessidade de corticoides. O mecanismo de ação exato não é totalmente elucidado, mas acredita-se que o aumento da concentração de adenosina extracelular, que possui efeito anti-inflamatório, possa contribuir [2]

Inicialmente, o MTX foi usado em altas doses como agente citotóxico para leucemia linfoblástica aguda, linfoma primário do sistema nervoso central e neoplasias trofoblásticas gestacionais [3, 4, 5]. A partir da década de 1980, o medicamento começou a ser empregado com mais frequência em doenças autoimunes, considerando a sua eficácia, segurança relativa e custo acessível [6, 7]. Nessa aplicação, é utilizado principalmente nas seguintes condições [1]:

  • Artrite reumatoide.
  • Artrite idiopática juvenil.
  • Artrite psoriásica.
  • Dermatomiosite.
  • Arterite de células gigantes.
  • Sarcoidose.

O MTX pode ser administrado em monoterapia ou em associação com outros MMCDs, como hidroxicloroquina e leflunomida, ou com imunobiológicos [8]. Na artrite reumatoide, sua combinação com medicamentos anti-TNF reduz a formação de anticorpos anti-droga, otimizando a resposta terapêutica e minimizando eventos adversos [9]

Prescrição e cuidados clínicos

Prescrição

Devido aos potenciais efeitos colaterais, a dose padrão inicial nas doenças autoimunes é habitualmente de 15 mg via oral uma vez por semana, devendo ser gradativamente aumentada até a dose de 25 mg por semana, se necessário. A dose inicial pode ser menor em pacientes com menor peso, função renal comprometida e atividade da doença mais leve.

O MTX está disponível nas apresentações orais, subcutânea e intravenosa. O comprimido é de 2,5 mg e a forma subcutânea tem 25 mg/ml. Na artrite reumatoide, o paciente costuma ser avaliado em 3 meses para ponderar a eficácia do tratamento. Uma dose fixa de MTX pode demorar até 6 meses para atingir um estado de equilíbrio [10]. Em neoplasias, a dose pode ser mais elevada, a depender do protocolo oncológico adotado.

A suplementação de ácido fólico é obrigatória. Não há evidências robustas que demonstrem uma dose ideal. Na prática, a prescrição varia, podendo ser feito 5 mg uma vez por semana ou até diariamente [8].

Cuidados e interações

O metotrexato deve ser utilizado com cautela em pacientes com insuficiência renal. Está contraindicado quando a taxa de filtração glomerular é inferior a 30 mL/min. Para valores entre 30 e 45 mL/min, recomenda-se reduzir a dose em 50%. O MTX não é dialisável [11].

Pacientes do sexo feminino no período de menacme devem ser orientadas sobre métodos anticoncepcionais efetivos, já que o medicamento é considerado teratogênico. Devido à passagem pelo leite materno, também é contraindicado durante a amamentação [12].
 
Dentre os efeitos colaterais, os sintomas gastrointestinais como náusea, vômitos, diarreia e mucosite são os mais comuns [13]. O fracionamento da dose pode ajudar a aliviar esses sintomas, por exemplo, dividindo a quantidade de comprimidos ao longo do dia em que o medicamento for administrado na semana. A dose não deve ser fracionada em dois ou mais dias por semana, porque essa posologia é mais tóxica [14]. Um estudo recente encontrou que a ingestão do medicamento com alimentos ricos em cafeína atenuou esses sintomas [15]. A tabela 1 expõe alguns efeitos colaterais possíveis associados ao MTX [13].

Tabela 1
Eventos adversos associados ao metotrexato
Eventos adversos associados ao metotrexato

  
O aumento de risco de infecções em pacientes em uso de MTX já foi estudado e parece pequeno e sem impacto em infecções graves [16, 17]. No entanto, a partir de doses como 20 mg por semana, pode ocorrer diminuição da resposta à vacinação. A partir dessa dose, vacinas com vírus vivo atenuado devem ser evitadas. Em pacientes que estão com a doença reumática bem controlada, a interrupção por 2 semanas para a vacinação com vacinas de agentes inativos (como influenza e SARS-CoV-2) deve ser encorajada [18, 19].

A interrupção do medicamento em pacientes com infecção ainda é um tema sem consenso. Deve-se ponderar a gravidade do quadro infeccioso, o grau de atividade da doença autoimune e o potencial risco de interações medicamentosas com os antimicrobianos (tabela 2) [20]. Em geral, o medicamento costuma ser suspenso em infecções que necessitam de internação. Nas infecções leves com baixo potencial de gravidade (exemplo, faringite ou cistite), pode-se considerar manter o MTX.

Tabela 2
Interações medicamentosas com o metotrexato
Interações medicamentosas com o metotrexato

Em relação ao período perioperatório, a diretriz do American College of Rheumatology/American Association of Hip and Knee Surgeons de 2022 recomenda que o medicamento seja mantido em pacientes que realizarão artroplastia eletiva de quadril ou joelho [21].

O MTX pode interagir com algumas drogas, dispostas na tabela 2 [22]. A interação com sulfametoxazol-trimetoprima é relevante quando o antibiótico é prescrito na dose de tratamento, mas é habitualmente tolerado em pacientes em dose de profilaxia (três vezes por semana) [23, 24, 25].

Monitorização

Os exames indicados antes do início do tratamento e para o monitoramento dos pacientes ainda são motivo de debate. No entanto, há consenso quanto à necessidade de acompanhar provas de lesão hepática (como transaminases), hemograma e função renal ao longo do tratamento. Alguns solicitam uma radiografia de tórax antes do início do tratamento para avaliar a presença de intersticiopatia pulmonar [1]. Uma diretriz de 2025 conduzida pela Sociedade Brasileira de Reumatologia indica a realização de prova tuberculínica (PPD) antes do tratamento com MTX [26]. O Ministério da Saúde do Brasil (através do Manual de Recomendações e Controle da Tuberculose no Brasil 2⁠ª edição) e a Organização Mundial da Saúde não explicitam essa indicação [27, 28].

Intoxicação por metotrexato e pneumonite

Apesar de raro, o MTX pode levar à intoxicação com sintomas ameaçadores à vida, com uma mortalidade de 12% [29]. Em pacientes de risco, como aqueles com mais de 80 anos, doença renal crônica ou doença hepática preexistente, a não suplementação de ácido fólico e a superdosagem foram os principais fatores associados à intoxicação [1]. Alguns casos de intoxicação ocorrem por confusão com a tomada semanal, tomando o medicamento inadvertidamente todos os dias, motivo pelo qual a posologia semanal deve ser enfatizada [30].

Um estudo retrospectivo encontrou que os principais sintomas de intoxicação foram mucosite, febre, infecções (como pneumonia) e púrpura na entrada do pronto-socorro [29]. A mielossupressão é uma complicação potencialmente grave da intoxicação e confere risco aumentado de infecções oportunistas. A dosagem de MTX sérico auxilia a confirmar o diagnóstico da intoxicação, no entanto, pelo acesso limitado, acaba sendo pouco utilizado na prática e o diagnóstico costuma ser feito pelo contexto e exclusão de outras causas.

Após o diagnóstico de intoxicação, o MTX deve ser suspenso e o ácido folínico (leucovorin®) é o agente de escolha para o tratamento. Esse agente é utilizado primariamente para prevenir toxicidade grave em infusões de altas doses de MTX, em protocolos que se guiam pelo nível sérico de MTX. Na intoxicação por uso de baixas doses de MTX, não existe papel claro para a posologia baseada em nível sérico e doses empíricas variando de 15 a 25 mg a cada 6 horas via intravenosa são utilizadas [31]. O ácido folínico costuma ser mantido até a resolução da pancitopenia, redução das transaminases e melhora do quadro clínico (estomatite e demais sintomas gastrointestinais). Em pacientes com insuficiência renal associada, a glucarpidase é uma enzima que reduz rapidamente as concentrações séricas de MTX [32]. Apesar de ser autorizada pelo Federal and Drug Administration (FDA), não se encontra disponível no Brasil.

A pneumonite induzida por MTX é uma complicação pulmonar rara, mas potencialmente grave, sendo considerada uma reação de hipersensibilidade. O quadro clínico é variável, podendo se apresentar como leve dispneia ou até como síndrome do desconforto respiratório do adulto (SDRA) grave com necessidade de ventilação invasiva. Não há um padrão tomográfico ou histopatológico patognomônico. O tratamento envolve suspender a droga e medidas de suporte de forma precoce [33]. Apesar da pneumonite como efeito adverso agudo, trabalhos recentes questionam a relação do metotrexato com fibrose pulmonar crônica. Existe uma diminuição do risco de intersticiopatia pulmonar em pacientes com artrite reumatoide usuários de MTX [34, 35]. No caso em que pacientes com artrite reumatoide sejam diagnosticados com pneumopatia crônica, a interpretação provável é de manifestação extra-articular da artrite reumatoide. O MTX pode ser usado em pacientes com fibrose pulmonar leve a moderada. Nos casos graves, evita-se o uso pelo risco de pneumonite aguda em um pulmão com pouca ou nenhuma reserva funcional.