Sondagem Vesical e Retenção Urinária no Paciente Internado

Criado em: 05 de Maio de 2025 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno Revisor: Nordman Wall

A retenção urinária aguda é uma complicação urológica que pode acometer mais de 10% dos homens acima de 70 anos [1]. Cuidados apropriados com cateter vesical em pacientes internados podem reduzir custos e infecções associadas a esse dispositivo [2] Um novo algoritmo proposto para avaliação de pacientes internados em uso de cateter vesical foi publicado no JAMA Network Open em julho de 2024 [3]. Este tópico aborda o diagnóstico e o manejo de retenção urinária e uso de cateter vesical no paciente internado.

Diagnóstico de Retenção Urinária

Os principais sintomas de retenção urinária aguda (RUA) são dor vesical, sensação de bexiga cheia, urgência para urinar e incontinência nova. Apesar do quadro clínico, a condição pode ser de difícil diagnóstico, pois até 25% dos pacientes com RUA podem não ter sensação de bexiga cheia [4]. A RUA está relacionada com lesão renal aguda e infecção do trato urinário e ocorre em até 25% dos pacientes no pós-operatório [5].

As causas de RUA podem ser divididas em espontâneas ou precipitadas [6]. A apresentação mais comum é a RUA espontânea relacionada à hiperplasia prostática benigna [7, 8]. A importância dessa diferenciação é que a RUA com precipitantes necessita com menor frequência de abordagem cirúrgica para resolução.

Dos fatores precipitantes, os mais comuns são cirurgias recentes, medicamentos, uso de álcool recente, infecção urinária, constipação e mielopatias. Algumas etiologias são exclusivas das mulheres, como obstruções por estruturas pélvicas (como prolapso uterino) e a síndrome de Fowler. Outras causas estão na tabela 1 [7, 8, 9].

Tabela 1
Etiologias de retenção urinária aguda.
Etiologias de retenção urinária aguda.

Neoplasias podem causar RUA. Além de câncer de próstata, frequentemente considerado por conta da proximidade anatômica, outros tumores relacionados são as neoplasias de bexiga, de intestino (ocasionando fecaloma), do trato genital feminino (com efeito de massa pélvica) e neurológicas, principalmente com acometimento medular [10].

O diagnóstico é confirmado pelo volume quantificado por sondagem vesical ou ultrassonografia. Não há consenso sobre o volume exato para confirmar uma retenção urinária. O valor com melhor acurácia para predizer risco de evolução para infecção urinária é 180 ml [11]. Exemplos de valores de corte utilizados para o diagnóstico são a saída de 200 ml após sondagem vesical ou a estimativa de 300 ml pela ultrassonografia. 

Estimativa do volume vesical por ultrassonografia

Para estimar o volume vesical pela ultrassonografia, deve-se visualizar a bexiga em dois planos: longitudinal e transversal. O transdutor curvilíneo deve ser colocado na linha média do paciente, logo acima da sínfise púbica, com o indicador apontando no sentido cefálico. O transdutor deve ser direcionado para o interior da cavidade pélvica, já que a bexiga se localiza atrás da sínfise púbica. Nessa posição, visualiza-se um corte longitudinal da bexiga, utilizado para aferir a altura do órgão. Após essa janela, deve-se girar o transdutor em 90 graus e obter a visão transversal. Nesse plano, registram-se os valores de largura e profundidade da bexiga. 

Com as medidas registradas, a fórmula para estimar o volume da bexiga é:

Altura x largura x profundidade x constante.

A constante pode variar a depender do formato da bexiga do paciente (cuboide, esférica, triangular). Caso não seja possível inferir o formato, deve-se utilizar 0,72 como constante [12]. Nesse site é possível encontrar imagens e uma calculadora para auxiliar na medição.

Sondagem vesical como tratamento para retenção urinária aguda

O tratamento de RUA envolve a descompressão da bexiga e o tratamento da etiologia. Existem três maneiras de realizar a drenagem da bexiga: 

  • Cateter vesical de demora ou de longa permanência, por via uretral: usado em pacientes com retenção urinária grave e obstrução da via urinária e naqueles hemodinamicamente instáveis para quantificação de diurese. Chamado também de cateter de Foley. Esse cateter possui um balão inflável na extremidade distal para mantê-lo fixo na bexiga.
  • Cateter vesical de alívio ou intermitente: realizado por via uretral, somente nos momentos programados para esvaziamento vesical. É uma alternativa ao cateter vesical de demora em paciente com retenção crônica. O cateter é fino e flexível, sem balão inflável, sendo retirado após o término da drenagem.
  • Drenagem suprapúbica: utiliza o mesmo cateter de Foley, porém após uma punção suprapúbica. 

No contexto de RUA, os cateteres por via uretral são os recomendados [13]. Opta-se por drenagem suprapúbica quando o paciente apresenta falha da passagem por via uretral ou possui contraindicação a procedimentos uretrais (como cirurgias uretrais recentes e anormalidades anatômicas). Essas contraindicações não são absolutas, mas indicam que o paciente necessita da avaliação de um urologista antes da tentativa de passagem de sonda uretral.    

Entre os cateteres uretrais, a preferência é que sejam passados cateteres de alívio. O cateter de demora é a primeira opção em casos de lesão renal aguda (para estimar com precisão o débito urinário e não agravar a disfunção renal em caso de nova obstrução) ou infecção urinária [13].

As principais complicações da sondagem vesical de pacientes com RUA são: 

  • Sangramento: pode ocorrer em 11% dos pacientes. Essa incidência não difere se o paciente realiza a drenagem completa na primeira sondagem ou se faz uma drenagem gradual [14].
  • Infecção urinária: veja mais em "Infecção do Trato Urinário Associada a Cateter Vesical".
  • Poliúria pós-obstrução: definida por diurese superior a 200 mL por hora durante 2 horas consecutivas ou mais de 3 litros de urina em 24 horas [15]. Após a desobstrução, o paciente deve ser monitorado para o desenvolvimento dessa complicação. Hipovolemia e distúrbios hidroeletrolíticos podem se desenvolver.
  • Lesão de uretra pelo balonete: ocorre quando o balonete é insuflado antes da confirmação de estar na bexiga (saída espontânea de urina ou irrigando e aspirando com uma seringa) [16].
  • Falso trajeto: a sonda perfura a uretra e faz um trajeto que não leva à bexiga. Ocorre principalmente em pacientes com trauma local. Sangramento em grande quantidade é um alerta para essa complicação. Na suspeita, deve-se retirar a sonda e solicitar avaliação da urologia [16].
  • Espasmo da bexiga: pode ocorrer devido a um balonete maior do que o necessário ou problemas no circuito. O paciente pode necessitar de uma sonda de tamanho menor ou terapia antiespasmódica com medicamentos para pacientes com bexiga hiperativa [13].
  • Vazamento de urina ao redor da sonda: secundário a espasmo da bexiga ou a uma obstrução no cateter [13].

Quando retirar a sonda vesical

A necessidade da sonda vesical de demora deve ser revista frequentemente e o dispositivo deve ser retirado assim que possível, visando reduzir a taxa de infecção associada ao cateter [17]. Veja mais em "Infecção do Trato Urinário Associada a Cateter Vesical". 

Quando a RUA é associada à hiperplasia prostática benigna, a administração de alfa bloqueador por 48 horas aumentou a chance de sucesso de retirada da sonda vesical [18].

O treino vesical com clampeamento do cateter antes da remoção não é recomendado, por poder elevar a incidência de infecção do trato urinário e prolongar o tempo até a primeira micção, especialmente em pacientes que usaram o cateter por menos de 7 dias [19].

Os principais fatores relacionados à reincidência de RUA após a retirada da sonda vesical são [8]:

  • Idade acima de 70 anos.
  • Próstata ≥ 50 g.
  • Drenagem de mais de 1000 ml na cateterização prévia. 
  • Sintomas do Trato Urinário Inferior avaliado pelo escore internacional de sintomas prostáticos (IPSS, na sigla em inglês) acima de 20 pontos. 

Aos pacientes que falham na tentativa de retirada de sonda vesical, uma nova tentativa em alguns dias apresenta uma taxa de sucesso perto de 30% [8]. Aos que falham a segunda tentativa, pode ser necessária uma cirurgia se a etiologia da RUA for hiperplasia prostática. O paciente pode ir para casa com sondagem e realizar a cirurgia de maneira eletiva [20]. Um tempo prolongado de cateterismo está relacionado com maior chance de infecção urinária [8]

Os pacientes que vão para casa com o cateter vesical devem receber algumas orientações:

  • Higienizar as mãos antes de manusear a sonda vesical.
  • Deixar o saco coletor abaixo da cicatriz umbilical, para evitar refluxo de urina.
  • Esvaziar o saco coletor quando o volume estiver próximo da metade.
  • Trocar o cateter periodicamente. O tempo não é consensual, mas é comum recomendar a troca a cada 4 semanas [16]

Algoritmo de abordagem ao paciente com retenção urinária aguda

Fluxograma 1
Abordagem à retenção urinária aguda.
Abordagem à retenção urinária aguda.

O documento [3] cria um algoritmo para responder três perguntas (fluxograma 1):

  • Quando sondar o paciente com suspeita de RUA?
  • Quais pacientes têm risco de uma cateterização difícil?
  • Como decidir entre uma sonda vesical de alívio ou de demora?

Quando sondar o paciente com suspeita de retenção urinária aguda?

Há duas situações principais em que se deve considerar sondar o paciente: quando existem sintomas de retenção urinária ou quando não ocorre diurese espontânea após a retirada de uma sonda vesical. Em ambas as situações, o documento recomenda a ultrassonografia para estimar o volume vesical. Se a estimativa de volume for de pelo menos 300 ml em pacientes sintomáticos ou 500 ml em assintomáticos sem diurese há mais de 4 horas, deve-se realizar a cateterização vesical. Pode ser utilizada a sondagem vesical de alívio ou a sondagem vesical de demora. 

Se não houver ultrassonografia no serviço, o documento não define recomendações sobre como proceder ou qual sondagem utilizar para pesquisa de retenção urinária. 

Quais pacientes têm risco de uma cateterização difícil? 

Os fatores de risco para sondagem difícil podem ser divididos em dois tipos: aqueles em que a sondagem pode ser tentada por uma enfermeira experiente e aqueles que necessitam de avaliação de um urologista antes da tentativa. 

Segundo os autores, os fatores que indicam cateterização difícil, mas que não necessitam de avaliação de um urologista antes da tentativa são:

  • Histórico de inserção difícil de cateter. 
  • Sexo masculino com mais de 55 anos, com próstata aumentada ou com histórico de câncer de próstata.
  • Histórico de prolapso do assoalho pélvico ou cirurgia de suporte da bexiga.

Esses pacientes devem ser submetidos à sondagem vesical por uma enfermeira com experiência em passagens difíceis. Deve-se perguntar ao paciente o que funcionou na última vez, como tamanho e tipo de sonda. 
Os pacientes que necessitam de avaliação do urologista antes de tentar a sondagem são os seguintes:

  • Cirurgia ou trauma recente na bexiga, uretra ou próstata, ou prostatite.
  • Histórico de estenose uretral, falso trajeto ou neobexiga.
  • Histórico de cirurgia reconstrutiva do trato geniturinário.
  • Esfíncter urinário artificial.

Como decidir entre uma sonda vesical de alívio ou de demora?

O documento traz que a maioria dos médicos perguntados prefere iniciar com a sonda vesical de alívio primeiro. A troca da sonda de alívio por uma de demora pode ser realizada nos seguintes casos:

  • Pedido do paciente, como em pacientes que vão de alta com sonda e não conseguem fazer o cateterismo de alívio em casa.
  • Pacientes que estão necessitando de sondagem em intervalos menores que 4 horas.
  • Pacientes com grandes volumes de repetição, como diurese maior que 500 ml a cada 4 horas.

Síndrome de Abstinência Alcoólica

Criado em: 05 de Maio de 2025 Autor: Aline Campos Revisor: Frederico Amorim Marcelino

A síndrome de abstinência alcoólica pode ocorrer em até 14% dos pacientes que sofrem de transtornos por uso de álcool [1]. Este tópico aborda diagnóstico, gravidade, manejo e prevenção deste quadro. 

O Guia já abordou o transtorno por uso de álcool nos tópicos "Transtorno por uso de álcool: diagnóstico, tratamento e uso de baclofeno" e "Semaglutida para Transtorno por Uso de Álcool"

Apresentação clínica

A síndrome de abstinência alcoólica ocorre após a cessação ou redução abrupta, de forma intencional ou não, do consumo intenso e prolongado de álcool [2]. A exata quantidade e duração do uso de álcool necessários para desenvolver a síndrome não é precisa e varia entre indivíduos. O rastreamento do consumo de álcool em níveis de risco pode ser feito via questionários como o CAGE (alterado quando se responde “sim” para pelo menos duas perguntas) e AUDIT (em geral, positivo com pontuação > 8).

Tabela 1
Manifestações clínicas e diagnósticos diferenciais da síndrome de abstinência alcoólica.
Manifestações clínicas e diagnósticos diferenciais da síndrome de abstinência alcoólica.

Os sinais e sintomas da síndrome de abstinência podem ser neurológicos, psiquiátricos ou causados por hiperativação autonômica e estão descritos na tabela 1 [3, 4]. Dentre as manifestações neurológicas, três se destacam por terem características próprias e estarem associadas a quadros mais graves:

  • Alucinose alcoólica: quadro de alucinações que podem ser visuais, táteis e/ou auditivas, que surge entre 12 a 24 horas após a cessação da ingesta alcoólica e se resolve em 24 a 48 horas [5]. Rebaixamento do nível de consciência ou alteração de sinais vitais são incomuns. Ou seja, em geral, a alucinose alcoólica precede o delirium tremens.
  • Convulsões: geralmente tônico-clônicas generalizadas, de curta duração e com curto período pós-ictal. Podem ser precoces na apresentação (a partir de 6 horas da cessação) e, em geral, se resolvem em até 48 horas [3, 6, 7]. O estado de mal epiléptico é raro [8].
  • Delirium tremens: manifestação de início mais tardio (> 72 horas) representado por um quadro de delirium (alteração de nível de consciência, déficit de atenção, confusão mental) associado à hiperativação autonômica excessiva (taquicardia, hipertermia, sudorese), alucinações e agitação psicomotora. A mortalidade pode chegar a 20%, especialmente relacionada à hipertermia, arritmias cardíacas ou complicações das convulsões [8, 9]. Pode durar de 7 a 14 dias.

A cronologia da apresentação clínica está representada na figura 1.

Figura 1
Cronologia da apresentação da abstinência alcoólica.
Cronologia da apresentação da abstinência alcoólica.

Pela variedade da apresentação clínica e presença de sintomas inespecíficos, existem diversos diagnósticos diferenciais para o quadro [4]. A tabela 1 organiza os principais diagnósticos diferenciais e características que podem auxiliar nesta diferenciação.

Diagnóstico e avaliação de gravidade

O diagnóstico é baseado em sinais e sintomas e pode ser feito com base nos critérios apresentados pelo DSM-V (tabela 2). O critério não determina uma quantidade de consumo em gramas de álcool por dia que se relacione diretamente com a ocorrência da síndrome.

Tabela 2
Critérios para o diagnóstico de abstinência alcoólica segundo DSM-V.
Critérios para o diagnóstico de abstinência alcoólica segundo DSM-V.

Existem ferramentas que auxiliam na estratificação da gravidade da abstinência alcoólica. A Clinical Institute Withdrawal Assessment for Alcohol (CIWA-AR) é a mais conhecida, graduando a abstinência a partir da pontuação em [11]:

  • Muito leve, se < 10 pontos.
  • Leve, entre 10 a 15 pontos.
  • Moderada, entre 16 a 20 pontos.
  • Grave, se > 20 pontos.

O CIWA-AR não é uma ferramenta diagnóstica e está disponível aqui.

Fluxograma 1
Manejo de abstinência alcoólica.
Manejo de abstinência alcoólica.

A estratificação de gravidade auxilia na escolha do tratamento inicial e na decisão de necessidade de internação e local da internação. Pacientes com CIWA-AR muito leve e leve podem ser considerados para acompanhamento ambulatorial. Já pacientes com pontuação moderada e grave são candidatos à internação hospitalar, sendo recomendado internação em UTI no caso dos graves. A ferramenta também auxilia na reavaliação desses pacientes, podendo ser repetida em intervalos a depender da gravidade. O fluxograma 1 organiza o manejo da síndrome de abstinência alcoólica com base no CIWA-AR.

Manejo e tratamento de suporte

O manejo da síndrome depende de anamnese e exame físico dirigido para os diagnósticos diferenciais. As condições da tabela 1 podem ser confundidores ou coexistirem com a síndrome de abstinência alcoólica. Por exemplo, o paciente pode ter cessado a ingesta de álcool abruptamente por uma condição subjacente, como trauma craniano, hepatite ou sepse [5]. Nesse cenário, as manifestações da síndrome de abstinência e da condição que levou à redução da ingesta se misturam no quadro clínico.

Terapia de suporte

  • Deficiência de tiamina: a reposição é recomendada como profilaxia para a encefalopatia de Wernicke, especialmente em pacientes que receberão aporte de glicose. A dose diária recomendada é discutida na literatura. Em geral, administra-se de 100 a 500 mg via intravenosa, durante 3 a 5 dias [11, 12, 13]. A tiamina está comumente reduzida nos pacientes com síndrome de abstinência alcoólica [14].
  • Distúrbios hidroeletrolíticos: hipocalemia, hipomagnesemia e hipofosfatemia são comumente encontrados em pacientes com uso crônico e abusivo de álcool [15, 16, 17]. Esses distúrbios devem ser pesquisados e corrigidos, se necessário. Não é recomendada a reposição empírica [13, 14].
  • Hipovolemia: comum à apresentação, sendo recomendado otimizar o grau de hidratação com fluidos intravenosos, se necessário [13, 14].

Tratamento farmacológico

Uma estratégia recomendada para o tratamento farmacológico é a terapia guiada por sintomas [13]. Nessa abordagem, a medicação é administrada conforme a presença e a gravidade de sintomas e ajustada conforme reavaliações, ao invés de uma dose fixa recorrente. Em estudos randomizados, a terapia guiada por sintomas possui desfechos equivalentes e/ou superiores ao uso de doses fixas quanto ao controle dos sintomas de abstinência grave, requer doses totais menores de sedativos, e resulta em menor tempo de internação em UTI, de ventilação mecânica e de hospitalização [18, 19].

Em pacientes com sintomas graves e/ou CIWA-AR ≥ 20, pode-se ainda utilizar a abordagem adicional de front-loading. Nessa estratégia, doses moderadas a altas de um agente de ação prolongada (por exemplo, 20 mg de diazepam) são administradas com frequência no início do tratamento, para obter controle rápido dos sinais e sintomas de abstinência [13].

  • Benzodiazepínicos: considerados primeira linha de tratamento [13], controlam agitação psicomotora, reduzem progressão para sintomas graves e ocorrência de delirium tremens e convulsões [20]. Diazepam, midazolam, lorazepam, clordiazepóxido e oxazepam são opções [5]; Há mais dados na literatura sobre diazepam e lorazepam. O diazepam apresenta início de ação mais rápido e meia-vida mais longa, facilitando a avaliação da resposta e titulação de dose. No entanto, possui metabólito de excreção renal e hepática, favorecendo a escolha de lorazepam se existir disfunção renal ou hepática [5, 21].
  • Barbitúricos: o principal medicamento estudado desse grupo é o fenobarbital (Gardenal®). Alguns autores sugerem o uso em monoterapia [5], baseado em estudos nos quais a comparação com os benzodiazepínicos resultou em equivalência nos desfechos [22 - 25]. No entanto, a indicação mais consensual na literatura está em utilizá-lo como medicação de escolha em pacientes com abstinência grave e refratários aos benzodiazepínicos [5]. A definição de refratariedade não é precisa. Pode ser considerada refratariedade se forem administradas doses maiores do que 50 mg de diazepam ou 10 mg de lorazepam na primeira hora ou mais do que 200 mg de diazepam ou 40 mg de lorazepam nas primeiras três horas de tratamento, sem controle dos sintomas. As doses recomendadas de fenobarbital estão descritas no algoritmo do fluxograma 1. O fenobarbital também está indicado nos casos de convulsões reentrantes ou estado de mal epiléptico que não responderam aos benzodiazepínicos. O fenobarbital é o medicamento de escolha nesses casos, em detrimento da fenitoína, comumente utilizada nos demais cenários [14, 26, 27].
  • Outras medicações: existe descrição do uso de outras medicações, como propofol (nos casos de pacientes com abstinência grave que necessitam de intubação) [28], quetamina e dexmedetomidina. Gabapentina e carbamazepina podem ser utilizadas como adjuvantes, especialmente nos pacientes com abstinência leve [13].

Prevenção

Pacientes com transtorno de uso de álcool possuem risco aumentado de desenvolver síndrome de abstinência alcoólica quando internados. Nenhum sinal ou sintoma isoladamente parece capaz de predizer o risco de desenvolvimento da síndrome de forma significativa [29].

Tabela 3
PAWSS - Escala de Previsão de Gravidade de Abstinência Alcoólica.
PAWSS - Escala de Previsão de Gravidade de Abstinência Alcoólica.

No entanto, a escala de previsão de gravidade de abstinência alcoólica (PAWSS, da sigla em inglês) pode ser aplicada e possui bom desempenho para prever o desenvolvimento da síndrome (sensibilidade de 93% e especificidade de 99%). A escala está representada na tabela 3. Pacientes com 4 pontos ou mais na escala PAWSS possuem alto risco de desenvolver a síndrome e se beneficiam de profilaxia farmacológica [13]. Opções de fármacos e suas dosagens estão listadas na tabela 4.

Tabela 4
Profilaxia farmacológica para a síndrome de abstinência alcoólica.
Profilaxia farmacológica para a síndrome de abstinência alcoólica.

Novo Consenso de Choque Cardiogênico

Criado em: 05 de Maio de 2025 Autor: Lucca Cirillo Revisor: João Mendes Vasconcelos

O choque cardiogênico ocorre quando um insulto cardíaco reduz o débito cardíaco e resulta em hipoperfusão orgânica. Esse tema foi abordado no Guia em "Choque Cardiogênico e Dispositivos de Assistência Circulatória". Um novo consenso do Colégio Americano de Cardiologia (ACC) [1], publicado em março de 2025, motivou uma atualização dos principais pontos do diagnóstico e manejo deste tema. 

Avaliação inicial e nível de cuidado

A etiologia do choque cardiogênico pode ser dividida em quatro grupos segundo o Shock Academic Research Consortium (SHARC) [2]:

  • Infarto agudo do miocárdio (IAM)
  • Insuficiência cardíaca: categoria que engloba pacientes com disfunção ventricular primária que não estejam no contexto de IAM. Inclui indivíduos com disfunção miocárdica aguda e aqueles com cardiomiopatia crônica agudizada, isquêmica ou não isquêmica; 
  • Pós-cardiomiotomia: habitualmente no período perioperatório;  
  • Secundária: condições que não são primariamente do miocárdio, mas que causam disfunção ventricular. Inclui arritmias, doenças valvares e doenças pericárdicas. 

A identificação precoce do estado de choque cardiogênico é crucial para iniciar condutas e intervenções que impactarão nos desfechos. Os critérios mais utilizados para o diagnóstico de choque cardiogênico incluem hipotensão associada à evidência de congestão ou diminuição do débito cardíaco. Veja mais em "Choque Cardiogênico e Dispositivos de Assistência Circulatória". A diretriz ressalta que esses critérios falham em identificar o paciente com choque cardiogênico normotensivo, condição associada com aumento de mortalidade [3,4].  

Sintomas, exame físico e sinais vitais fornecem grande parte das variáveis que serão utilizadas no diagnóstico de choque cardiogênico. Hipotensão, taquicardia e pressão de pulso reduzida (< 25% da pressão sistólica) devem levantar a suspeita de choque cardiogênico. Após a suspeita clínica, a avaliação deve ser complementada com função renal, eletrólitos, gasometria, lactato, marcadores de lesão hepática, troponina e peptídeo natriurético (BNP). O eletrocardiograma (ECG) deve ser realizado em todos os pacientes com suspeita diagnóstica. Achados de isquemia aguda (especialmente supradesnivelamento de ST) devem acelerar a realização de angiografia coronariana por cateterismo. Se estiver disponível, a ecocardiografia transtorácica ou uma avaliação cardíaca ultrassonográfica à beira leito (POCUS cardíaco) estão recomendados. Veja mais neste vídeo sobre avaliação cardíaca com POCUS. A diretriz propõe o mnemônico SUSPECT para resumir os principais componentes da avaliação inicial do choque cardiogênico e auxiliar no diagnóstico e manejo, resumidos na tabela 1.

Tabela 1
Componentes da avaliação inicial do choque cardiogênico - mnemônico SUSPECT.
Componentes da avaliação inicial do choque cardiogênico - mnemônico SUSPECT.

O diagnóstico inicial não requer avaliação hemodinâmica avançada/invasiva (como pressão de oclusão da artéria pulmonar, aferida por cateter de artéria pulmonar/Swan-Ganz). Contudo, quando presente, a avaliação hemodinâmica invasiva é útil para esclarecer o grau de envolvimento ventricular e o perfil volêmico do paciente. Algumas evidências sugerem que obter a avaliação completa do perfil hemodinâmico do paciente está associada com menor mortalidade intra hospitalar [5,6]. A diretriz da ACC recomenda integrar parâmetros invasivos e não invasivos para obter uma avaliação precisa do fenótipo do choque cardiogênico. 

A diretriz classifica o serviço de saúde em níveis de cuidado para pacientes em choque cardiogênico. Serviços de nível 1 dispõem de todos os aspectos do cuidado envolvido no choque cardiogênico, incluindo unidades de cuidado intensivo especializadas, dispositivos de assistência circulatória e equipes de transplante cardíaco. Serviços de nível 2 e 3 são de menor complexidade e devem identificar centros de nível 1 para possíveis transferências e interconsulta a distância. 

Pacientes em serviços de níveis 2 e 3 devem ser avaliados para transferência, especialmente se tiverem uma parada cardiorrespiratória revertida, estiverem em uso de droga vasoativa ou se um dispositivo de assistência circulatória estiver sendo considerado. Todo paciente deve ser avaliado nos seguintes aspectos para auxílio na decisão de transferência e conduta apropriada:

  • Qual o estágio do choque cardiogênico pela classificação SCAI/SHOCK
  • O paciente se beneficia de dispositivo de assistência circulatória externa?
  • Existência de contraindicação absoluta ao escalonamento do tratamento (p.ex. doença terminal, diretiva antecipada de vontade)?
  • Quais os recursos disponíveis no serviço de saúde atual (leito de UTI, especialistas, dispositivos de assistência circulatória)? 
  • O paciente está estável hemodinamicamente para a transferência? 
Fluxograma 1
Avaliação e manejo das primeiras 24 horas do paciente em choque cardiogênico.
Avaliação e manejo das primeiras 24 horas do paciente em choque cardiogênico.

Pacientes com choque cardiogênico secundário a IAM que permanecem refratários após a realização do cateterismo (com ou sem angioplastia) quase sempre devem ser referenciados a um serviço nível 1 [7]. O fluxograma 1 resume as principais metas de avaliação e manejo das primeiras 24 horas do paciente em choque cardiogênico.

Tratamento: terapia farmacológica, suporte circulatório e suporte ventilatório

Terapia farmacológica

O tratamento farmacológico é dividido em três pilares:

  • Reduzir congestão (se presente); 
  • Otimizar o débito cardíaco; 
  • Aumentar a perfusão para órgãos vitais; 

A avaliação da volemia deve responder se existe congestão. O paciente em choque cardiogênico que mantém o perfil hipervolêmico pode apresentar isquemia de microcirculação e piora de disfunções orgânicas, principalmente rins, fígado e trato gastrointestinal. Os diuréticos de alça (como furosemida) são a terapia de escolha para hipervolemia. O bloqueio sequencial do néfron com associação de diuréticos (veja o tópico "Diureticoterapia na Insuficiência Cardíaca Aguda") e a terapia de substituição renal/ultrafiltração são indicadas em caso de refratariedade. 

No paciente hipotenso (PAS < 90 mmHg), a diretriz reconhece não haver um consenso claro sobre a escolha da primeira droga vasoativa. Os autores pontuam que a noradrenalina é uma escolha razoável de vasopressor, objetivando um alvo de pressão arterial média > 60 a 65 mmHg.

Vasodilatadores (nitroglicerina e nitroprussiato) podem ser considerados no paciente normotenso, visando redução da pós-carga. Contudo, os agentes inotrópicos (como dobutamina, milrinona e levosimendana) também podem apresentar esse efeito de redução de pós-carga. Veja mais em "Dobutamina: Uso Clínico". No contexto de choque cardiogênico, os inotrópicos podem ser preferidos, por atuarem diretamente na contratilidade miocárdica. Não há preferência entre agentes inotrópicos, porém, em pacientes com lesão renal aguda, o uso do milrinona deve ser cauteloso, dado seu metabolismo renal e longa meia-vida. A diretriz destaca que uma revisão da Cochrane de 2020 não encontrou evidência suficiente para favorecer uma droga específica nesse contexto [8]. 

Dispositivos de assistência circulatória

O estudo DanGer Shock foi o primeiro a demonstrar os benefícios do uso de dispositivos de assistência circulatória (Impella CP®) em pacientes com choque cardiogênico secundários a IAM com supradesnivelamento de segmento ST e disfunção ventricular esquerda importante. Veja mais em "Choque Cardiogênico e Dispositivos de Assistência Circulatória". A diretriz recomenda considerar o uso nesse perfil de pacientes e destaca a carência de evidências para outras etiologias, especialmente no contexto de insuficiência cardíaca crônica agudizada. 

O paciente que for candidato ou estiver em uso de um dispositivo de assistência circulatória deve ser considerado parar a avaliação por uma equipe de cuidados paliativos, tendo em vista que terapias definitivas (como transplante cardíaco) podem ser potencialmente inapropriadas para alguns pacientes [9] (veja mais em "Insuficiência Cardíaca na Hospitalização: Posicionamento do Colégio Americano de Cardiologia"). 

Suporte ventilatório

A ventilação com pressão positiva (não invasiva ou invasiva) traz diversos efeitos hemodinâmicos pela interação cardiopulmonar e, frequentemente, será necessária durante o manejo do choque cardiogênico [10]. A ventilação não invasiva (VNI) pode reduzir a necessidade de ventilação mecânica e mortalidade intra-hospitalar. Veja mais na revisão "Ventilação Não Invasiva (VNI)". 

O emprego da pressão expiratória final positiva (PEEP) aumenta a resistência vascular pulmonar, levando à diminuição da pré-carga para os ventrículos, diminuição da complacência e diminuição da pós-carga para o ventrículo esquerdo. O efeito hemodinâmico predominante irá variar a depender de três fatores:

  • Quanto de dependência de pré-carga está presente. Quanto maior a dependência de pré-carga (como na hipovolemia), maior a probabilidade de PEEP elevada reduzir o débito cardíaco.
  • Contratilidade e desempenho ventricular esquerdo. Se a disfunção do ventrículo esquerdo predomina e o débito é limitado pela pós-carga, a PEEP pode melhorar o débito cardíaco.
  • Presença de disfunção ventricular direita. A redução do retorno venoso e o aumento da resistência vascular pulmonar pela PEEP podem reduzir o débito cardíaco nesse cenário. 
Fluxograma 2
Efeitos hemodinâmicos da ventilação com pressão positiva.
Efeitos hemodinâmicos da ventilação com pressão positiva.

O fluxograma 2 resume os principais efeitos hemodinâmicos da ventilação com pressão positiva e como manejar a ventilação mecânica no choque cardiogênico.