Diretrizes de Anafilaxia: Diagnóstico e Manejo

Criado em: 12 de Maio de 2025 Autor: Gabriel Paes Revisor: João Mendes Vasconcelos

Anafilaxia é uma reação alérgica grave e de início rápido, que pode ser desencadeada por uma grande variedade de alérgenos. Este tópico revisa o tema com base nas diretrizes americanas de 2023, publicadas no Annals of Allergy, Asthma & Immunology [1].

Fatores desencadeantes e quadro clínico

Anafilaxia é uma síndrome de início agudo decorrente de uma reação alérgica grave que coloca em risco a vida do paciente. É desencadeada por substâncias liberadas por mastócitos e basófilos, mediada pela interação com IgE, na maioria dos casos [1].

Os principais desencadeantes são medicamentos, alimentos e picadas de inseto (tabela 1) [1,2]. Entre os medicamentos, anti-inflamatórios não esteroidais e antibióticos tem destaque e, no contexto perioperatório, os bloqueadores neuromusculares são envolvidos com frequência.

Tabela 1
Principais desencadeantes de anafilaxia.
Principais desencadeantes de anafilaxia.

O quadro clínico inclui sintomas cutâneo-mucosos, respiratórios, gastrointestinais e cardiovasculares (tabela 2). Os sintomas mais frequentes são os de pele e mucosas, como prurido, urticária e edemas em boca e face, e os respiratórios, como tosse, dispneia e sibilância. Os mais graves são decorrentes de choque distributivo ou obstrução de vias aéreas [2,3]. 

Tabela 2
Manifestações clínicas de anafilaxia agrupadas por sistemas.
Manifestações clínicas de anafilaxia agrupadas por sistemas.

Até 10% dos pacientes com anafilaxia não apresentam ou não têm reconhecidos os sintomas cutâneos na apresentação inicial [4]. Em quem já teve episódios prévios, a sequência temporal dos sintomas costuma se repetir [5]. 

Pacientes idosos, com doença cardiovascular prévia ou que demoram a receber a primeira dose de epinefrina possuem mais risco de anafilaxia fatal [6]. Uso de betabloqueadores e inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) também são fatores de risco descritos [6,7]. A parada cardiorrespiratória (PCR) pode ocorrer em minutos. Uma série de casos encontrou uma mediana de 5 a 30 minutos entre o contato com o alérgeno e a PCR [8].

A anafilaxia pode ter uma apresentação bifásica em até 5% dos casos. Nessa apresentação, uma recorrência dos sintomas ocorre após a resolução completa do quadro inicial, sem nova exposição, tipicamente em um intervalo menor do que 12 horas (no máximo 24 horas) [9]. Pacientes com quadros mais graves (hipotensão principalmente) e que necessitam de mais de uma dose de epinefrina estão sob maior risco de reação bifásica [9].

Critério diagnóstico

O diagnóstico de anafilaxia é baseado em sinais e sintomas. Em razão da heterogeneidade da apresentação clínica e da variedade de órgãos acometidos, os critérios diagnósticos já foram revisados diversas vezes. Segundo a World Allergy Organization (WAO), o diagnóstico de anafilaxia é altamente provável se um dos critérios abaixo for atingido [2]:

  • Início agudo de sintomas cutâneo-mucosos e acometimento respiratório ou hemodinâmico ou gastrointestinal, mesmo sem alérgeno identificado.
  • Exposição a alérgeno conhecido ou suspeito e início agudo de hipotensão, broncoespasmo ou obstrução laríngea.

Os critérios diagnósticos da WAO detalhados se encontram na tabela 3. Essa estrutura diagnóstica é uma tentativa de simplificar os critérios elaborados pelo National Institute of Allergy and Infectious Disease (NIAID) e Food Allergy and Anaphylaxis Network (FAAN), que caracteriza o diagnóstico em três cenários possíveis [10]. Os critérios do NIAID/FAAN podem ser encontrados na tabela 4. Os principais diagnósticos diferenciais da anafilaxia são urticária generalizada, angioedema, crise asmática, síncope vasovagal e distúrbios de ansiedade.

Tabela 3
Critérios diagnósticos de anafilaxia revisados pela World Allergy Organization (2020).
Critérios diagnósticos de anafilaxia revisados pela World Allergy Organization (2020).

Exames séricos como triptase e histamina plasmática podem ser usados para a documentação da anafilaxia. Entretanto, o diagnóstico não depende desses marcadores e a coleta não deve retardar o tratamento inicial [1,11]. A Annals of Allergy, Asthma & Immunology recomenda a coleta de triptase durante a crise e a dosagem basal em casos de anafilaxia recorrente e sem causa definida, principalmente com manifestações cardiovasculares graves [1].

Tratamento: adrenalina, corticoides e anti-histamínicos

O paciente com anafilaxia deve ser atendido em sala de emergência com monitorização contínua. Pacientes hipoxêmicos devem receber oxigenoterapia e a intubação orotraqueal deve ser considerada, principalmente se houver sinais de obstrução de via aérea (edema de orofaringe e língua, rouquidão, estridor ou sensação de sufocamento). A intubação não deve ser postergada, por risco de piora do quadro e inviabilização do procedimento. Nesse caso, a cricotireoidostomia pode ser necessária [2,12].

A adrenalina é o único fármaco com evidências de redução de mortalidade na anafilaxia e está indicada em todos os casos [13].

Não há contraindicações de adrenalina na anafilaxia, considerando que é um quadro ameaçador à vida. O medicamento age rapidamente na reversão do broncoespasmo e do edema e no aumento do débito cardíaco. Em adultos, deve ser administrada via intramuscular, na face lateral da coxa, na dose de 0,5 mg (meia ampola de 1 mg/mL). Pode ser necessário repetir a dose a cada 5 a 15 minutos se os sintomas não melhorarem. Até 36% dos pacientes precisam de uma segunda dose de epinefrina [14]. 

Caso não haja resposta após duas a três aplicações, deve-se iniciar a infusão contínua de adrenalina (0,1 mcg/kg/min), com aumento progressivo de 0,05 mcg/kg/min a cada 3 minutos, visando perfusão adequada. Uma veia periférica pode ser utilizada temporariamente até a obtenção de um acesso venoso central [3]. Pacientes com hipotensão também devem receber ressuscitação volêmica com 1 a 2 litros de solução cristaloide e infusões adicionais se necessário.

O glucagon é uma opção para pacientes com anafilaxia em uso de betabloqueadores que sejam refratários à adrenalina. O glucagon exerce efeito cronotrópico e inotrópico independente dos receptores β-adrenérgicos [15]. É feito em bolus de 1 a 5 mg endovenoso, seguido de administração contínua de 5 a 15 mcg/min titulando conforme a resposta do paciente [16]. Os principais efeitos colaterais são náuseas e vômitos, principalmente se for infundido de forma rápida. Apesar da opção do glucagon, a adrenalina é o medicamento de primeira linha mesmo naqueles em uso de beta-bloqueadores [17]. 

Corticoides intravenosos são amplamente utilizados na prática, mas há ausência de evidência de benefício nos sintomas graves da anafilaxia, quando utilizados em conjunto com adrenalina e anti-histamínicos. Por isso, o uso de corticoide não deve atrasar a administração de adrenalina. Uma revisão sistemática de 2020 da Journal of Allergy and Clinical Immunology falhou em demonstrar redução de reação bifásica com corticoides [12,18]. A diretriz americana de 2020 publicada no WAO Journal destaca que o uso rotineiro de corticoides provavelmente não é benéfico e que não há consenso sobre qual utilizar nos casos em que for prescrito [2]. Anti-histamínicos H1 (difenidramina 25 a 50 mg via intravenosa) e H2 (famotidina 20 mg) possuem ação nos sintomas cutâneos e podem ser usados como terapia adjuvante à adrenalina [19]. Veja mais sobre anti-histamínicos e urticária em "Urticária Aguda: Diagnóstico e Manejo".

Tempo de observação

Todos os pacientes com anafilaxia devem ser observados após o tratamento inicial e até os sintomas terem se resolvido completamente. O tempo de observação após a resolução dos sintomas não é consensual e a maior preocupação é a anafilaxia bifásica, com risco de retorno dos sintomas após a alta. Faltam evidências para definir claramente a duração ideal de observação que seria custo-efetiva.

Resultados de metanálise de 2019 sugerem que a observação por 1 hora parece suficiente para descartar 95% dos casos de reação bifásica. A observação durante pelo menos 6 a 12 horas descarta quase todos os casos de reação bifásica [20]. Observar por pelo menos 6 horas após resolução completa dos sintomas é sugerido pela diretriz da American Academy of Allergy, Asthma, and Immunology para pacientes com fatores de risco para anafilaxia grave, como comorbidade cardiovascular, baixa capacidade de autocuidado e falta de acesso à adrenalina ou serviços médicos. A Wilderness Medical Society Clinical Practice Guidelines on Anaphylaxis acrescenta que pacientes com comorbidades significativas, apresentação mais grave ou necessidade de múltiplas doses de adrenalina também devem ser observados por mais de 6 horas após resolução dos sintomas [21]. Se houver hipotensão, essa referência orienta a observação por 12 a 24 horas. Por outro lado, os autores ponderam que em pacientes com apresentações mais leves, resposta rápida à adrenalina e baixo risco de reação bifásica, a observação por 1 hora pode ser suficiente. Protocolos institucionais podem auxiliar a uniformizar as condutas.

Recomendações na alta hospitalar

O paciente deve ser orientado a evitar o desencadeante suspeito. Idealmente, os pacientes que passaram por um episódio de anafilaxia devem receber um plano de ação na alta hospitalar para caso de recorrência. O plano consiste em informações sobre o alérgeno desencadeante, sintomas mais comuns e presentes em eventos prévios e o que fazer em caso de nova crise. O paciente deve ser orientado a ter o plano consigo (por exemplo, na carteira). A Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) recomenda um plano de ação disponível aqui.

A prescrição de adrenalina autoinjetável é recomendada. Sugere-se que o paciente tenha preferencialmente 2 unidades e que seja orientado na sua utilização e reconhecimento de sinais precocemente. No Brasil, não há produção nacional desse medicamento liberada pela Anvisa, portanto alguns pacientes recorrem a empresas importadoras para ter acesso ao tratamento (veja aqui onde comprar adrenalina autoinjetável). O uso de adrenalina em ampolas ou seringas de insulina é desencorajado pelo risco de contaminação.

Todos os pacientes com anafilaxia devem ser encaminhados ao alergologista para seguimento clínico e investigação de possíveis alérgenos.

Quando Terminar a Ressuscitação Cardiopulmonar?

Criado em: 12 de Maio de 2025 Autor: Kaue Malpighi Revisor: João Mendes Vasconcelos

Embora as diretrizes auxiliem na condução de uma ressuscitação cardiopulmonar (RCP), a decisão de quando suspender a ressuscitação não é bem definida. No JAMA Internal Medicine foi publicado um novo estudo sobre término de ressuscitação em ambiente intra-hospitalar em abril de 2025 [1]. Este tópico discute este estudo e revisa o tema.

Critérios para suspensão de ressuscitação cardiopulmonar

Não existe um tempo universalmente aceito para cessar as tentativas de ressuscitação cardiopulmonar (RCP).

As diretrizes americanas e europeias não determinam uma duração objetiva para a RCP. Em vez disso, recomendam que a decisão de interromper os esforços de ressuscitação seja baseada em múltiplos fatores, como qualidade das manobras (tempo de inadequação de profundidade de compressão, frequência, ventilação e dióxido de carbono expirado), ritmo inicial da parada e condição clínica prévia do paciente [2,3].

Conforme o tempo de RCP aumenta, a chance de sobrevida até a alta hospitalar e a chance de um bom desfecho neurológico diminuem. O desfecho neurológico é frequentemente medido pela escala CPC. Há uma queda desses desfechos após 20 a 30 minutos, atingindo um platô de sobrevida de menos de 1% após 33 a 39 minutos de ressuscitação [4,5].

Levantamentos sobre parada cardiorrespiratória (PCR) intra-hospitalar mostram que a mediana de tempo de duração da ressuscitação pelas equipes de saúde é de aproximadamente 19 minutos em não sobreviventes [6]. Hospitais com tempos de RCP médios mais longos (mediana de 25 minutos) tendem a ter melhores desfechos do que tempos mais curtos (mediana de 16 minutos) [7]. Fatores como idade avançada, baixa funcionalidade, presença de neoplasia metastática e disfunção de múltiplos órgãos são associados a menores chances de sobrevida e a tempos mais curtos de ressuscitação [6,8].

Ritmos cardíacos chocáveis, como fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular sem pulso (TVSP), estão associados a maiores chances de sobrevida e melhores desfechos neurológicos, mesmo com tempos prolongados de ressuscitação. A diretriz europeia recomenda manter a ressuscitação enquanto o ritmo cardíaco for chocável [2]. Após 48 minutos de RCP em ritmos chocáveis, a probabilidade de sobrevida cai para menos de 1% [9].

Em pacientes intubados, o dióxido de carbono expirado (ETCO2) menor do que 10 mmHg, medido pela capnografia, por mais de 20 minutos está associado a menores chances de sobrevida em estudos observacionais [10]. Porém, o ETCO2 é influenciado por outros fatores como deslocamento do tubo orotraqueal, frequência da ventilação e uso da adrenalina e não deve ser usado como marcador isolado para cessar a ressuscitação [2].

Considerações no ambiente extra-hospitalar

A PCR extra-hospitalar está associada a piores desfechos clínicos e ao uso significativo de recursos médicos. A ressuscitação e o transporte de pacientes com chances muito baixas de sobrevida podem desviar recursos essenciais de casos com melhor potencial de recuperação.

Para otimizar o uso dos recursos, critérios de futilidade foram estabelecidos para identificar situações em que a continuidade dos esforços de ressuscitação não oferece benefícios significativos ao paciente. Esses critérios tentam identificar pacientes com baixíssima probabilidade de sobrevida — menor que 1%, segundo a diretriz da American Heart Association. Neste contexto, as diretrizes recomendam o uso das regras para cessação de esforços de ressuscitação (Termination of Resuscitation — TOR rules) pelos serviços médicos de emergência (por exemplo, SAMU) se todos os critérios abaixo forem atendidos [11-13]:

  • Parada não testemunhada pela equipe de atendimento nem por quem prestou o primeiro socorro;
  • Ritmo cardíaco inicial não chocável;
  • Ausência de retorno à circulação espontânea após a terceira dose de adrenalina.

Essas regras foram validadas principalmente para equipes treinadas em suporte básico de vida, mas também podem ser consideradas por equipes realizando suporte avançado.

Quando todos esses critérios estão presentes, deve-se considerar cessar os esforços em conjunto com o julgamento clínico. Caso contrário, as diretrizes recomendam o transporte imediato ao hospital, garantindo que as técnicas de ressuscitação sejam mantidas adequadamente durante o deslocamento para não reduzir as chances de sobrevida [14,15].

Considerações em situações específicas

Trombólise na PCR por tromboembolismo pulmonar

Em casos de trombólise, o uso da alteplase deve ser feito na dose de 50 mg em bolus, podendo-se repetir em 15 minutos se não houver retorno à circulação espontânea neste tempo [16,17]. O uso da tenecteplase também é uma opção.

A RCP deve ser mantida por 60 a 90 minutos após a administração do trombolítico [18]. Esta duração aumenta o tempo para o trombolítico agir e há evidência de retorno tardio em alguns relatos de casos [19,20].

Veja mais em "Tratamento de Tromboembolismo Pulmonar de Alto Risco".

Hipotermia acidental

Pacientes que apresentam hipotermia antes da parada cardiorrespiratória (PCR) têm melhor sobrevida e prognóstico neurológico [21].

A temperatura deve ser restituída a níveis acima de 30 ou 32 °C durante a reanimação. As diretrizes não fornecem um tempo exato para se manter a ressuscitação após o controle de temperatura. Um estudo evidenciou um tempo médio para reaquecimento de 141 minutos, devendo-se manter a ressuscitação após normotermia por tempo adequado conforme julgamento clínico [22]. Pacientes em uso de terapia extracorpórea (principalmente ECMO) podem ter bons desfechos mesmo após horas de ressuscitação [23,24].

O aquecimento com terapia extracorpórea (especialmente ECMO venoarterial) é superior aos métodos convencionais, como infusão de líquidos aquecidos e cobertores térmicos [25,26]. Recomenda-se o uso de escores prognósticos, como o escore HOPE, para avaliar a indicação dessas terapias. Esses escores parecem mais confiáveis do que somente o nível de potássio para prever desfechos em hipotermia [27]. 

Afogamento

Em vítimas de afogamento, a hipóxia é a principal causa de PCR. É recomendado o início de ventilação de resgate (por até 1 minuto) durante o resgate aquático quando possível. Após o resgate, deve-se iniciar a compressão torácica rapidamente. A instalação do desfibrilador externo automático (DEA) não deve atrasar as compressões, visto que ritmos chocáveis são pouco frequentes em afogamento. O tempo de ressuscitação deve seguir conforme critérios clínicos, exceto se houver presença de hipotermia.

Intoxicação

Tabela 1
Agentes tóxicos e antídotos.
Agentes tóxicos e antídotos.

É indicado o uso de antídotos conforme a etiologia da intoxicação (veja tabela 1). Pode-se considerar prolongar a ressuscitação após administração do antídoto para garantir efeito adequado [18]. Veja mais em "Intoxicações Ameaçadoras à Vida". 

O estudo novo sobre PCR intra-hospitalar

Escores prognósticos como CASPRI (tabela 2) e GO-FAR são usados para predizer o desfecho neurológico após uma PCR intra-hospitalar [28,29]. Além de escores prognósticos, a regra UN10 foi criada para auxiliar na decisão de parar a ressuscitação intra-hospitalar e se baseia em três critérios:

  • Parada não presenciada.
  • Primeiro ritmo cardíaco não chocável.
  • Duração de RCP maior que 10 minutos.
Tabela 2
Cardiac Arrest Survival Postresuscitation In-Hospital (CASPRI).
Cardiac Arrest Survival Postresuscitation In-Hospital (CASPRI).

A presença dos três critérios sugere a interrupção da ressuscitação. Estudos de validação externa da regra UN10, porém, apresentaram uma taxa de 6% de falsos positivos, considerada elevada [30,31]. Ou seja, 60 pacientes a cada 1.000 poderiam sobreviver até alta hospitalar mesmo que a regra sugerisse parar a ressuscitação.

Neste contexto, o estudo do JAMA Internal Medicine [1] buscou desenvolver e validar uma nova regra com baixa taxa de falsos positivos para apoiar decisões sobre interrupção da ressuscitação. O estudo foi observacional e baseado em registros de PCR intra-hospitalar em países escandinavos (Dinamarca, Suécia e Noruega). A regra foi derivada com dados da Dinamarca e validada nos três países. O desfecho primário foi mortalidade em 30 dias.

Uma taxa de falso positivo de menos de 1% foi considerada aceitável, como sugerido pelas principais diretrizes para considerar uma ressuscitação fútil.

Foram derivadas cinco regras a partir da coorte da Dinamarca. A regra que obteve melhores resultados foi a que avaliou estas quatro variáveis (todas devem estar presentes):

  • Ausência de monitorização.
  • Parada não testemunhada pela equipe assistente.
  • Ritmo inicial em assistolia.
  • Tempo de ressuscitação maior ou igual a 10 minutos.

Na coorte combinada dos três países, a taxa de falso positivo foi de 0,6% (IC 95%: 0,3–0,9%), ou seja, 3 a 9 pacientes em cada 1.000 poderiam sobreviver em 30 dias mesmo que a regra sugerisse parar. A regra foi positiva em 11% da amostra, o que indica que a regra poderia evitar um número significativo de ressuscitações potencialmente fúteis. Resultados semelhantes foram observados em pacientes com menos de 65 anos.

Apesar dos resultados promissores, a regra ainda precisa de validação externa. Regras para interromper a ressuscitação apresentam alta variabilidade entre diferentes regiões e devem considerar aspectos éticos e culturais de cada país [28-30].

O estudo oferece uma regra que pode auxiliar na decisão de terminar esforços de ressuscitação por futilidade, podendo ser considerada em conjunto com outros fatores clínicos e prognósticos.

Tabagismo no Ambulatório

Criado em: 12 de Maio de 2025 Autor: Raphael Coelho Revisor: João Mendes Vasconcelos

Estima-se que tabagistas perdem pelo menos uma década de vida, em comparação com quem nunca fumou. A expectativa de vida aumenta em torno de 4 a 10 anos em quem para de fumar, dependendo da idade da cessação [1]. Este tópico revisa o tabagismo no atendimento ambulatorial.

Abordagem inicial e diagnóstico do tabagismo

Todo paciente deve ser questionado sobre tabagismo [2]. Rastrear se o paciente fuma aumenta as chances de prescrição de tratamento para cessação [3]. Apesar da preocupação em causar desconforto, evidências indicam que abordar o tabagismo está associado a maior satisfação dos pacientes [4]. 

Pacientes que fumaram menos do que 100 cigarros ou 100 g de tabaco durante a vida são considerados não tabagistas. O ex-tabagista é aquele que parou de fumar há 6 meses. O tempo de abstinência deve ser questionado [5].

As seguintes perguntas podem ser feitas ao abordar o tabagismo com o paciente:

  • Quantos cigarros você fuma por dia?
  • Há quantos anos?
  • Quantos cigarros fumou na vida? Mais ou menos do que 100 no total?
  • Você fuma todo dia?
  • Você fuma em alguma situação específica? Em quais situações?
Tabela 1
Diagnóstico de dependência à nicotina.
Diagnóstico de dependência à nicotina.

A quantificação do consumo é habitualmente descrita em “maços.ano” (número de maços por dia vezes o número de anos fumados). Um maço contém 20 cigarros. A avaliação inicial também inclui o tipo de produto consumido, a motivação para parar (se o paciente quer parar ou não), as tentativas prévias de cessação e a dependência de nicotina [5]. Os critérios diagnósticos de dependência estão disponíveis na tabela 1 e no protocolo clínico e diretrizes terapêuticas (PCDT) de tabagismo do Ministério da Saúde [6]. A dependência pode ser quantificada pelo teste de Fagerström (tabela 2). Maior dependência está correlacionada com maior dificuldade para parar e necessidade de manejo mais intensivo [5].

Tabela 2
Teste de Fagerström para dependência à nicotina.
Teste de Fagerström para dependência à nicotina.

Estratégias para cessação do tabagismo

Existem diferentes estratégias para abordar pacientes tabagistas.

O modelo transteórico de Prochaska descreve o processo de mudança em cinco estágios: pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção. Cada estágio representa um nível diferente de motivação e prontidão para mudar e as intervenções são adaptadas ao estágio no qual o indivíduo se encontra. Nem todos os pacientes passam por todas as fases ou podem passar de forma não linear. Esse modelo poderia gerar inércia terapêutica no paciente em pré-contemplação e não é claro se é mais eficaz do que outras estratégias [5,7,8].

Uma abordagem com evidência de eficácia para cessação é a dos 5 A’s (acrônimo derivado do inglês) [9]:

  • Ask (perguntar): perguntar e identificar o tabagismo.
  • Advice to quit (aconselhar a parar): aconselhar todos de maneira clara a pararem de fumar.
  • Assess willingness (avaliar a vontade): avaliar se há desejo em parar de fumar.
  • Assist (auxiliar): auxiliar e oferecer estratégias para cessação. Para quem não deseja parar, utilizar entrevista motivacional para aumentar a chance do paciente desejar parar no futuro.
  • Arrange follow up (agendar acompanhamento): assegurar um plano de monitoramento para quem deseja parar ou de reavaliação para quem não deseja.

Um estudo observacional identificou que as etapas de Assist e Arrange follow up são as mais associadas à chance de parar de fumar. Apesar de 70% dos médicos da atenção primária perguntarem para os pacientes se fumam, 56% chegam na etapa de auxiliar e oferecer estratégias e somente 10% cumprem a etapa de monitoramento [10]. 

Uma abordagem que simplifica a dos 5A’s se chama Ask-Advise-Connect. A última etapa é o encaminhamento para serviços ou recursos especializados, independentemente da prontidão para a cessação [11]. Nessa estratégia, o profissional que rastreou o tabagismo não acompanha o paciente e há necessidade de um atendimento posterior por um serviço que oferece os recursos terapêuticos. Uma metanálise de 13 ensaios clínicos indicou eficácia dessa abordagem em aumentar a abstinência [12].

Marcar a data para parar é uma prática comum e recomendada por alguns autores. Entretanto, uma revisão da Cochrane indicou com moderada certeza que reduzir a quantidade de cigarros até parar ou parar abruptamente são estratégias com eficácia semelhante [13]. 

Tratamento farmacológico e comportamental são eficazes e seguros para cessação do tabagismo. A combinação dos dois é mais eficaz do que as estratégias isoladas [14-17]. 

Durante o período de monitoramento, é indicado avaliar a adesão, efeitos colaterais, sintomas de síndrome de abstinência à nicotina e recaídas. A maioria das recaídas ocorre nos primeiros 3 meses após a cessação [18]. Pessoas que param de fumar por pelo menos 12 meses têm probabilidade de 35% de voltar a fumar em algum momento da vida. Frequentemente, é necessário introduzir novamente o tratamento [5].

Tratamento farmacológico do tabagismo

Os medicamentos de primeira linha são: terapia de reposição de nicotina, bupropiona e vareniclina (tabela 3) [5,6,16,19].

Tabela 3
Tratamento farmacológico do tabagismo.
Tratamento farmacológico do tabagismo.

A duração do tratamento é de 12 semanas, mas pode ser estendida por 6 meses ou mais [16]. 

A terapia de reposição de nicotina reduz a síndrome de abstinência. As formas mais utilizadas são os adesivos, gomas de mascar e pastilhas. Combinar o adesivo com formas orais é mais eficaz do que o uso isolado de ambos. Gomas de mascar e pastilhas têm início de ação em 20 a 30 minutos e duram em torno de 2 horas. São utilizadas nos momentos de maior fissura para substituir o cigarro que seria fumado. Adesivos fornecem níveis de nicotina mais estáveis para manutenção e devem ser trocados a cada 24 horas [16,20].

A bupropiona diminui a síndrome de abstinência pela inibição da recaptação de noradrenalina e dopamina. Aumenta o sucesso de cessação e tem a vantagem de evitar o ganho de peso esperado após a cessação (em torno de 4 a 5 kg em 10 anos) [21]. Pode ser mantida por mais de 6 meses para prevenção de recaídas. É contraindicada em casos de risco de crise convulsiva, como nos pacientes com epilepsia ou tumores intracranianos [22,23]. 

A vareniclina é um agonista parcial de receptores nicotínicos, reduz os sintomas de abstinência e o prazer dos efeitos da nicotina. É o medicamento mais eficaz quando comparado com bupropiona ou com uma terapia isolada de reposição de nicotina. Não há comparação com a terapia combinada de reposição de nicotina (oral e adesivo) [24]. O medicamento de referência é o Champix®, retirado do mercado brasileiro em 2020. Há alternativas genéricas em outros países e a possibilidade de importação do medicamento [25]. 

Opções de segunda linha são a nortriptilina e a clonidina. A diretriz europeia de 2025 considera a citisina, indisponível no Brasil, como de primeira linha [5].

A combinação de medicamentos tem maior eficácia do que o uso isolado, principalmente em pacientes com dificuldade de cessação. As combinações mais indicadas são a terapia de reposição de nicotina combinada (oral e adesivo) ou a terapia de reposição de nicotina com bupropiona [26,27]. A combinação de vareniclina com reposição de nicotina não parece mais eficaz do que vareniclina isoladamente, mas pode haver um benefício no subgrupo de pacientes que fumam mais do que 30 cigarros por dia [28-30]. 

O papel do cigarro eletrônico para cessação de tabagismo foi discutido em "Cigarro Eletrônico e Cessação do Tabagismo". Veja mais sobre o tratamento hospitalar do tabagismo em "Tratamento de Tabagismo no Paciente Internado".

Tratamento não farmacológico do tabagismo

Estratégias eficazes de tratamento comportamental incluem aconselhamento pelo médico ou enfermeira, individual ou em grupo, presencialmente, por ligação telefônica ou por mensagens de texto. Os pacientes podem se beneficiar de mais do que uma estratégia [15,17]. Abordagens psicoterapêuticas estruturadas, como a terapia cognitivo-comportamental(TCC), podem auxiliar o profissional na intervenção (tabela 4).

Tabela 4
Tratamento não farmacológico do tabagismo.
Tratamento não farmacológico do tabagismo.

O PCDT de tabagismo preconiza o tratamento combinado de medicamentos e aconselhamento terapêutico estruturado intensivo baseado em TCC. O tempo total é de 12 meses e envolve as etapas de avaliação, intervenção e manutenção da abstinência [6]. O aconselhamento terapêutico é feito em sessões periódicas, de preferência em grupo. O manual do coordenador que orienta como fazer essa abordagem pode ser encontrado aqui

Uma cartilha para orientação da cessação de tabagismo está disponível aqui.