Medicamentos no Infarto Agudo do Miocárdio

Criado em: 19 de Maio de 2025 Autor: Matheus Ribeiro Revisor: Nordman Wall

O manejo medicamentoso inicial da síndrome coronariana aguda envolve o tratamento da trombose coronariana com antiagregantes plaquetários e anticoagulantes e o alívio da angina. Este tópico revisa os principais medicamentos e o momento adequado para sua administração até o momento da reperfusão.

Antiagregantes plaquetários

AAS (Aspirina®)

O AAS reduz eventos aterotrombóticos e mortalidade na síndrome coronariana aguda (SCA) [1]. Deve ser administrado em dose de ataque (162 a 325 mg) o mais precoce possível, independentemente da estratégia de revascularização, seguida de dose de manutenção diária (75 a 100 mg/dia). O comprimido deve ser mastigado para absorção e efeito mais rápidos [2].

O estudo clássico de AAS na SCA foi o ISIS-2 que evidenciou redução absoluta do risco de 2,4% na mortalidade. Isso representa um NNT de 42 somente pelo uso do medicamento [1].

Segundo antiagregante plaquetário — Inibidores de P2Y12

As diretrizes de SCA recomendam a adição de um inibidor de P2Y12 oral ao AAS para redução de eventos cardiovasculares maiores (MACE) [3, 4]. As opções disponíveis incluem clopidogrel, prasugrel e ticagrelor. O prasugrel ou ticagrelor são considerados superiores em relação ao clopidogrel como escolha do segundo antiagregante [5, 6].

O momento ideal para a administração, a dose inicial e a duração do tratamento variam conforme as características do paciente e aspectos relacionados à terapia de reperfusão. A tabela 1 agrupa as doses de ataque e manutenção dos diferentes antiagregantes plaquetários.

Tabela 1
Antiagregantes plaquetários na síndrome coronariana aguda.
Antiagregantes plaquetários na síndrome coronariana aguda.

No IAM com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST), a decisão do segundo antiplaquetário depende da estratégia de reperfusão: 

  • Angioplastia: preferência por ticagrelor ou prasugrel. O clopidogrel pode ser utilizado se estes não estiverem disponíveis. Em relação ao momento da administração, o pré-tratamento pode ser considerado conforme a diretriz europeia [4]. Pacientes que não receberam o segundo antiplaquetário como pré-tratamento devem receber no momento da angioplastia. 
  • Trombólise: o clopidogrel é a escolha nesse cenário [7]. Caso a angioplastia seja realizada após a trombólise, o clopidogrel pode ser trocado por ticagrelor ou prasugrel, desde que respeitado um intervalo mínimo de 24 horas da administração do trombólítico. Essa estratégia é chamada de escalonamento.

Na síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST), a decisão depende do tempo em que a angiografia coronariana diagnóstica é realizada:

  • Estratégia invasiva precoce (angiografia coronariana em menos de 24 horas): não é recomendado o pré-tratamento, pois essa estratégia não reduz eventos isquêmicos e está associada a aumento do risco de sangramentos [8, 9]. O segundo antiplaquetário deve ser administrado na sala de hemodinâmica, após a angiografia coronariana diagnóstica (cateterismo), naqueles que realizarão angioplastia percutânea. Em alguns pacientes, a angiografia revela uma anatomia coronariana que é melhor tratada através da cirurgia de revascularização do miocárdio. Nesses casos, se a cirurgia puder ser feita precocemente, o segundo antiplaquetário não é administrado, pois elevaria o risco hemorrágico do procedimento e atrasaria a intervenção até o efeito do inibidor do P2Y12 se dissipar. 
  • Estratégia invasiva tardia (angiografia coronariana em mais de 24 horas): pode-se considerar o pré-tratamento com clopidogrel ou ticagrelor [3, 4]. O prasugrel só deve ser administrado após o conhecimento da anatomia coronariana através da angiografia diagnóstica.

Em todos os pacientes com SCA que não receberam inibidor de P2Y12 como pré-tratamento, uma dose de ataque é recomendada no momento da angioplastia para prevenir trombose do stent.

Em pacientes com SCA e indicação de anticoagulação a longo prazo (ex: fibrilação atrial), a terapia antitrombótica tem particularidades. Veja mais em "Fibrilação Atrial e Doença Coronariana: Estratégia Antitrombótica".

Os inibidores de P2Y12 reduzem eventos isquêmicos após uma cirurgia de revascularização do miocárdio, mas exigem suspensão prévia para reduzir o risco de sangramento perioperatório [10]. O tempo de suspensão recomendado depende da droga:

  • Clopidogrel: suspender 5 dias antes da cirurgia
  • Ticagrelor: suspender 3 a 5 dias antes da cirurgia
  • Prasugrel: suspender 7 dias antes da cirurgia

Inibidores da Glicoproteína IIb/IIIa

Antiagregantes plaquetários de uso parenteral, como abciximabe, eptifibatida e tirofibana, inibem a ligação do fibrinogênio ao receptor GPIIb/IIIa nas plaquetas. A maioria dos estudos que avaliou esses medicamentos foi conduzida antes da introdução dos inibidores de P2Y12 modernos e dos stents farmacológicos de última geração, limitando a aplicabilidade atual. [11, 12, 13].

Atualmente, esses agentes têm uso restrito a angioplastias com alta carga trombótica, perfusão distal subótima na angiografia coronariana e persistência de trombo intracoronário — recomendação IIa pela American Heart Association (AHA) [3] e European Society of Cardiology (ESC) [4].

Fluxograma 1
Antiplaquetários e anticoagulantes no infarto agudo do miocárdio com e sem supradesnivelamento do segmento ST em diferentes cenários.
Antiplaquetários e anticoagulantes no infarto agudo do miocárdio com e sem supradesnivelamento do segmento ST em diferentes cenários.

O fluxograma 1 organiza qual medicamento utilizar em cada cenário. 

Anticoagulação

A anticoagulação plena parenteral é recomendada para toda SCA, para reduzir eventos isquêmicos [14].

Ela deve ser mantida durante a hospitalização (máximo de 8 dias) ou até a revascularização (por angioplastia ou cirurgia), o que ocorrer primeiro. Nas indicações formais de anticoagulação, como fibrilação atrial ou trombo intraventricular, o anticoagulante deve permanecer após esse período. Veja mais em "Fibrilação Atrial e Doença Coronariana: Estratégia Antitrombótica".

Recomenda-se evitar a troca entre diferentes tipos de heparina (crossover), devido ao aumento do risco de sangramento associado [15]. Uma metanálise encontrou que a enoxaparina é superior à heparina não fracionada em redução de mortalidade e IAM, embora aumente o risco de sangramento [16]. 

Infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) 

Angioplastia primária: a heparina não fracionada (HNF, heparina sódica) é o anticoagulante padrão, devendo ser administrada na sala de hemodinâmica. A HNF costuma ser preferida pela familiaridade dos profissionais e possibilidade de monitoramento em tempo real através do tempo de coagulação ativado (TCA), com alvo terapêutico entre 250–300 segundos. A enoxaparina é uma alternativa válida [17]. A escolha fica a critério do serviço de hemodinâmica. 

Estratégia fármaco-invasiva (trombólise seguida de angioplastia): a enoxaparina é a escolha, devendo ser administrada imediatamente antes do fibrinolítico [18, 19]. Deve ser administrada 30 mg em bolus por via intravenosa em pacientes < 75 anos, seguida pela administração subcutânea em doses de anticoagulação terapêutica. Pacientes > 75 anos devem receber apenas a dose subcutânea. A HNF pode ser utilizada, porém, exige controle através do TTPa. A tabela 2 traz as doses e ajustes necessários. 

Tabela 2
Anticoagulantes na síndrome coronariana aguda.
Anticoagulantes na síndrome coronariana aguda.

Síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST)

A escolha da anticoagulação depende da estratégia terapêutica adotada e do tempo até a realização da angiografia coronariana. As principais diretrizes apresentam algumas variações, mas de forma geral:

  • Estratégia invasiva precoce (< 24 h após o diagnóstico): HNF é preferida, realizada preferencialmente na sala de hemodinâmica (recomendação I pela ESC) [4]. A enoxaparina subcutânea é uma alternativa, particularmente se a avaliação do TTPa for difícil (recomendação IIa pela ESC).
  • Estratégia invasiva tardia (> 24 h do diagnóstico): enoxaparina [20] ou fondaparinux são opções. O fondaparinux está associado a menor risco de sangramento [21].
  • Estratégia conservadora (pacientes que não serão submetidos inicialmente à angiografia): enoxaparina ou fondaparinux.

Manejo da dor

Estudos com placebo não demonstraram diminuição de mortalidade ou de disfunção ventricular com medicamentos anti-anginosos [22, 23]. A principal aplicação é para tratamento de sintomático. A reperfusão coronariana permanece como a intervenção mais eficaz para alívio da angina.

Nitratos

Os nitratos são a primeira escolha entre os anti-anginosos. Nitroglicerina (Tridil®) e nitroprussiato de sódio (Nipride®) são as opções intravenosas. A nitroglicerina é a primeira escolha na SCA, em parte por não ter o risco teórico de “roubo de fluxo coronariano” [24, 25]. As formulações sublinguais disponíveis no Brasil são o dinitrato de isossorbida (Isordil ®) e propatilnitrato (Sustrate®). A formulação intravenosa tem a vantagem de rápida titulação conforme a resposta clínica. A principal contraindicação é no infarto do ventrículo direito. A suspeita ocorre no caso de acometimento da parede inferior, com necessidade de realização das derivações V3R e V4R. As doses e outras contraindicações estão na tabela 3.

Tabela 3
Anticoagulantes na síndrome coronariana aguda.
Antianginosos na síndrome coronariana aguda.

Nitroglicerina (Tridil®):

  • Fármaco de escolha entre os nitratos na SCA.
  • Atua principalmente como venodilatador, promovendo redução da pré-carga. Com doses progressivamente maiores, pode ter ação vasodilatadora arteriolar, com redução da pós-carga.

Nitroprussiato de sódio (Nipride®):

  • Potente vasodilatador, com ação predominante em arteríolas (vasos de resistência).
  • Possível efeito de “roubo de fluxo coronariano”, agravando a isquemia em alguns casos — embora não haja contraindicação formal nas diretrizes [26, 27].

Nos casos de supradesnivelamento do segmento ST com alívio completo da dor após administração de nitrato, deve-se repetir o eletrocardiograma. A normalização do traçado pode sugerir vasoespasmo coronariano [28].

Morfina 

A morfina não é recomendada como primeira linha para o alívio da dor na SCA (recomendação IIa pela ESC) [4]. Seu uso deve ser reservado para casos refratários aos nitratos em doses máximas toleradas. O estudo retrospectivo da iniciativa CRUSADE encontrou piores desfechos em pacientes que receberam o medicamento [29]. Os opioides podem interferir na ação dos inibidores da P2Y12, mas a relevância desse efeito é incerta [30-33].

Beta-bloqueador

As principais diretrizes recomendam o betabloqueador oral nas primeiras 24 horas do infarto, desde que não haja contraindicações, com benefício em redução de reinfarto e arritmias ventriculares [3, 4]. A maioria dos estudos que avaliou os betabloqueadores nesse contexto é da era pré-reperfusão e foram conduzidos em pacientes com infarto com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) [34, 35].

O principal estudo contemporâneo sobre o tema incluiu 45 mil pacientes e avaliou o uso de metoprolol intravenoso seguido de administração oral [36]. Houve redução de alguns desfechos isquêmicos, porém com aumento da incidência de choque cardiogênico. Por esse motivo, a administração intravenosa de betabloqueadores não é recomendada de rotina.

Apesar dessas evidências, a diretriz da ESC ainda traz uma recomendação IIa para o uso intravenoso de betabloqueadores em pacientes sem sinais de insuficiência cardíaca aguda [37]. Já a diretriz da AHA sugere considerar a via intravenosa somente em casos específicos, como angina refratária ou hipertensão arterial significativa [3].

As principais contraindicações ao uso oral de betabloqueadores incluem:

  • Congestão pulmonar — classificação Killip II a IV;
  • Evidência de baixo débito cardíaco;
  • Intervalo PR > 240 ms;
  • Bloqueio atrioventricular de 2º ou 3º grau sem marca-passo;
  • Bradicardia;
  • Broncoespasmo ativo;
  • Risco aumentado para choque cardiogênico (idade > 70 anos, PAS < 120 mmHg, taquicardia sinusal ou tempo prolongado até o tratamento) — esses fatores são contraindicações para o uso precoce de betabloqueadores (primeiro a segundo dia), antes da evolução clínica ficar mais clara [36, 38].

Os betabloqueadores mais utilizados são metoprolol, atenolol e carvedilol. O metoprolol é o fármaco com maior evidência de benefício nesse cenário [4, 39].

A terapia de longo prazo com betabloqueadores foi abordada em "Betabloqueador Após Infarto Agudo do Miocárdio"

Risco Pulmonar Perioperatório em Cirurgias Não Cardíacas

Criado em: 19 de Maio de 2025 Autor: Joanne Alves Moreira Revisor: João Mendes Vasconcelos

As complicações pulmonares pós-operatórias são associadas a piores desfechos, como maior tempo de internação, reinternação e mortalidade [1]. Este tópico revisa os principais fatores de risco, a avaliação de risco pulmonar e as intervenções protetoras no perioperatório.

Incidência de complicações e fatores de risco

As principais complicações pulmonares pós-operatórias são:

  • Atelectasia;
  • Broncoespasmo;
  • Derrame pleural;
  • Pneumonia;
  • Exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) subjacente;
  • Insuficiência respiratória.

A incidência de eventos varia entre 2 a 19% em cirurgias não cardiotorácicas [2]. No Brasil, um estudo paulistano descreveu a incidência de 14% complicações pulmonares após cirurgias abdominais superiores e um estudo do Rio Grande do Sul fdescreveu a incidência de 20% de complicações após cirurgias de ressecções pulmonares [3, 4].

Os fatores de risco para o desenvolvimento de complicações pulmonares podem ser relacionados ao paciente ou ao procedimento cirúrgico e todos devem ser avaliados quanto à presença desses fatores (tabela 1).

Tabela 1
Fatores de risco para complicações pulmonares perioperatórias e grau de evidência.
Fatores de risco para complicações pulmonares perioperatórias e grau de evidência.

Fatores de risco relacionados ao paciente

Incluem idade maior ou igual a 60 anos, histórico de tabagismo, DPOC, apneia obstrutiva do sono, insuficiência cardíaca congestiva, dependência funcional e classificação pela American Society of Anesthesiologists (ASA) maior ou igual a II [5, 6, 7]. Obesidade e asma leve ou moderada não são fatores de risco significativos [8, 9, 10].

Hipertensão pulmonar é um fator de risco de complicações pós-operatórias, principalmente eventos cardiovasculares maiores e maior tempo para extubação. O risco aumentado justifica uma consideração cuidadosa da indicação cirúrgica e a ponderação do cancelamento da cirurgia ou da realização de um procedimento de menor risco [11-17].

Fatores de risco relacionados à cirurgia 

Cirurgias de emergência, anestesia geral e duração do procedimento maior que 2,5 a 4 horas são fatores de risco reconhecidos [5, 6]. O tipo de cirurgia também impacta, com maior risco em cirurgias de aorta, tórax, abdome superior, neurocirurgias, cabeça e pescoço e vasculares.

Como avaliar o risco?

A avaliação pré-operatória do risco pulmonar deve ser feita com escores de avaliação de risco de complicações, triagem para apneia obstrutiva do sono e solicitação de exames complementares, quando indicados.

Escores de avaliação de risco

As ferramentas preditoras de complicações pulmonares são eficazes em discriminar pacientes de maior risco [18, 19]. Alguns exemplos são:

Qualquer uma das ferramentes pode ser utilizada. Esses instrumentos auxiliam a identificar pacientes de maior risco, que se beneficiariam mais de intervenções específicas.

Triagem de apneia obstrutiva do sono

Pacientes com apneia obstrutiva do sono possuem risco até duas vezes maior de complicações pulmonares pós-operatórias [25]. Recomenda-se aplicar o escore STOP-BANG para rastreamento dessa condição. Uma pontuação maior que três é indicativa de risco de apneia obstrutiva do sono (tabela 2) [26].

Tabela 2
Escore STOP-BANG para apneia e hipopneia obstrutiva do sono (validação brasileira).
Escore STOP-BANG para apneia e hipopneia obstrutiva do sono (validação brasileira).

Exames complementares 

O American College of Radiology recomenda que uma radiografia de tórax pré-operatória de rotina geralmente não é apropriada em pacientes sem doença cardiopulmonar submetidos à cirurgia não cardiotorácica [27]. Uma metanálise encontrou que somente 0,1% apresentavam alterações que impactaram na evolução e no tratamento dos pacientes, aumentando os custos associados aos cuidados em saúde [28].

As provas de função pulmonar, como a espirometria, são habitualmente indicadas no pré-operatório de ressecções pulmonares ou em pacientes com sintomas respiratórios [9]. Uma metanálise avaliou o uso das provas de função pulmonar e gasometria arterial como preditores de complicações pulmonares pós-operatórias em cirurgias não torácicas. Os resultados foram inconclusivos [29]. Embora a DPOC seja subdiagnosticada, a avaliação com provas de função pulmonar pré-operatórios não adicionam valor prognóstico significativo à avaliação clínica padrão em pacientes com DPOC conhecida ou suspeita [9, 30].

O teste de caminhada de seis minutos auxiliou na previsão de complicações pulmonares pós-operatórias. O teste com distância menor ou igual a 300 metros teve uma correlação com maior tempo de internação e com a gravidade das complicações pós-operatórias [31].

Entre os preditores laboratoriais, existem boas evidências somente para o valor de albumina sérica inferior a 3 g/dL [5].

Intervenções pré, intra e pós-operatórias

Pré-operatórias

O tabagismo é um fator de risco para complicações pós-operatórias, incluindo mortalidade geral, infecções, complicações da ferida operatória, admissão em UTI e desfechos negativos pulmonares e neurológicos [32-35].

Uma metanálise identificou uma redução de complicações pulmonares e de feridas operatórias em pacientes com pelo menos quatro semanas de cessação do tabagismo antes da cirurgia. Estudos observacionais relataram que períodos mais longos de cessação (maiores que seis meses), em comparação com períodos mais curtos, tiveram uma redução média de 20% no total de complicações [36, 37].

O período perioperatório deve ser utilizado como uma oportunidade para cessação do tabagismo, independentemente do tempo que antecede o procedimento cirúrgico, pelos benefícios a longo prazo. Uma metanálise sugere que a cessação perioperatória conduz a uma cessação superior a 12 meses em parte dos pacientes [9, 38]. Veja mais em "Tabagismo no Ambulatório".

Deve-se manter as medicações broncodilatadoras em uso prévio, visando à compensação da doença pulmonar de base [17]. Idealmente, pacientes com asma ou DPOC devem estar fora de uma exacerbação no momento da cirurgia. Em cirurgias eletivas, deve-se tratar a exacerbação adequadamente e realizar o procedimento após o quadro estar resolvido. Em pacientes com diagnóstico ou suspeita de SAHOS, deve-se realizar terapia com pressão positiva (CPAP) e preferir analgesia multimodal [9, 39].

Pacientes de risco de complicações pulmonares podem se beneficiar de um programa de condicionamento pré-operatório, envolvendo exercícios aeróbicos, respiratórios e musculares (pré-habilitação) [40]. Essa intervenção pode reduzir o risco de complicações pulmonares [41, 42].

Intraoperatórias

Prefere-se raquianestesia, anestesia peridural ou bloqueios anestésicos regionais em vez de anestesia geral, sempre que possível. Uma metanálise comparou a anestesia geral com o bloqueio neuraxial em pacientes cirúrgicos. O trabalho encontrou que os pacientes submetidos a bloqueio neuraxial apresentaram menor mortalidade geral, incidência de pneumonia e insuficiência respiratória [43, 44].

A ventilação pulmonar protetora — volume corrente de 6 a 8 ml/kg e aplicação de PEEP — reduz complicações pulmonares [9, 45, 46, 47].

Bloqueio neuromuscular residual no pós-operatório pode aumentar o risco de hipoventilação e complicações pulmonares [48, 49]. Apesar da baixa qualidade das evidências, a American Society of Anesthesiologists recomenda a monitorização neuromuscular quantitativa para evitar bloqueio neuromuscular residual [50]. A reversão do bloqueio neuromuscular com sugamadex e a limitação do tempo cirúrgico também são recomendadas para minimizar o risco [9, 50, 51].

Pós-operatórias

Há risco de efeito residual da anestesia, portanto, deve-se manter monitorização e suporte ventilatório adequados [52].

Mobilização precoce, analgesia e as estratégias de expansão pulmonar são recomendadas para reduzir o risco de complicações [19]. Uma coorte evidenciou que cada aumento de 4 minutos por hora na mobilização se associou a uma redução de 25% nas chances de complicações (incluindo pulmonares) e com menor tempo de internação hospitalar [53]. A analgesia pode facilitar a mobilização e favorecer inspirações profundas, apesar de alguns fármacos se associarem com hipoventilação e eventos adversos pulmonares (como opioides e gabapentinoides). A analgesia multimodal visa a controlar a dor e minimizar os riscos dos analgésicos [54].

Os pacientes com alto risco de complicação pulmonar pós-operatória devem realizar técnicas de expansão pulmonar [9, 55, 56]. Essas intervenções incluem expiração forçada, inspiração profunda, espirometria de incentivo e fisioterapia respiratória. Uma revisão sistemática encontrou que essas técnicas melhoraram a função respiratória no pós-operatório e diminuíram o risco de complicações [57]. Essas intervenções são idealmente ensinadas e treinadas antes da cirurgia.

O suporte respiratório não invasivo (ventilação não invasiva ou cateter nasal de alto fluxo) pode ser considerado em pacientes que apresentam insuficiência respiratória, especialmente quando há uma indicação precisa, como edema pulmonar ou DPOC exacerbada. No entanto, não há evidência clara de benefício no uso profilático de rotina dessas estratégias [58, 59]. Veja mais sobre ventilação não invasiva, incluindo o uso no pós-operatório, em "Ventilação Não Invasiva (VNI)", no subtópico 'Pós-operatório'.

Vaginose Bacteriana: Diagnóstico, Manejo e Tratamento do Parceiro

Criado em: 19 de Maio de 2025 Autor: Raphael Gusmão Barreto Revisor: Frederico Amorim Marcelino

Queixas de corrimento vaginal são comuns e podem estar associados ao aumento do risco de infecções sexualmente transmissíveis e complicações na saúde reprodutiva [1]. Um ensaio clínico publicado no New England Journal of Medicine em 2025 encontrou benefícios no tratamento do parceiro sexual masculino para reduzir a recorrência da vaginose nas mulheres [2]. Esse tópico revisa o tema e traz os resultados do estudo.

Definição e implicações clínicas

A vaginose bacteriana é uma vaginite associada a práticas sexuais que ocorre em consequência da disbiose local. Nessa condição, há substituição dos Lactobacillus spp. que compõem a microbiota normal por outras bactérias. É a causa mais comum de corrimento vaginal no mundo, com uma prevalência em torno de 23–29% entre as pessoas com vagina [3,4]. A tabela 1 descreve as diferenças entre as principais causas de corrimento vaginal.

Tabela 1
Diagnóstico diferencial de infecções que causam síndrome de corrimento vaginal.
Diagnóstico diferencial de infecções que causam síndrome de corrimento vaginal.

Evidências recentes ressaltam o papel das práticas sexuais para incidência e recorrência da vaginose bacteriana [5]. São considerados fatores de risco possuir um novo ou múltiplos parceiros sexuais masculinos ou possuir uma parceira sexual feminina [6]. O uso de preservativo é considerado fator protetor, talvez por proteger o ambiente vaginal da alcalinização pelo esperma. Mulheres com vaginose bacteriana possuem risco maior de adquirir infecções sexualmente transmissíveis (IST), notadamente HIV, gonorreia, clamídia, tricomoníase, infecção por Mycoplasma genitalium e HPV [7-10].

A vaginose bacteriana está associada com piores desfechos durante a gestação. Gestantes com vaginose sintomática têm risco aumentado de parto prematuro com recém-nascidos de baixo peso [11-14]. No entanto, uma revisão da Cochrane de 2013 encontrou que o tratamento de vaginose bacteriana em gestantes não reduziu a incidência de partos prematuros [15]. Este achado também foi observado em uma revisão sistemática mais recente [16] e aponta para a hipótese de que esta condição é um preditor de piores desfechos gestacionais, mas parece não guardar uma relação causal com estes desfechos [17].

As bactérias mais associadas à ocorrência da vaginose bacteriana são: Gardnerella vaginalis, Atopobium vaginae, Mobiluncus spp., Bacteroides spp., Prevotella spp., Mycoplasma hominis, Ureaplasma urealyticum e Streptococcus agalactie (grupo B) [18,19]. 

Manifestações Clínicas e Diagnóstico

A secreção vaginal fisiológica é clara, sem mau odor, não é acompanhada por desconforto ou prurido e a quantidade costuma variar durante o ciclo menstrual [20]. O sintoma cardinal da vaginose bacteriana é o corrimento vaginal descrito como fluido, em maior quantidade do que o habitual e com mau odor associado, classicamente referido como odor de peixe [20]. A ausência de mau odor reduz bastante a probabilidade da vaginose, possuindo uma razão de verossimilhança (RV) negativa de 0,07 [21].

O padrão ouro de diagnóstico de vaginose bacteriana é a coloração de Gram da secreção vaginal [4,20]. Por esse método, o diagnóstico é definido pela proporção de uma microbiota normal em relação às bactérias consideradas patogênicas, como Gardnerella vaginalis e outras espécies [4]. Quantidades normais de lactobacilos tornam a vaginose bacteriana menos provável (RV negativo 0,02) [21].

O diagnóstico clínico da vaginose bacteriana também pode ser feito à beira-leito, com a presença de pelo menos três dos critérios de Amsel [4,18]:

  1. Corrimento homogêneo, fino e leitoso, que reveste as paredes vaginais.
  2. Presença de clue cells ou células guia à microscopia do líquido vaginal (células do epitélio vaginal com bactérias aderidas à membrana celular).
  3. Fluido vaginal com pH > 4,5.
  4. Odor semelhante ao peixe do líquido vaginal, antes ou depois da adição de solução de KOH a 10% (whiff test ou teste das aminas).

Caso não haja disponibilidade de microscopia ou material para aferição de pH vaginal e/ou KOH a 10% disponível, o Ministério da Saúde recomenda tratamento empírico para as três condições mais comuns de corrimento vaginal: vaginose bacteriana, candidíase vulvovaginal e tricomoníase [18].

Tratamento

A tabela 2 descreve os esquemas terapêuticos para o tratamento da vaginose bacteriana. Os objetivos do tratamento são a resolução dos sintomas e a redução de incidência de infecções sexualmente transmissíveis [4,20].

Tabela 2
Esquemas de tratamento da vaginose bacteriana.
Esquemas de tratamento da vaginose bacteriana.

Apesar da orientação comum de evitar o consumo de álcool, a diretriz do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) enfatiza não haver embasamento científico para essa conduta [18,20]. O metronidazol não inibe a acetaldeído desidrogenase, enzima que degrada metabólitos do álcool, não sendo necessária a abstenção do álcool [4]. Os efeitos semelhantes ao dissulfiram relatados provavelmente têm relação com o próprio consumo de álcool ou com efeitos adversos do metronidazol não relacionados à interação com etanol [4].

O protocolo clínico e diretrizes terapêuticas (PCDT) de infecções sexualmente transmissíveis do Ministério da Saúde recomenda o tratamento para gestantes assintomáticas que tenham histórico de parto pré-termo ou outras complicações obstétricas [18]. No entanto, a diretriz do CDC não recomenda o rastreio e tratamento em gestantes assintomáticas, mesmo nas de alto risco de complicações obstétricas, por não haver demonstração de benefício além dos já citados [4,15,20].

Recomenda-se que a paciente use preservativo de barreira durante o tratamento e não realize ducha intravaginal pelo risco de recorrência da vaginose [4]. A diretriz do CDC recomenda oferecer testagem para HIV e outras ISTs para todas as mulheres com diagnóstico de vaginose bacteriana [4].

A recorrência da vaginose é comum. Em um estudo observacional de acompanhamento, cerca de 1 em cada 4 mulheres recorre em um mês e 58% têm um novo episódio de vaginose no primeiro ano após o tratamento [22]. Neste mesmo estudo, possuir uma mesma parceria sexual durante todo o acompanhamento e possuir parceria sexual feminina aumentaram o risco de recorrência. Nas recorrências, pode ser feito o mesmo tratamento realizado anteriormente. Em mulheres com múltiplas recorrências pode ser realizado tratamento supressivo com medicações intravaginais duas vezes por semana [4,20].

Não há indicação de rastreio de vaginose bacteriana em mulheres assintomáticas. O tratamento está indicado somente para indivíduos com sintomas [4,20].

O novo estudo

Existe plausibilidade para o benefício de tratar o parceiro sexual. Parceiros sexuais de mulheres com vaginose bacteriana também possuem os mesmos patógenos dessa doença colonizando seus genitais [23,24].

Para testar esta hipótese, o grupo StepUp conduziu um estudo multicêntrico aberto em casais heterossexuais, que estavam monogâmicos há pelo menos 8 semanas, cuja mulher teve diagnóstico confirmado de vaginose bacteriana [2]. Os homens foram randomizados para receber metronidazol 400 mg via oral 12/12 h por 7 dias mais clindamicina creme 2% via tópica na glande e prepúcio 12/12 h por 7 dias (intervenção) ou nenhum tratamento (controle). Todas as mulheres receberam o tratamento padrão. O desfecho primário foi recorrência da vaginose após 12 semanas do tratamento.

Esperava-se um recrutamento de 290 casais para atingir o poder estatístico de detectar 40% de redução de incidência do desfecho. No entanto, o estudo foi interrompido precocemente com 164 casais por demonstração de uma diferença significativa entre os grupos. O desfecho primário ocorreu em 35% do grupo tratamento do parceiro contra 63% no grupo controle (risco relativo 0,37; IC 95% 0,22-0,61).

No momento, as diretrizes não indicam tratamento da parceria sexual de mulheres com vaginose bacteriana [4,20].

O tratamento do parceiro sexual já havia sido testado em outro ensaio clínico em 2021, porém foi usado somente metronidazol sistêmico, sem tratamento tópico. Este estudo teve resultado negativo para redução de recorrência de vaginose [25]. Antes disso, uma revisão sistemática de 2012 não havia encontrado benefício para o tratamento do parceiro sexual, apesar de os estudos serem considerados de baixa qualidade metodológica e com poder estatístico insuficiente [26].

Diferente dos achados prévios, este novo estudo encontrou uma forte sinalização de benefício de tratar o parceiro sexual assintomático com medicação tópica e sistêmica. Essa intervenção reduziu a recorrência de vaginose bacteriana. É provável que esse resultado mude as diretrizes futuramente