Fratura de Quadril
A fratura do quadril (ou do colo do fêmur), especialmente em idosos, é um problema de saúde pública, resultando em internações, complicações e altas taxas de morbimortalidade. O manejo eficaz depende de uma atuação multidisciplinar envolvendo clínicos, ortopedistas, fisioterapeutas e equipe de cuidados contínuos. O tratamento rápido da fratura de fêmur pode reduzir complicações como injúria miocárdica [1]. Este tópico revisa os cuidados iniciais e a prevenção de complicações de uma fratura de quadril.
Aspectos gerais: epidemiologia, fatores de risco e classificação das fraturas
As fraturas de quadril são aquelas que acometem acetábulo, cabeça ou colo do fêmur e a região intertrocantérica (figura 1). Uma possível classificação divide as fraturas de quadril conforme a localização [2]:
- Fraturas extra-capsulares: inter e subtrocantéricas.
- Fraturas intracapsulares: cabeça e colo do fêmur. Fraturas com maior risco de complicação, como necrose avascular e consolidação viciosa.

Mais de 70% das fraturas de quadril acontecem em mulheres e quase metade em pessoas acima de 85 anos [3]. O mecanismo de trauma mais comum é a queda [2, 4]. Outros fatores de risco incluem a redução de massa óssea, sedentarismo e histórico de quedas e outras fraturas [2].
Pessoas com fratura de quadril costumam apresentar dor local (podendo ser irradiada para a região inguinal, glútea ou até o joelho) e incapacidade de deambulação. Ao exame físico, é comum haver rotação externa e encurtamento do membro inferior, especialmente em fraturas com deslocamento. A avaliação inicial deve incluir pesquisa de déficits neurológicos e complicações vasculares, que são pouco comuns à admissão, mas podem ocorrer como complicação da correção cirúrgica [2, 5]. Complicações neurovasculares podem ocorrer por lesão direta durante a cirurgia, tração excessiva por luxação ou retração e compressão por hematoma ou edema no pós-operatório [6].
O diagnóstico é confirmado pela radiografia simples. Pode ser necessária complementação com tomografia ou ressonância magnética, especialmente em caso de fraturas sem desalinhamento (figura 2) [7, 8].

A mortalidade em um ano após a fratura de quadril é de cerca de 20% [3]. Esse número pode estar relacionado às comorbidades dos pacientes, mas também às complicações da fratura e pós-operatórias (como tromboembolismo venoso, infecção e sangramento). Até metade dos pacientes que sobrevivem a uma fratura de quadril precisam de auxílio para deambulação após a alta e 10 a 20% serão institucionalizados após o evento [2, 4, 10-12].
Decisão cirúrgica e cuidados iniciais
Todo o paciente com fratura de quadril deve ser avaliado por um ortopedista. Na maioria das vezes, será necessária intervenção cirúrgica para correção da fratura. Em geral, as fraturas intra-capsulares (cabeça e colo do fêmur) são tratadas com artroplastia de quadril ou fixação interna. A artroplastia pode ser total (prótese metálica no fêmur com componente acetabular) ou hemiartroplastia (somente prótese metálica no fêmur). A fixação interna envolve a colocação de múltiplos parafusos ou um parafuso único associado a uma placa lateral (sistema conhecido como dynamic hip screw — DHS ou sliding hip screw — SHS). As fraturas intertrocantéricas são tratadas habitualmente com fixação interna, seja com DHS ou com haste intramedular [13].
Como exceção, pacientes acamados, com doenças avançadas ou em contexto de fim de vida, podem ser candidatos à terapia conservadora [14]. Contudo, a cirurgia pode ser considerada no contexto de cuidados paliativos, reduzindo dor e outros sintomas.
A correção da fratura de fêmur é considerada uma cirurgia de urgência. A sociedade americana de ortopedia recomenda a abordagem em 24 a 48 horas, visando melhor controle de dor, complicações e redução do período de hospitalização [10].
A cirurgia precoce (em 24 a 48 horas) reduz o risco de complicações, como mortalidade precoce e intercorrências clínicas durante o internamento (pneumonia, insuficiência cardíaca e tromboembolismo venoso) [2, 14-16]. Um estudo publicado em 2024 sugeriu que pacientes com injúria miocárdica abordados em até 6 horas da fratura tiveram redução de mortalidade quando comparados à cirurgia em 24 horas [1].
No momento da admissão, as condições clínicas devem ser prontamente avaliadas e controladas para não atrasar a cirurgia. A diretriz britânica traz como exemplos: anemia, desidratação, distúrbios hidroeletrolíticos, arritmias, infecções e exacerbações de comorbidades [14]. Veja mais sobre manejo de medicamento no perioperatório em "Anticoagulação no Perioperatório" e "Manejo Medicamentoso no Perioperatório".
O cuidado inicial deve garantir o controle da dor. Apesar dessa recomendação, idosos com déficit cognitivo recebem menos analgesia que indivíduos com cognição preservada [17]. Há benefícios para o uso da analgesia multimodal — quando vários mecanismos de analgesia são utilizados concomitantemente, visando minimizar eventos adversos [10, 14, 18]. Nesse sentido, são opções:
- Analgésicos comuns, como dipirona, paracetamol e opioides, na fase aguda [19, 20].
- Anestesia regional (raquianestesia).
- Bloqueios, como o bloqueio da fáscia ilíaca ou do nervo femoral.
Cuidados perioperatórios
Uma complicação aguda da fratura de quadril é o tromboembolismo venoso (TEV). Todos os pacientes com fratura de quadril devem receber profilaxia para TEV [10]. A profilaxia deve ser mantida por 14 a 35 dias após a cirurgia [21]. Os medicamentos mais utilizados são:
- Enoxaparina 30 mg de 12/12 horas ou 40 mg 1x/dia, via subcutânea.
- Rivaroxabana 10 mg via oral 1x/dia.
- Apixabana 2,5 mg via oral 12/12 horas.
- AAS 81 a 160 mg via oral 1x/dia.
Veja mais em "Profilaxia de Tromboembolismo após Artroplastia Eletiva".
A sociedade americana de ortopedia recomenda fortemente a administração de ácido tranexâmico (transamin ®) para pacientes com fratura de quadril, com objetivo de reduzir sangramento relacionado ao procedimento e necessidade de transfusão de hemácias. Ainda há incertezas quanto à dose e via de administração ideais [22, 23, 24].
A profilaxia antimicrobiana previne a ocorrência de infecção articular periprótese. A cefazolina é a opção mais recomendada, na dose de 1 a 2 g via intravenosa de 8/8 horas. Em caso de alergia à cefazolina, vancomicina ou clindamicina podem ser usadas. Os esquemas de profilaxia devem ser mantidos por 24 horas e podem variar conforme o protocolo de cada hospital [2, 25]. Veja mais em "Infecção Articular Periprótese".
O delirium é uma complicação possível no contexto de fratura de quadril e pós-operatório. Nessa situação, fatores predisponentes (pacientes idosos, frágeis, com polifarmácia) e precipitantes coincidem, com destaque para os seguintes precipitantes:
- Dor.
- Desidratação.
- Distúrbios hidroeletrolíticos.
O delirium deve ser ativamente pesquisado no paciente internado por fratura de quadril, principalmente se houver histórico de declínio cognitivo prévio [18]. Veja mais em "Delirium".
Prevenção secundária
A história de fratura de quadril é o principal fator de risco para sua recorrência. Todos os pacientes devem ser avaliados quanto ao risco de queda e minimização desse evento [2]. Isso inclui reabilitação física, avaliação de medicamentos que aumentam risco de queda e adaptação de ambiente para maior segurança.
Uma fratura de quadril desencadeada por trauma de baixa intensidade, como a queda da própria altura, indica que o paciente possui osteoporose e deve receber terapia específica. A adequação da ingesta de cálcio e vitamina D também é recomendada a todos os pacientes ainda na internação [2]. Na ausência de contraindicações, os bisfosfonatos devem ser prescritos a partir de 14 dias da fratura [26]. Veja mais em "Tratamento Farmacológico de Osteoporose Primária".