O pré-tratamento com antiplaquetários, especificamente inibidores do receptor P2Y12 (clopidogrel, prasugrel e ticagrelor), consiste na administração de uma dose de ataque desses medicamentos antes da avaliação da anatomia coronariana pela angiografia (também chamado de cateterismo). Ou seja, a droga é administrada na ambulância ou no pronto-socorro, antes do paciente ir para a sala de hemodinâmica. Em inglês, essa intervenção também é conhecida como tratamento upstream. O benefício dessa estratégia não é claro.
O potencial benefício do pré-tratamento seria prevenir eventos isquêmicos precoces antes ou durante a intervenção coronariana percutânea (angioplastia com stent). No entanto, essa estratégia pode expor desnecessariamente o paciente a um risco aumentado de sangramentos se a doença arterial coronariana não for confirmada na angiografia ou se um procedimento cirúrgico urgente for necessário (por exemplo, cirurgia de revascularização do miocárdio, reparo de dissecção aórtica).
Os pacientes que vão para a sala de hemodinâmica com a suspeita de infarto primeiro realizam uma angiografia coronariana diagnóstica por cateter (cateterismo). Caso esse exame confirme o diagnóstico com uma lesão cujo melhor tratamento é a intervenção coronariana percutânea, o paciente é submetido à angioplastia com colocação de stent. Nesse grupo, o pré-tratamento teria um potencial benefício. Contudo, em alguns pacientes, a angiografia não comprova o diagnóstico de doença coronariana ou demonstra doença coronariana que é melhor tratada com cirurgia de revascularização. A necessidade de cirurgia ocorre especialmente naqueles com síndromes coronarianas sem supradesnivelamento do segmento ST, em que esse procedimento pode ser necessário em até 10% dos casos. Nesses pacientes, o pré-tratamento atrasa os procedimentos cirúrgicos, por ser necessário esperar o efeito do inibidor da P2Y12 se dissipar para o risco hemorrágico durante a cirurgia ser menor.
Pacientes com síndromes coronarianas sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST)
Evidências contemporâneas, como os estudos ACCOAST e DUBIUS, falharam em encontrar benefícios com o pré-tratamento, com tendência a mais sangramentos no estudo ACCOAST. As diretrizes atuais recomendam administrar o segundo antiplaquetário nos pacientes com SCASSST somente após o conhecimento da anatomia coronariana pela angiografia. Se a anatomia for favorável à intervenção coronariana percutânea, o inibidor do receptor P2Y12 é administrado. Caso a anatomia seja adequada para o tratamento cirúrgico e a previsão é de que a cirurgia ocorrerá nos próximos dias, o segundo antiplaquetário não deve ser feito, para não atrasar o procedimento.
Se a angiografia coronariana diagnóstica (cateterismo) for demorar mais de 24 horas, é razoável administrar o segundo antiplaquetário enquanto se aguarda o procedimento.
Infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCST)
Não há evidências fortes que apoiem o pré-tratamento em pacientes com IAMCST. Como o pré-tratamento foi permitido nos estudos que levaram à aprovação de ticagrelor ou prasugrel (PLATO e TRITON-TIMI, respectivamente), as diretrizes atuais ponderam que um dos dois agentes pode ser feito antes (pré-tratamento) ou, no máximo, no momento da intervenção coronariana percutânea. Em pacientes que realizarão trombólise, o segundo antiplaquetário deve ser administrado logo e, nesses casos, a escolha é pelo clopidogrel.
O estudo ATLANTIC foi o maior trabalho que avaliou o pré-tratamento em pacientes com IAMCST, em que ticagrelor 180 mg foi administrado na ambulância imediatamente após o diagnóstico. Houve uma redução pequena, mas significativa, em trombose precoce de stent, mas não houve diferenças na resolução do segmento ST ou em outros resultados clínicos.
Referências:
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